No texto, Araújo realça que o conjunto de homens conhecido como “o grupo do Alto Pina”, apesar de inocente na autoria do atentado efetuado, confessou o crime.
Segundo a editora Tinta-da-China, esta obra expõe “as fragilidades mas também a força do Estado Novo e as tensões existentes no país”.
Os inocentes, detidos, não foram “de imediato devolvidos á liberdade, permanecendo na prisão cerca de um ano”, tendo os responsáveis pelo atentado sido capturados mais tarde e levados a Tribunal Militar, onde foram condenados a “pesadas penas de prisão”.
“O autoritarismo favoreceu, em larga medida, que um grupo de inocentes, de poucas ou nenhumas letras, fosse preso e apresentado à imprensa e ao país ultrajado como autor de uma tentativa de atentado contra o chefe do Governo”, afirma o autor, que deixa no ar a questão: “Saber se isto teria sido possível em democracia é um tema que ultrapassa – e em muito – o propósito deste livro”.
O historiador assinala que este imbróglio revela como neste caso concreto as duas forças policiais - a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), antecessora da PIDE-DGS, e a Polícia de Investigação Criminal (PIC) - demonstraram uma “clara diferença de métodos” e “duas formas muito distintas de apuramento dos factos, uma [a PVDE] baseada na tortura e na coação, outra [a PIC] visando a reconstrução da realidade dos factos com apoio em testemunhos prestados de modo inteiramente livre”.
Só em 1996 se conheceram os contornos da história da investigação, graças à descoberta, pelo jornalista Valdemar Cruz, do relatório do juiz Alves Monteiro Júnior, que descreve “ao pormenor os métodos que a polícia política [PVDE] utilizava para obter confissões dos presos pertencentes aos estratos sociais mais baixos”.
Por outro lado, evidenciou “um conflito surdo entre dois ministérios – o do Interior e o da Justiça –", e que terá sido “o maior feito político da ação bombista”, segundo um dos verdadeiros implicados na conjura, Emídio Santana (1906-1988).
A tentativa de assassinato do então presidente do Governo, António de Oliveira Salazar, ocorreu 04 de julho de 1937, quando este saia da viatura oficial para assistir à missa dominical, numa capela particular, em Lisboa.
“O fracasso da tentativa” deveu-se ao amadorismo dos seus autores. “A deficiente instalação” do engenho, uma bomba de dinamite colocada num coletor na avenida Barbosa du Bocage, em Lisboa, fez com que a “explosão, apesar de estrondosa” não tenha causado mortos, e Salazar saído incólume.
À propaganda do regime, segundo o historiador, interessou “acentuar o rotundo fracasso do plano homicida, mas também a absoluta impassibilidade do chefe do Governo perante todas as ameaças, físicas ou políticas, quês e colocassem no seu caminho de edificador do Estado Novo e restaurador do orgulho pátrio”.
Os bispos portugueses emitiram uma carta pastoral, manifestações populares de solidariedade e até as chefias militares foram à assembleia nacional manifestar o seu apoio.
A obra divide-se em cinco partes: contextualização da época; tendências políticas oposicionistas; a divisão entre polícias; os vários ambientes de Lisboa; e o "desfecho".
António Araújo é mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e doutor em História Contemporânea, com uma tese sobre a Capela Rato, onde um grupo de católicos questionou e se opôs à guerra colonial.
É autor, entre outras obras, de "Da Direita à Esquerda - Cultura e Sociedade em Portugal, dos anos 80 á atualidade" (2016).
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