Desconfinamento? Sim, mas talvez só em meados de março

Marta Pedreira Mixão
Marta Pedreira Mixão

O pico de infeções foi registado a 29 de janeiro e estima-se que em duas semanas o número diário de casos baixe para cerca de três mil, mas desconfinar, possivelmente, ficará para meados de março, pois o país continua com um número de casos "extremamente elevado”.

Três semanas depois de ser sujeito a medidas de confinamento mais apertadas, o país tem registado reduções sucessivas do número de infetados nos últimos dias. No entanto, os hospitais continuam sob grande pressão e o número de internamentos e de doentes em cuidados intensivos mantém-se alto.

É por isso que, na reunião do Infarmed — que juntou peritos, titulares de órgãos de soberania, forças políticas e parceiros sociais —, os especialistas deixaram claro que o confinamento deve durar pelo menos mais dois meses, para que o efeito seja consistente, além de ser necessária uma campanha de testagem massiva e acelerar o processo de vacinação.

A título de exemplo, o responsável pela Unidade de Investigação Epidemiológica do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, Baltazar Nunes, enfatizou a importância das medidas de restrição aplicadas em meados de janeiro, que se traduziram numa “redução muito mais acentuada da transmissibilidade” do vírus SARS-CoV-2.

“Precisamos de manter estas medidas de confinamento por um período de dois meses para trazer o número de camas ocupadas em cuidados intensivos abaixo das 200 e a incidência acumuladas a 14 dias abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes”, explicou.

A verdade é que a ideia parece já gerar consenso, pois foi referida pela ministra da Saúde, Marta Temido, e posteriormente pelo primeiro-ministro, António Costa, este último a partir de uma publicação no Twitter.

No fim da reunião, a ministra da Saúde destacou algumas conclusões. Marta Temido explicou que o confinamento está a ter impacto nas estimativas do Instituto Ricardo Jorge em relação à circulação da variante do Reino Unido e que ficou “claro que quanto maior é a intensidade do confinamento, mais rápida é a redução do risco efetivo de transmissão”, principalmente com o agravamento das segundas medidas anunciadas.

É perante estes dados e a análise dos peritos que Marta Temido considerou “bastante evidente que o atual confinamento tem de ser prolongado por mais tempo, desde já durante o mês de fevereiro, e depois sujeito a uma avaliação”.

Já António Costa reiterou que “o atual nível de confinamento está a produzir resultados, quer na redução de casos, como na pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde e também na limitação da circulação da variante britânica” e, por isso mesmo, “os elevados níveis da pandemia requerem o prolongamento do atual nível de confinamento”.

Mas as concordâncias não ficaram por aqui. Ministra da Saúde e primeiro-ministro coincidem também na necessidade do “alargamento de testagem, designadamente a massificação dos testes rápidos para rapidamente perceber o estado de circulação da infeção na população”.

A reunião de hoje ficou ainda marcada por uma última intervenção crítica de Manuel Carmo Gomes, epidemiologista e investigador da Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa, que deixará de falar nas reuniões por “motivos profissionais”. Marta Temido esclareceu, no entanto, que o investigador da FCT vai continuar a acompanhar o grupo, mas sem “apresentações presenciais” e que se manterá na Comissão Técnica de Vacinação.

Na sua intervenção de hoje, o epidemiologista defendeu a testagem como “arma principal” no combate à pandemia de covid-19, afirmando que se deve evitar o confinamento.

“Neste momento, estamos a pôr o pé na mola porque estamos todos em casa, (…) mas como vamos sair deste confinamento sem deixar que a mola venha por aí acima outra vez e eventualmente agravada pela presença das variantes”, foi esta a questão que Manuel Carmo Gomes lançou, defendendo que no seu entender, a resposta é “uma estratégia de testagem”.

O tema da vacinação não ficou de fora da reunião e a expectativa é de que 70% da população esteja vacinada até ao final de setembro, o que, segundo o especialista Henrique de Barros, representaria dois milhões de pessoas vacinadas até ao final de abril e cerca de cinco milhões de pessoas até entre maio e setembro.

Caso este cenário se confirme, e ponderando uma eficácia da vacinação de 90%, poderão ser salvas 3500 vidas até ao final do verão.

