“Atenção, Creuzebek!”. Assim começava um dos álbuns da banda dos anos 90, Mamonas Assassinas, que marcou a música brasileira e também deixou fãs em Portugal.
A 'estória' parecia simples de contar: cinco rapazes, vivendo na cidade de Guaraulhos, em São Paulo, no Brasil, fundam uma banda com um nome estranho, compõem letras e músicas ainda mais peculiares e tornam-se um sucesso – isto se não tivesse sido demasiado breve. Do lançamento do álbum à queda do avião que os vitimou foram apenas nove meses, mas foi o suficiente para que os Mamonas Assassinas se tornassem num fenómeno.
Depois de meses frenéticos em tour, a 2 de março de 1996, os Mamonas Assassinas estavam a regressar a São Paulo de um concerto em Brasília, que encerrava a tour no país. Depois de uma primeira tentativa de aterragem sem sucesso, uma falha de comunicação entre a torre de controlo do aeroporto e o piloto do Learjet 25D, que os transportava, provocou o choque com uma montanha da Serra da Cantareira, a norte de São Paulo. Eram 23h15. O acidente deu-se, precisamente, a um dia apenas de realizarem a primeira viagem internacional, com destino a Portugal. Eram esperados por cá no dia 3 de março.
Mas a banda, que conheceu um final infeliz, começou alguns anos antes sob a forma de um “plano que parecia irrealizável”.
“A Utopia dos Mamonas”
A aventura teve início em 1989, com os irmãos Sérgio (na bateria) e Samuel 'Reoli' (no baixo), a juntarem-se a Bento Hinoto (guitarra) para formarem os Utopia. Entre riffs, percussão e sem um vocalista definido, o trio entoava covers de bandas rock como Titãs, Legião Urbana, Ultraje a Rigor, Barão Vermelho e Os Paralamas do Sucesso.
Durante um concerto da banda, em 1990, o público pediu para tocarem a “Sweet Child O’Mine”, de Guns’N’Roses. Sem saber a letra, o grupo não teve outra alternativa que não pedir a alguém do público que os ajudasse: ao palco subiu Alecsander Alves, — para os fãs da banda, ‘Dinho’ —, que improvisou o inglês e a letra, acabando por assegurar o lugar de vocalista.
Meses depois, juntaram-se Márcio Araújo, nas teclas, e Júlio ‘Rasec’, amigo de Dinho, que ajudava nas covers (já que falava inglês) e era como um ‘roadie faz tudo’. Mais tarde, Márcio Araújo abandonou a banda para prosseguir com os estudos na Faculdade, e 'Rasec' assumiu o lugar de teclista e ‘back vocal’ da banda.
Em 1991, como Utopia, gravaram um vinil (LP) com seis músicas, mas só no ano seguinte lançariam um disco — venderam apenas cerca de uma centena das mil cópias impressas. E foi esse fracasso evidente dos Utopia que deu lugar ao ponto de viragem na sua história.
Anos mais tarde, numa noite, entre brincadeiras em estúdio, Dinho gravou “Mina (Minha Pitchulinha)" – a primeira versão de “Pelados em Santos” – e Rodrigo Castanho, produtor que estava no estúdio durante o feito, chamou a atenção do produtor da banda, Rick Bonadio, para a gravação, afirmando que tinha rido a noite inteira ao ouvir aquilo.
Depois de ouvir, Rick – ou ‘Creuzebeck’, como lhe chamavam – sugeriu que compusessem mais músicas naquele registo "cómico" e que misturassem músicas engraçadas com rock. Assim foi, adaptaram a “Pelados em Santos” e “Robocop Gay” e, posteriormente, compuseram “Vira-vira” [paródia da música “Arrebita”, do cantor Roberto Leal] – músicas que formaram a primeira demo, gravada em 1994.
Deixaram de lado os covers, o fracasso do álbum lançado e o nome para dar vida a uma nova banda: Mamonas Assassinas. Juntavam música e humor, aliando vários géneros musicais – uma mescla de influências que incluía pop rock, sertanejo, pagode romântico, forró, heavy metal e até o tão português vira. Mudaram também o guarda-roupa: o estilo "rockeiro" deu lugar a roupas coloridas, perucas, adereços espalhafatosos e "disfarces". E, assim, estava feita a receita do sucesso e a banda acabaria por cativar não só os adultos, como as crianças também.
Das principais editoras do país – EMI, WEA, PolyGram, Sony, BMG-Ariola e Som Livre – foi a EMI que assinou a banda e que em maio de 1995 os colocou num avião para Los Angeles, nos EUA, para gravarem o primeiro disco, composto em menos de uma semana. A 23 de junho desse ano, deu-se então o lançamento oficial do seu único álbum de estúdio e homónimo. E apenas 12 horas depois de a música "Vira-vira" ter tocado na rádio, venderam 25 mil cópias.
