O contrabaixista vai mostrar o álbum “I am the escaped one” ao público alemão, com um concerto no B-flat de Berlim, depois de já o ter apresentado ao vivo, em maio, no Portalegre Jazz Fest. É o primeiro trabalho do projeto de Carlos Bica com os alemães Daniel Erdmann (saxofonista) e o DJ Illvibe.
Em declarações à agência Lusa, Carlos Bica acredita que a Alemanha “trata melhor a cultura” que Portugal.
“A cultura está há mais anos mais presente no dia-a-dia dos alemães. As pessoas que vão a um concerto numa igreja não são de uma elite cultural, mesmo em cidades pequenas. Ou seja, vão assistir a um concerto de música erudita na igreja, mas não são pessoas de uma classe social mais alta, são pessoas do povo. E isso já acontece na Alemanha há vários anos, coisa que em Portugal não acontece”, revela o músico.
Carlos Bica não separa os públicos alemão e português, mas nota que há uma grande diferença, sobretudo nas idades dos que procuram jazz nestes países.
“Em Portugal o meu público é muito jovem e isso é ótimo. Também se deve ao facto de estarmos um bocadinho ‘atrasados’ na aceitação em relação ao jazz. O jazz em Portugal ganhou uma grande força há uns 15 anos e passou a ser a escola musical para todos aqueles que não querem seguir a via da música erudita. […] O público de jazz na Alemanha já o é há muitos anos, é um público do pós-guerra. Eu, que vim para cá há muitos anos, apercebi-me de que qualquer aldeiazinha tinha um clube de jazz. Vivia na Baviera e havia muitos clubes pequenos de jazz devido aos militares americanos, ou seja, o jazz existe há muito tempo no país. Mas esse público está a ficar velho, tem de ser renovado”, afirma.
A viver entre os dois países, o músico e compositor fez questão de dar uma marca portuguesa ao primeiro álbum do recente projeto, chamando-lhe “I am the escaped one”.
“É um poema do Fernando Pessoa escrito em inglês. Eu costumo dizer que o sucesso é quando as coisas acontecem sem terem sido muito preparadas. Neste caso, esta formação surgiu de uma forma muito orgânica, até o título e a foto de capa do álbum. Quando disse ao Daniel Erdmann que tínhamos de encontrar nome para o disco, ele comentou que tinha descoberto Pessoa. Deu-me várias frases que tinha retirado de textos de Pessoa, mas não achei nenhuma apropriada. Mas quando estava na fase final de busca, na Zambujeira do Mar, pesquisei na internet e apareceu-me logo o nome”, partilha Carlos Bica.
“Enquanto músico, o que se procura é sempre voltarmos a descobrir-nos. […] Em primeiro lugar, é uma formação muito invulgar: saxofone, contrabaixo e o artista que está por trás do gira-discos. Para um primeiro ouvido é capaz de ser uma coisa um bocado estranha. Mas ouvindo uma segunda vez, eu reconheço-me lá, o álbum tem a minha assinatura. E é isso que me deixa feliz, perceber que, mesmo procurando outras sonoridades, me encontro lá, nessa música”, confessa.
Para este trio, que começou há cerca de um ano, Carlos Bica convidou Vicent von Schlippenbach (DJ Illvibe), filho de Alexander von Schlippenbach, um dos grandes nomes do jazz alemão.
“O DJ Illvibe já tinha participado num disco do ‘Azul’, no ‘Believer’. […] Conheci-o como o miúdo que andava aqui por Berlim, a pintar graffiti. Foi um jovem que tocou trompete, tocou bateria, mas sem nunca se ter dedicado completamente. Mas a veia musical estava lá desde o início. Depois descobriu o gira-discos e o potencial que aquilo tem, eu não conheço ninguém como ele. Vi-o num concerto a tocar com o pai e fiquei impressionado. Ia gravar o ‘Believer’ e fiz o convite para ele aparecer em estúdio. Esteve lá quatro horas, gravámos cinco músicas e foi incrível”, descreve.
Carlos Bica lidera vários projetos musicais, entre eles o Trio Azul, com mais de 25 anos, com o guitarrista alemão Frank Möbus e o baterista norte-americano Jim Black.
O contrabaixista vai estar no próximo mês de agosto, no festival QuebraJazz, em Coimbra, nos dias 2 e 3.
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