Já o vice-almirante Henrique Gouveia Melo, coordenador da task force responsável pelo plano de vacinação contra a covid-19, afirmou que estão a ser administradas, em média, cerca de 22 mil vacinas por dia. Alertou, contudo, para o facto de a primeira fase de vacinação ter de ser prolongada “para abril com as vacinas que estão disponíveis e que estão a chegar", reforçando que "não é um problema de administração, nem da velocidade de administração, nem um problema logístico, é um problema de vacinas na chegada a Portugal".

No Governo, é agora praticamente certo que nenhuma medida de alívio das restrições à atividade será levantada a curto prazo. Entre os epidemiologistas, predomina a ideia de que o país não poderá começar a desconfinar enquanto não reduzir garantidamente para os dois mil casos novos de infeção por dia.

Esta tarde iniciaram-se, também por videoconferência, as audiências do Presidente da República com os partidos com assento parlamentar, que já reagiram às conclusões da reunião, para visar a renovação do estado de emergência. Apesar de, na generalidade, concordarem com as medidas de restrição, não deixaram de ser feitas críticas à atuação do Governo.

O PS defendeu que as medidas de confinamento devem manter-se perante à ainda delicada situação do sistema hospitalar, apesar dos resultados na redução do índice de transmissibilidade do novo coronavírus.

Por sua vez, o PSD acusou o Governo de “ter sido frouxo” e “não ter agido a tempo” no combate à covid-19, o que levou agora a que o atual confinamento tenha de ser prolongado até “meados, fim de março”. O deputado e dirigente do PSD Maló de Abreu reiterou a necessidade de “testar mais e isolar mais”.

Já o BE desafiou o Governo a deixar-se de “anúncios e passar à prática” nas medidas de apoio devido à pandemia, sobretudo perante o anúncio do prolongamento do confinamento, defendendo também uma mudança na estratégia de testagem.

Jorge Pires, dirigente do PCP, considerou “inaceitável” manter o atual confinamento geral até ao final do mês de março e afirmou “o que o país precisa é de reforçar a proteção individual, fazer a pedagogia da proteção, reforçar o Serviço Nacional de Saúde, concretizando todas as medidas aprovadas no Orçamento do Estado”.

O PAN mostrou-se favorável à renovação do estado de emergência, fundamentando que as restrições de contactos e à circulação devem continuar, mas apelou ao Governo para reforçar a sua atuação através das melhoria dos apoios e reforço da testagem.

"No que diz respeito à renovação do estado de emergência, o PAN acompanha", afirmou o porta-voz, André Silva, considerando que "é inquestionável e inevitável" que "é necessário continuar com estas restrições".

Mantendo a concordância na necessidade de um reforço do plano de testagem, o CDS-PP defendeu o envolvimento de militares num "robusto plano de testagem rápida" que permita a identificação das cadeias de contágio, acusando ainda o Governo de ser responsável pelo "descontrolo da pandemia".

O Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) sugeriu que o Governo deveria negociar vacinas com “outros fornecedores”, e questionando o que levará o Governo a executivo “estar preso a este compromisso com a União Europeia”, demonstrando preocupação com a distribuição de vacinas. No entanto, o partido mostrou-se favorável à renovação do Estado de Emergência.

O deputado e presidente da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, defendeu que, no final de fevereiro, poderá haver condições para “reponderar o relaxamento” de “algumas medidas” mais danosas para a “desigualdade na educação e saúde mental”.

Já o deputado único do partido Chega, André Ventura, admitiu “rever o sentido de voto” sobre o próximo decreto presidencial de estado de emergência se o documento acautelar o desconfinamento progressivo e cuidadoso dos setores do ensino e do comércio de rua e hotelaria.

O deputado acusou ainda o Governo de andar “a correr atrás do prejuízo, sempre um passo atrás” no combate à epidemia de covid-19, e pediu “sinais” de reabertura de escolas e pequeno comércio, designadamente restaurantes.

A menos de um mês de completar um ano depois da identificação do primeiro caso de infeção pelo novo coronavírus, é assim que Portugal se encontra: possivelmente, a um mês de desconfinar e a tentar manter as reduções sucessivas do número diário de infetados.

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