Esta terça-feira, a Warner Bros., celebrou um centenário de vida. E ainda que tecnicamente o aniversário e o soprar das velas fosse neste dia, a festa continua durante o resto de 2023 com o "Celebrating Every Story", evento marcado por lançamentos comemorativos e um documentário de quatro partes sobre a sua história, que ficará disponível na HBO Max.
Mas o que é, o que faz e porque é que estamos a falar de um estúdio de cinema? Essencialmente porque o logotipo (e a sua torre água) "WB" são tão reconhecidos quanto os seus heróis e ostenta um selo de antiguidade que representa um enorme pedaço do entretenimento que hoje conhecemos. O seu nome completo é Warner Bros. Entertainment Inc., que é uma subsidiária do conglomerado Warner Bros. Discovery, que nasceu em 2022 com a fusão da WarnerMedia e do grupo Discovery. Com dedos na animação, televisão, videojogos, mercado livreiro, merchandising, música, teatro ou parques de diversão, é responsável por (muitas!) marcas com que lidamos quase todos os dias (sejam de filmes, franquias, streaming, etc).
Ao mesmo tempo, é um dos "Big 5" do velhinho "sistema de Hollywood".
Os Big 5. Antes da Walt Disney adquirir um monte de empresas e de ter a Pixar ou a Marvel na sua chancela, e antes de outros estúdios de cinema e empresas estarem a ser comprados por outros conglomerados a imitar o modelo de negócio da casa do Rato Mickey, existia "o sistema clássico" de estúdios de Hollywood. E dentro desse sistema clássico, estava a Warner Bros., juntamente com a MGM, Paramount, Fox e a RKO.
OK. E o que é o sistema clássico? Basicamente, é um método empresarial onde os estúdios de cinema controlam todos os aspetos dos seus filmes, incluindo a produção, distribuição e exibição. São os bastidores que vemos nos filmes sobre filmes, aqueles enormes armazéns que quando abrem os seus enormes portões nos colocam na fantasia de Hollywood — é pensar nos "Os Fabelmans" ou "Era Uma Vez... em Hollywood". Ou seja, são empresas (muito) grandes (e poderosas) que controlam tudo de início ao fim na vida de um filme — desde a primeira página em branco até o produto final chegar ao cinema. Falando especificamente da Warner Bros., Jack Warner goza de uma fama pouco recomendável como disciplinador ao ter criado uma "linha de montagem" estilo fábrica (de filmes), que dominou a indústria do cinema durante décadas (nomeadamente entre 1930-60, um período conhecido como a "Era Dourada de Hollywood").
A origem
Os irmãos Harry, Albert e Sam chegaram ainda crianças aos EUA, em 1889. Como muitos antes deles, chegaram provenientes da Polónia, que na altura fazia parte do Império Russo. E também como era comum à época, os três irmãos substituíram os seus nomes judaicos por versões ocidentais. Szmuel Wonsal tornou-se Samuel Warner, Hirsz Wonsal passou a chamar-se Harry Warner e Aaron Wonsal virou Albert Warner.
Durante um breve período, a família atravessou a fronteira do Michigan com o Canadá, para viver no Ontário — e é já no Great White North que nasce o quarto elemento Warner, o mais novo, chamado Jack. Acabariam, todavia, por regressar ao território de Tio Sam à procura do "Sonho Americano" — e por fundar uma empresa com um dos nomes mais reconhecidos do país.
Tal como nota este perfil do The Hollywood Reporter, estes irmãos eram diferentes dos outros magnatas do cinema de Hollywood nos primeiros anos da indústria. Principalmente porque eram mais sagazes, arrojados, sinceros e apaixonados do que os restantes, vivenciando a arte de formas que se afastavam da norma. O irmão que talvez tenha sido mais proeminente publicamente foi Harry, um homem de negócios estóico e imigrante orgulhoso. Sam era o visionário técnico que desapareceu demasiado cedo (morreu com apenas 40 anos). Albert evitou em grande parte o escrutínio público, embora tenha servido como um embaixador leal da marca da família. Jack era a criança selvagem, o animador, o por vezes imprevisível.
Ora, diga-se que estes talentos foram bem benéficos durante um período de transição para o que viria a ser a indústria do entretenimento filmado. Tudo começou em 1903, ano em que os irmãos juntaram todo o seu dinheiro para adquirir "uma nova tecnologia": um projetor. O aparelho custava 1,000 dólares e não fosse o pai, Benjamin Warner, ter penhorado o seu relógio de ouro, e a sua história de vida podia muito bem ter sido outra.