Duas décadas mais tarde, o álbum ainda se mantém no recorde de vendas da história da música brasileira como um dos mais vendidos de sempre: 2,5 milhões de álbuns.
Apesar dos temas controversos, cheios de duplos sentidos, e das letras "politicamente incorretas" de muitas das suas músicas, principalmente para os dias de hoje, os Mamonas Assassinas invadiram as rádios brasileiras e algumas portuguesas, caindo nas graças do público. Em Portugal, o disco vendeu mais de 20 mil cópias, tornando-se o segundo mais vendido no país em 1996.
Por cá, as músicas foram introduzidas no programa satírico A Noite da Má Língua, da SIC: "Bois Don't Cry" em referência à princesa Diana e ao príncipe Carlos, "Robocop Gay" sobre a ida dos soldados portugueses para a Bósnia e "Vira-vira" foi tema da campanha presidencial de Cavaco Silva e Jorge Sampaio.
“Acho que eram uma banda que saía um bocado da caixa e abordava as coisas com uma ironia e humor e um tipo de linguagem que não era vulgar. Embora haja um rockeiro brasileiro, Raúl Seixas, dos anos 70/80, que já tinha algum desse espírito”, recordou ao SAPO24 Manuel João Vieira, músico responsável por bandas como Ena Pá 2000, Irmãos Catita e Corações de Atum e também ele um artista dedicado a músicas satíricas.
“Tenho uma memória de serem uns tipos porreiros, divertidos, que se divertiam com aquilo que faziam, e ainda por cima ganhavam montes de massa”, acrescentou, descrevendo a sua música como “jovial, era positiva e diferente, de repente”.“Claro que toda a gente conhecia e ouviu essa banda. Fez parte de um colorido geral de uma atmosfera”, conta.
Seria possível o sucesso da banda na "cultura do cancelamento"?
O produtor Rick Bonadio acredita que não. Numa entrevista ao Correio da Bahia, publicada a 27 de outubro de 2020, Bonadio afirmou que atualmente “eles seriam ‘cancelados’ no primeiro refrão”.
"Dinho, que era baiano [de Irecê] sacaneava negros, gays e nordestinos, mas era tudo uma piada com bom senso e inocência, até. Mas a nossa sociedade vive uma situação de amadurecimento em que as pessoas estão, com toda a razão, defendendo que não se façam piadas dessa maneira... Como eles eram muito desbocados, ia ser difícil segurar. Então, acho que haveria muita resistência", justificou.
Ricardo Alexandre, jornalista e autor do livro "Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar: 50 causos e memórias do rock brasileiro", referiu em entrevista à Rolling Stone Brasil, que “a própria história deles, de terem composto o álbum muito rapidamente e de terem um repertório pequeno, que eram músicas feitas como piada, reforça, por um lado, esse lado espontâneo deles e tira um pouco dessa carga preconceituosa”.
“Essa fase dos Mamonas Assassinas também é muito própria de um humor mais preconceituoso. Hoje, a gente trouxe discussões sobre a legitimidade de certos tipos de humor que não existiam naquela época”, fundamentou.
Questionado sobre a possibilidade de os Mamonas terem o mesmo sucesso hoje em dia, Manuel João Vieira considerou que “era difícil de dizer”, mas que “neste momento, com a situação política do Brasil, deviam aparecer uns Super Mamonas. Acho que há razões para isso”.
“Se fosse em Espanha não conseguiam de certeza. No Brasil, eles recuperaram essa vertente do Raul Seixas, mais atrevida e mais palavrosa. (...) É engraçado que a língua portuguesa sirva tão bem para esse tipo de linguajar. Desde o galaico português que existem formas de utilizar o calão de uma maneira interessante e crítica e só divertida. (...) Acho que isso tem que ver com uma permissão que vem, apesar de tudo, da língua portuguesa também. Embora, obviamente, que esse tipo de linguagem se utilize muito na língua inglesa e passa na rádio porque é em inglês. Por acaso, acho que em português não iria passar na rádio, era mais complicado”.
Certo é que, 25 anos depois, os Mamonas Assassinas ainda atraem público: “Faço programação num bar, Titanic [Sur Mer], e levei lá algumas vezes uns grupos que faziam covers dos Mamonas e essas noites estavam cheias, curiosamente. E isso, foi há pouco tempo, há dois anos”, conta.
“Em relação aos Mamonas, espero que eles estejam no Paraíso e que estejam a divertir-se e a curtir num Paraíso tropical”, rematou.
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