No filme, que integra a secção competitiva Horizontes, subsecção de curtas-metragens, do 76.ª Festival de Cinema de Veneza, Itália, Leonor Teles aborda as questões da gentrificação e da especulação imobiliária, no Porto, mostrando “como é que isto afeta realmente a vida de uma pessoa”.
“Mais do que falar sobre a gentrificação e a especulação imobiliária, interessava-me falar do impacto que isto tem realmente na vida das pessoas. Nas notícias fala-se em números e estatísticas, uma coisa muito abstrata, e eu queria que fosse uma coisa mais real e [mostrar] do ponto de vista emocional o que é estas pessoas vivem, o que é que sentem, porque as vidas de uma família são postas em suspenso”, afirmou em declarações à agência Lusa.
A curta surgiu no âmbito do projeto Cultura em Expansão, da Câmara Municipal do Porto, que deu “carta-branca” à realizadora para pensar a cidade, sendo o filme o resultado de uma residência artística na cidade.
Leonor Teles reconhece a ironia de “Cães que ladram aos pássaros” ser financiado pela autarquia, vista por muitos como parcialmente responsável pela situação que se vive atualmente na cidade, sobretudo no centro, mas garante que esta lhe disse sempre para “fazer o que quisesse”.
Leonor Teles acabou por ir ao Porto “algumas vezes” antes de se fixar por lá em junho e julho do ano passado para fazer o filme. A primeira vez, em abril, durante duas semanas andou “à procura de locais, de pessoas e possíveis temas”.
Nessa altura, a única ideia que tinha “era que gostava de trabalhar uma certa idade, o final da adolescência, 17/18 anos, e de filmar no verão”.
O encontro com os gémeos Vicente e Salvador Gil acabou por definir o resto: “No encontro que tive com eles em abril tive a certeza quase absoluta que o Vicente ia ser protagonista do filme, e à medida que os fui conhecendo comecei a perceber que a história de vida deles e o que estava a acontecer-lhes naquela altura tinha que ser o filme”.
A família Gil tinha “recebido uma ordem de despejo, devido à especulação imobiliária e à gentrificação que está a acontecer no Porto”. E embora Leonor Teles reconheça que este é um problema que afeta também Lisboa, onde vive, “como é [uma cidade] maior dilui-se mais”. “No Porto isto é bastante visível e galopante, porque é uma cidade mais pequena e está a transformar-se de uma forma brutal”, referiu.
A decisão de passar a história da família para a curta foi tomada em conjunto.
“Foi unânime quando falei com eles e disse que seria importante falarmos sobre o que lhes estava a acontecer. Esta história que está a acontecer com eles reflete muitas famílias, no Porto, e não só, e para eles foi importante passarem essa mensagem”, disse Leonor Teles, partilhando que, por vezes “foi difícil”, visto que houve “momentos delicados” tanto para os protagonistas como para a realizadora.
O guião “foi escrito com a família”, porque para a realizadora “era muito importante que as cenas fossem verídicas”.
“A partir das experiências deles, desenvolvemos as cenas que entram no filme. Depois de termos uma espécie de guião, ensaiávamos e em conjunto desenvolvíamos as cenas e os diálogos. Para mim era importante manter a autenticidade de como as coisas aconteceram”, contou.
Leonor Teles fala do filme como “uma espécie de documentário ao contrário: como se o documentário já tivesse acontecido e nós estivéssemos a ficcioná-lo”.
Trabalhar, tal como em filmes anteriores, com pessoas que não são atores “foi o mais incrível”. Um dos gémeos, Vicente, está a estudar para ser ator e este “foi o melhor desafio que lhe podia aparecer”.
Vicente e o irmão vão com a realizadora a Veneza apresentar o filme, em estreia mundial na quinta-feira. “Também era uma das coisas importantes quando fizemos o filme, que isto tudo também fosse bom para a família e não apenas para mim”, disse Leonor Teles, salientando que “os filmes nascem do encontro com as pessoas e esse encontro tem duas vias, é sempre uma colaboração”.
“Sinto-me muito grata pela generosidade de me terem deixado filmar a sua vida, principalmente num período muito delicado e sensível, e acho que agora também é bom que eles usufruam disto tudo”, partilhou.
Conseguir estrear “Cães que ladram aos pássaros” em Veneza “já é uma vitória”. “É sempre bom estrear em festivais com grande visibilidade, porque significa que o filme a seguir vai ter um percurso noutros países e que vai chegar a um maior número de pessoas”, afirmou.
O nome de Leonor Teles, de 27 anos, sobressaiu no cinema português em 2016, quando venceu o Urso de Ouro, o prémio máximo do festival de Berlim, com a curta-metragem “Balada de um batráquio”.
Depois das curtas-metragens “Rhoma Acans” e “Balada de um batráquio”, Leonor Teles assinou em 2018 a primeira longa documental, “Terra Franca”, vencedora de uma dezena de prémios, que acompanha a vida de Albertino Lobo, um pescador de Vila Franca de Xira (onde a realizadora nasceu) ligado desde sempre ao rio Tejo.
O 76.º Festival de Cinema de Veneza, que começou na quarta-feira, decorre até 07 de setembro.
Comentários