Estávamos em 2004. Portugal perdia o Campeonato Europeu de Futebol na sua própria casa, Durão Barroso abandonava o cargo de Primeiro-Ministro para passar a presidir a Comissão Europeia, o Facebook começava a dar os primeiros passos no mundo digital, George W. Bush era reeleito e o rock tomava uma vez mais conta da imaginação de miúdos de todo o mundo – talvez a última vez que o fez em larga escala, sendo posteriormente substituído pelo hip-hop. O fascínio não se traduzia grosso modo nas tabelas de vendas, mas eram bandas como os Strokes, os Libertines, os Bloc Party, os Yeah Yeah Yeahs e os Interpol quem os fazia sair de casa, trocar uns beijos, beber uns copos e dançar toda a noite em locais como o Incógnito... Sim, dançar, porque este rock, tal como o primeiro rock, o de Chuck Berry e Elvis Presley e Little Richard, destinava-se a fazer dançar.
Talvez só à exceção dos artistas que saíam de Nova Iorque, à altura (Rapture, Radio 4, LCD Soundsystem em início de carreira), ninguém dançou tanto quanto os Franz Ferdinand, saídos da Escócia para continuar uma longa tradição daquele território no que a grandes bandas diz respeito (Orange Juice, Primal Scream, Jesus & Mary Chain...) e para inventar uma série de hinos para aquela juventude específica que, no NOS Alive, rodopiava e pulava e cantava cada verso ao mesmo tempo que gritava “isto é a minha adolescência!”. Hinos como, por exemplo, 'Take Me Out', 'The Dark Of The Matinée' ou 'This Fire', todas elas canções presentes no homónimo álbum de estreia do grupo.
Passados catorze anos desde esse primeiro choque, os Franz Ferdinand regressaram com “Always Ascending”, quinto álbum que, como o título poderá indicar, traduz uma procura da banda em dar ainda mais passos à frente. Cantar mais, dançar mais e, quem sabe, tocar até mais alto. Os Massive Attack poderão comprová-lo; na véspera do concerto dos Franz Ferdinand no NOS Alive, os autores de 'Unfinished Sympathy' cancelaram o seu próprio espetáculo no festival Mad Cool, em Madrid, alegando que o som que brotava do palco onde se encontravam, à mesma hora, os escoceses estava demasiado elevado...
“A culpa disso não foi nossa, foi do Mad Cool!”, atira-nos o baixista Bob Hardy, à conversa com o SAPO24 poucos minutos após o fim da sua performance no NOS Alive. “Era suposto termos tocado mais cedo, mas puseram os Snow Patrol [que também se apresentaram no festival de Algés] a essa hora e, por isso, o nosso concerto foi adiado. Talvez os Snow Patrol tivessem sido mais silenciosos...”
Talvez, mas o rock quer-se alto. A ideia é que cada rasgo de eletricidade se aninhe na cóclea e produza sensações ímpares, difíceis de descrever a quem não é de todo fã do género. O baterista Paul Thomson, falando do incidente de um modo mais perentório, acrescenta: “Contrataram-nos para dar um concerto, e foi o que fizemos”. O que não quer dizer que os Franz Ferdinand, apesar do tom irónico-jocoso com o qual o seu vocalista, Alex Kapranos, reagiu ao comunicado do Mad Cool, não sintam alguma empatia pela situação vivida pelos Massive Attack. “Em Coachella, esse tipo de situações acontece muitas vezes. Quando os Daft Punk lá tocaram, conseguia-se ouvi-los em todos os outros palcos...”, explica Hardy.
Os Daft Punk, tal como os Franz Ferdinand, vêm do mesmo meio – malta do rock que quer pôr outra malta do rock a abanar o esqueleto –, apesar de terem percorrido um caminho diferente. Em “Always Ascending”, no entanto, os escoceses parecem querer deixar relativamente de lado as guitarras e apostar em sonoridades mais eletrónicas, mesmo que a base continue a mesma. Para este disco, explica o baixista, os Franz Ferdinand tentaram “levar algumas ideias mais além”, como a de serem “uma banda que toca música de dança ao vivo”. E, de facto, mesmo sendo de uma geração diferente, os Franz Ferdinand conseguiram pôr muita gente a dançar no NOS Alive – gente que ali estava sobretudo pelos Pearl Jam, e que cresceu num meio grunge, onde dançar não é tão imperativo.
