A exposição, intitulada “Desta canção que apeteço”, é uma organização da Associação José Afonso (AJA), resulta de uma investigação de Miguel Gouveia e Cláudia Lopes, e compreende o período que vai de 1953, data do primeiro registo fonográfico do cantor, nos estúdios da Emissora Nacional, em Coimbra, até 1985, quando foi gravado o seu último disco de estúdio, “Galinhas do Mato”.
A exposição é constituída por painéis, organizados de forma cronológica, sobre a carreira e a intervenção de cidadania do autor de “Grândola, Vila Morena”, por vários objetos como os manuscritos autógrafos, esboços das capas dos álbuns, de autoria de artistas como José de Santa-Bárbara, entre outros, e ainda uma parte, denominada “Filhos da Madrugada”, constituída por CD de alguns grupos e músicos que recuperaram e seguiram o repertório de José Afonso, disse à agência Lusa Helena Carmo, da AJA.
Entre os objetos expostos encontra-se “a famosa quadrícula”, que era um sistema inventado por José Afonso, no qual anotava a forma como entendia a música que compunha, explicou Helena Carmo.
“O Zeca [Afonso] tinha um processo, a famosa quadrícula, que de certa maneira lhe permitia registar o que queria que acontecesse em termos da música. Ele usava o papel quadriculado, de cadernos, e aí, de uma maneira muito rudimentar, mas bastante precisa, ele, de certa maneira, registava, algumas vezes, o que pretendia, outras vezes, era só de ouvido, ou ia dizendo nas gravações”, contou Helena Carmo.
A maioria dos objetos expostos faz parte do espólio da AJA. Os desenhos das capas são propriedade do próprio artista plástico, que as cedeu para a exposição. “Uma parceria que foi muito criativa entre o José Afonso e Santa-Bárbara, com capas muito modernas e desafiantes”, assinalou.
O pintor e designer José Santa-Bárbara concebeu a maioria das capas dos discos de José Afonso: “Cantares do Andarilho” (1968), “Contos Velhos Rumos Novos” (1969), “Traz Outro Amigo Também” (1970), “Cantigas do Maio” (1971), “Eu Vou Ser Como a Toupeira” (1972), “Venham Mais Cinco” (1973), “Enquanto Há Força” (1978), “Fados de Coimbra Outras Canções” (1981) e “Como Se Fora Seu Filho” (1983).
Alberto Lopes, artista plástico, músico, ator, assinou as capas de “Fura fura” e “Galinhas do mato”, o artista João de Azevedo fez “Com as minhas tamanquinhas”, e o designer José Brandão, fundador do atelier B2, desenhou o “Coro dos tribunais”.
Esta exposição tem caráter itinerante e foi montada com o apoio da Câmara de Grândola, vila onde foi inaugurada em 2012, e esteve já patente, entre outros, nos municípios de Évora e Setúbal.
O documentário de Tiago Pereira, que é exibido em paralelo à exposição, apresenta testemunhos de músicos e técnicos que trabalharam com José Afonso, entre os quais Levy Baptista, Paulo Alão, José Mário Branco, Michel Delaporte, José Luís Iglésias, Octávio Sérgio, Carlos Zíngaro e Júlio Pereira.
Para os investigadores Miguel Gouveia e Cláudia Lopes, esta exposição “não deixa de se constituir como uma base sólida para o estudo e discussão de uma das obras mais marcantes da música popular mundial”.
A liberdade, a emancipação das pessoas e a defesa do poder popular são valores “impossíveis de esconder” na obra de José Afonso, na sua própria vida, segundo declarações à Lusa do presidente da AJA, Francisco Fanhais.
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos nasceu em Aveiro, no dia 02 de agosto de 1929, licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas, em Coimbra, com a defesa de uma tese sobre Jean-Paul Sarte, no início dos anos de 1960, depois de já ter gravado os primeiros discos com Rui Pato e de ter atuado com José Niza.
Lecionou em escolas de Portugal, assim como de Angola e Moçambique, até que a contestação à ditadura e à guerra colonial o levou à prisão pela PIDE, a polícia política do regime, e à expulsão do ensino oficial, em 1968.
Os álbuns “Cantigas do Maio” (1971), que inclui “Grândola, vila morena”, e “Venham mais cinco” (1973), o disco de “Era um redondo vocábulo”, ambos gravados em França, contaram com produção e direção do músico e compositor José Mário Branco.
Publicados antes do 25 de Abril de 1974, estes álbuns garantiram a José Afonso os Prémios da Casa de Imprensa de melhores discos e de melhor interpretação, em anos sucessivos, e estabeleceram a fronteira entre a música portuguesa “antes de José Afonso e depois de José Afonso”, como afirmam os seus companheiros.
No percurso do músico, seguir-se-iam mais sete álbuns de estúdio e um gravado ao vivo no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.
A exposição “Desta canção que apeteço — obra discográfica de José Afonso 1953/1985″ fica patente ao público no Museu do Oriente, até dia 22 de setembro.
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