O que nos remete para o próximo passo dos irmãos. Tendo fé no que tinham em mãos, decidiram montar uma tenda no seu quintal e convidaram vizinhos e membros da comunidade a testemunhar as imagens em movimento que emanavam do projetor de Sam (recorde-se, era este o visionário). A atração foi um sucesso e o pontapé de saída estava dado para os próximos 15 anos, em que saltaram de cidade em cidade, de projeção em projeção, até que, em 1917, começaram a produzir os seus próprios filmes e mudaram o negócio e toda a operação para Los Angeles. A partir daí, operaram em múltiplos locais, nomeadamente nos famosos Estúdios Sunset Bronson (agora propriedade da Netflix), onde nasceram os Looney Tunes ou o primeiro filme com fala/diálogo sincronizado.
Até que chegamos ao final de 1922, em que os Warners apresentaram um novo pedido de registo de marca ("Warner Brothers' Classics of the Screen") para trilhar o futuro. Harry, o presidente da empresa, explicava a necessidade desta mudança como maneira de fazer uma declaração ao público e à concorrência: os filmes da Warner eram "distintamente individuais na produção, no valor da história e na excelência dos atores do ecrã". Foi o passo a dar para que, a 4 de abril de 1923, incorporassem o estúdio que iria criar os sucessos que hoje conhecemos.
Marcos & Era Dourada
Resumir 100 anos de feitos numa artigo sem cair num exagero de linhas não é fácil, especialmente quando se fala de uma empresa em que a própria existência na vida real prima pelo tom "Hollywoodesco". É que se por um lado se louva o aspeto e inovação, por outro convém referir que na esfera privada existia uma rivalidade intensa, em que a luta pelo poder e controlo entre os quatro irmãos (com muita ganância e dinheiro à mistura como demonstra o filme de Cass Warner, neta de Harry Warner) está umbilicalmente ligada a muitos projetos icónicos que mudaram e marcaram o curso da história do cinema.
Todavia, independentemente das tricas familiares, há tópicos e filmes incontornáveis como é o caso de "O Cantor de Jazz" (1927), que catapultou os Bros. Warner para o topo da hierarquia de Hollywood, ou não fosse o primeiro filme com som sincronizado, em que havia "música" e "falas" devido ao seu inovador sistema "vitaphone" (a primeira demonstração do que isto é pode ser vista no YouTube), que veio definitivamente provar que o cinema mudo era coisa do passado. Porém, este filme marca igualmente a família por uma tragédia: Sam Warner, um dos maiores defensores do vitaphone, morreu um dia antes da estreia do filme, vítima de pneumonia, nunca chegando a gozar do sucesso da sua visão.
Neste altura, em plenos anos 20, os Warner mostravam-se inovadores destemidos, sem medo de romper com a norma, solidificando o seu estatuto como titãs desta icónica indústria americana. Tanto que nos anos que se seguiram produziram algumas das fitas mais relevantes do séc. XX. Isto, note-se, ao mesmo tempo que o estúdio amealhava crédito vitalício entre as famílias com os seus desenhos animados, sendo os mais famosos os Looney Tunes, com personagens adoradas como o Bugs Bunny, que ainda hoje perduram e fazem parte da agenda cultural de muitas gerações.
Sem se prender com os sucessos do passado, a Warner Bros continuou a inovar e a alargar os limites do que era possível nas décadas seguintes.
Televisão & atualidade
Na década de 90, a Warner Communications fundiu-se com a Time Inc. (que fundou a HBO em 1972) para formar a Time Warner Inc., a maior empresa de media e entretenimento do mundo na altura. Seguiram-se muitos filmes nesses anos como "Tudo Bons Rapazes". Mas o salto para a memória recente acontece por ser o estúdio que deu ordem para se produzir e adaptar sagas que dispensam apresentações como a de Matrix, "O Senhor dos Anéis" ou Harry Potter. (E "Inception" também!)
No pequeno ecrã, o sucesso é equivalente ou não fosse a Warner responsável por talvez dois dos programas mais populares dos anos 90 e 2000: "Friends" e "Serviço de Urgência" (e não dá para ignorar "A Teoria do Big Bang" que chegou mais tarde). Depois, claro, há que contar com todos aqueles sucessos que agora conhecemos e estão disponíveis na HBO Max como "A Guerra dos Tronos", "The Wire" ou "Os Sopranos".
Em suma, a história da Warner Bros não é apenas a história de um estúdio. É a história de muitas pessoas e de artistas, de a atores a cineastas talentosos, sem esquecendo obviamente outras figuras da indústria, que durante um século moldaram muitas faces da cultura pop como hoje a conhecemos. E por tudo estas razões que agora numerámos e com este catálogo incrível, achámos que valia a pena escrever umas linhas de parabéns. Nem que seja porque não se festejam 100 anos de filmes todos os dias.
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Artigo atualizado em 17 de abril. Corrige a informação contida no título original, que afirmava que o "Feiticeiro de Oz" era um filme produzido pela Warner Bros. (WB). Apesar de hoje ser a WB a deter os seus direitos e ser a WB a fazer a sua exploração, o filme foi feito pela MGM.
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