De modo a cumprir esse mesmo objetivo, os escoceses aliaram aos seus instrumentos tradicionais programas como o Ableton, muito usado na música eletrónica de dança, num processo que descrevem como tendo sido “bastante divertido”. “Passámos muito tempo a compor, no estúdio do Alex [Kapranos], vivemos na mesma casa... Ficámos um ano só a escrever canções, a gravar maquetas, a trabalhar na sonoridade [do álbum]. Foi um processo bastante agradável”.
“Always Ascending” surgiu após um período que, não sendo complicado, foi pelo menos turbulento: a saída de um dos seus membros fundadores, o guitarrista Nick McCarthy. Para o seu lugar entrou não um, mas dois outros músicos: Julian Corrie, teclista, e Dino Bardot, guitarrista. De que forma é que isto terá alterado a dinâmica da banda?
“Em última análise, fê-lo de forma positiva”, explica Bob Hardy. “É sempre chato quando um membro fundador sai da banda. Primeiro, pensámos no quão estranha era toda a situação; mas, enquanto compúnhamos, descobrimos o Julian. Quando ele se juntou à banda, deu-se imediatamente um clic. Temos muito em comum, cultural e musicalmente, muitos pontos de referência. Com o Dino, idem”.
O baixista descreve, ainda, esta nova fase dos Franz Ferdinand como “uma oportunidade surgida no meio da 'crise'”. “Não quero com isto dizer que estou satisfeito por o Nick ter saído da banda. Mas estou a divertir-me”, remata. A diversão prosseguirá pelo menos até dezembro, altura em que termina esta nova digressão dos Franz Ferdinand, à qual se seguirá uma pausa e, pouco depois, o início de todo um novo processo de composição. Que é como quem diz: “Always Ascending”. A não ser que... “nos despenhemos”, atira, entre risos.
A mudança é positiva, mas os Franz Ferdinand não são necessariamente novatos no que toca a tocar com outros músicos. Em 2015, lançaram um disco, “FFF”, em colaboração com os veteranos Sparks. O baixista confessa ter-se sentido “nervoso” por tocar, pela primeira vez, com gente que não os seus colegas de banda. Uma colaboração que posteriormente o ajudou: “Quando estivemos à procura de músicos para substituir o Nick, já não foi um problema tão grande”, conta. O processo em torno de “FFF” foi, aliás, bastante similar ao de “Always Ascending”, conforme revela Paul: “Utilizámos o mesmo estúdio, e levámos o mesmo tempo” a compor e a gravar o disco.
Na discografia dos Franz Ferdinand há, até, para além dos originais e das colaborações, espaço para versões de artistas tão distintos da sonoridade – e do meio – em que cresceram e se popularizaram como Britney Spears ou Drake. 'Passionfruit', tema do rapper canadiano, foi recentemente alvo do toque de Midas dos escoceses, a pedido de um programa de rádio no Canadá. “Pediram-nos para fazer uma versão de algo exemplar...”, diz Paul Thomson. “Eu adoro a 'Passionfruit'. Adoro o groove dessa canção. Há muito que a tocamos durante os soundchecks... Nós gostamos de fazer versões desse género” mas, admite, “isso pode ser irritante: fazemos uma, e há uma rádio qualquer de merda que quer que façamos outra...”.
O SAPO24 não lhes pediu para tocarem uma versão, mas pediu-lhes a mesma opinião acerca do estado do futebol escocês que havia pedido aos Mogwai, no NOS Primavera Sound. Para Bob, é culpa da falta de investimento nas camadas jovens, remetendo Paul para as políticas da ex-primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, nesse campo: “Ela foi responsável pelo fecho de muitas indústrias, pelo que já não havia dinheiro para investir”, diz. Mas pode ser que, em 2022, a Escócia lá chegue. A não ser que... “Fazemos sempre borrada contra equipas pequenas, do Báltico... Temos fama de tomba-gigantes, mas depois falhamos contra as Lituânias desta vida. É frustrante!”, lamenta Bob. Bem, talvez a Escócia não chegue ao Mundial em 2022, mas os Franz Ferdinand continuarão, certamente, a percorrer o mundo.
Veja o concerto no NOS Alive em imagens
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