“Temos de nos lembrar do passado, lembrarmo-nos do que passámos e não esquecer as nossas vidas e a História, onde estivemos. Lembrarmo-nos dos bons tempos e dos maus. Ter um registo de tudo isto é importante. Esperançosamente, em algum momento no futuro, faremos melhor”, disse Steve McCurry, em declarações à Lusa, hoje na Cordoaria Nacional, em Lisboa, no final de uma visita à exposição “ICONS”.
Na mostra, com curadoria da italiana Biba Giacchetti, cofundadora da agência Sudest57, são apresentadas cerca de cem imagens dos projetos que o fotógrafo tem desenvolvido nas últimas décadas.
As imagens escolhidas são apresentadas como “as mais emblemáticas”, mas Steve McCurry tem dificuldade em apontar uma: “Todas as minhas fotos são um corpo de trabalho, eu não diferencio. Não sinalizo uma ou duas, vejo-as na sua totalidade. Gostas sempre de fotos diferentes por razões diferentes: retrato, paisagem, algo que ocupou muito tempo e consumiu muita energia e teve dificuldades, às vezes as fotos são muito fáceis, por vezes estás emocionalmente ligado a uma situação em particular. É sempre difícil, não gosto de escolher uma”.
Uma das fotografias mais reconhecidas de Steve McCurry é o retrato de uma menina afegã, Sharbat Gula, tirado no Afeganistão em 1984 e que foi capa da National Geographic no ano seguinte.
O fotógrafo sente que quando se vê as imagens que captou naquele país ao longo dos últimos 30 anos “começa a ver-se um padrão a emergir”. “Vês uma cultura, um povo que foi brutalizado, pessoas destruídas por esta deterioração contínua, que dura há 40 anos”, disse.
É neste, e noutros casos, que o registo é importante, para se fazer melhor no futuro, “mas para já o Afeganistão está uma trapalhada”.
“No mundo, de certa forma as coisas estão a melhorar e de outra estão a piorar. Está a acontecer na Ucrânia, no Iémen, no Iraque, na Síria, de forma contínua, estão a ir na direção errada”, considerou.
De todos os momentos históricos que acompanhou, Steve McCurry destaca a Guerra do Golfo, em 1991, “com aquela catástrofe ambiental”, como o que mais o marcou.
“Para mim assumiu proporções épicas, de certo modo bíblicas. Toda a paisagem estava em chamas, provocou tantos estragos no Golfo. Documentar isso… Estive lá cerca de um mês, e foi um dos [momentos] que se destacaram como uma experiência profunda, que ficou marcada na minha mente”, partilhou.
Steve McCurry já fotografou um pouco por todo o mundo, do Afeganistão à Índia, do Sudeste Asiático a África, passando por Cuba, Estados Unidos, Brasil ou Itália, mas há um local com qual tem “uma ligação especial”.
“Tenho uma ligação especial com o Tibete e a cultura tibetana, as pessoas, as paisagens, acho que é um sítio muito especial. É um sítio profundo em termos de espiritualidade, da paisagem, os Himalaias. E as pessoas são tão amigáveis, os mosteiros, a vida monástica é inspiradora. Há uma solidão em estar lá nas montanhas. É um lugar muito tranquilo”, contou.
Embora acabe por ser uma exposição retrospetiva, “ICONS” não tem um percurso definido e as imagens não estão dispostas cronologicamente, misturando-se as que foram captadas com máquinas analógicas e digitais.
A mudança do filme para o digital foi algo que “não foi difícil” para Steve McCurry.
“O mais desafiante foi o ‘backup’ do digital, passar do cartão [de memória] para um disco rígido. Esse processo foi um bocado complicado para mim no início, mas tive ajuda e com o tempo resolveu-se. O digital tem muitas vantagens. E aprecio isso”, referiu.
Em “ICONS”, o destaque vai todo para as imagens, com a sala quase toda a negro e o foco nas fotografias, impressas no estúdio de Steve McCurry e expostas sem molduras.
A mostra inclui ainda um ecrã, onde são mostrados vídeos sobre o trabalho do fotógrafo, que está atualmente “a trabalhar num livro novo, sobre devoção”.
“ICONS” estará patente na Cordoaria Nacional entre sexta-feira e 22 de janeiro de 2023, das 10:00 às 20:00. Os bilhetes têm preços a partir dos seis euros, sendo a entrada gratuita para crianças até aos 3 anos.
Steve McCurry nasceu em Filadélfia, no estado norte-americano da Pensilvânia, em 1950. Na mesma cidade, estudou cinema, na Universidade Estadual da Pensilvânia, antes de começar a trabalhar num jornal local.
Ao longo da carreira foi distinguido com vários prémios, incluindo quatro World Press Photo, e foi ordenado Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras pelo Governo francês.
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