Aos 68 anos e com uma carreira na advocacia iniciada em 1980, este advogado especializou-se nas últimas duas décadas no combate aos abusos de direitos humanos pela justiça em Portugal, defendendo centenas de reclusos e detidos, quase sempre pelas condições degradadas de muitas prisões nacionais, pelo tempo excessivo de prisão preventiva ou pela falta de resposta em tempo útil dos tribunais.
“A justiça em Portugal não funciona e quando funciona, funciona muito mal. Portugal não respeita a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. É a mãe de todas as leis e de toda a ordem jurídica na Europa”, conta, lembrando os primeiros processos que foi entregar pessoalmente em Estrasburgo ou a sua primeira vitória: o caso de uma jovem queimada com um ‘shot’ a arder e em que a justiça nacional absolveu o funcionário do bar para ver depois o TEDH dar-lhe razão e impor uma indemnização do Estado à jovem.
Atualmente estabelecido em Torres Vedras, Vítor Carreto passou pelas áreas do direito cível, família, administrativo e penal, fixando-se mais tempo nesta última vertente. Foi a partir daqui que adquiriu um conhecimento privilegiado da realidade do sistema prisional que se traduziu em centenas de processos junto do TEDH.
Segundo um levantamento feito pela Lusa na base de dados da instituição, o somatório dos quase 40 processos que ganhou desde 2012 (a pesquisa não mostra resultados anteriores) ascende a mais de meio milhão de euros em indemnizações (pelo menos 511 mil euros) a pagar pelo Estado, um montante que não o espanta e que crê que só irá crescer.
“Não fico surpreendido, porque a justiça portuguesa tem o que merece. Portugal gosta muito de receber o dinheiro que vem da Europa, mas depois não gosta de cumprir as regras que vêm de Bruxelas e de Estrasburgo. Tenho pena de não haver 1.000 ou 5.000 advogados a meter queixas contra Portugal no Tribunal Europeu. Portugal vai ser condenado muitas vezes até mudar o sistema”, disse Vítor Carreto à Lusa.
Crítico do funcionamento do Ministério Público, a quem exige maior rapidez e a saída dos tribunais, Vítor Carreto denuncia uma “promiscuidade criminosa” entre procuradores e juízes, em especial na aplicação da prisão preventiva. E é nesta área que aguarda por uma decisão do TEDH relativamente a dezenas de processos que apresentou e que terá força de jurisprudência.
“Prendem a pessoa para a fragilizar e despersonalizar. O Ministério Público domina o processo penal e os senhores juízes são uma espécie de notários que põem o carimbo e concordam com tudo. Neste momento, tenho lá cerca de 100 a 120 processos pendentes (só) por abuso da prisão preventiva. Espero que venha uma decisão que obrigue Portugal a rever o sistema”, critica o advogado.
Vítor Carreto, que já esteve envolvido em casos mediáticos, como o dos irmãos iraquianos acusados de crimes de guerra ou o do traficante de droga Franclim Lobo, considera que o sistema prisional “está falido” e mostra-se descrente nas capacidades de reinserção das prisões nacionais, defendendo uma mudança de paradigma.
“Era preferível ter duas boas prisões que funcionassem bem e o resto serem psiquiatras e psicólogos a tratar as pessoas para recuperá-las para a sociedade. O crime é um mal. E esse mal tem de ser combatido com o bem, não com a manutenção do preso num armazém em condições desumanas e a conviver com ratos, baratas, pulgas e percevejos”, frisa, lamentando a “falta de humanismo, dignidade, respeito, bom senso e equilíbrio” da justiça portuguesa.
O cansaço e a idade já transparecem na voz e nas palavras, mas o advogado garante que não vai parar de lutar pelos direitos humanos: “Comecei em 2004, nunca mais parei e vou continuar até a saúde permitir”.
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