À Lusa, a Ius Omnibus indicou hoje que, numa análise preliminar, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém (TCRS) aceitou a última ação das cinco que interpôs. As restantes quatro já tinham sido aceites.
Nesta ação popular (que a Ius Omnibus dividiu em cinco ações por razões de eficiência processual), a associação de defesa do consumidor estima que cerca de oito milhões de pessoas foram lesadas entre 2002 e 2013 no preço que pagaram por créditos (crédito à habitação, crédito ao consumo e créditos à PME – Pequenas e Médias Empresas) e exige 5.368 milhões de euros de indemnização.
Além deste valor, pede a retificação dos juros nos contratos que ainda estejam ‘vivos’ e que os clientes deixem de pagar o sobrepreço decorrente do cartel (por exemplo, em contratos de crédito à habitação que se prolongam por dezenas de anos).
Para estas ações, como tinha noticiado o jornal Eco, a Ius Omnibus baseia-se no chamado ‘cartel da banca’, sancionado pela Autoridade da Concorrência e ainda em julgamento de recurso.
Considera a Ius Omnibus que a forma como os bancos trocaram informações levou à redução da concorrência e penalizou consumidores e PME nos juros adicionais pagos nos créditos. Segundo a associação, a troca de informação ocorreu num mercado relativamente concentrado, em que os seis maiores bancos têm uma quota de mais de 80%, pelo que considera que “o cartel da banca afetou a esmagadora maioria dos consumidores portugueses”.
Em entrevista à Lusa, a presidente da Ius Omnibus, Maria José Azar-Baud, disse que a quantificação de danos foi feito por economistas da Copenhagen Economics com base em informação pública disponível (desde logo da Autoridade da Concorrência) e que estes “concluíram que cada consumidor pagou mais 8,74% em ‘spread’ nos seus contratos de crédito hipotecário e crédito ao consumo, por exemplo, para comprar carro” e que para as pequenas e médias empresas o aumento do ‘spread’ foi de 5,03%.
O valor reclamado ascende a 5.368 milhões de euros e é o resultado desses cálculos somando a taxa de juro e a inflação, explicou.
Os bancos inicialmente em causa eram 14, mas como Banif e BES foram objeto de medidas de resolução a ação é sobre 12 bancos. Ainda assim, o valor exigido inclui danos feitos por BES e Banif porque considera a Ius que a responsabilidade dos bancos é solidária.
Os bancos em causa são Abanca, BBVA, BPI, BCP, Banco Santander Totta, Banif, Barclays Bank, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, Montepio Geral, Deutsche Bank e Unión de Crédito Inmobiliarios.
Maria José Azar-Baud elogiou o sistema português por proteger os consumidores ao permitir pôr uma ação popular sem individualizar cada lesado.
Se o juiz der razão à associação, vai decidir a compensação global que terá de ser paga pelos bancos a uma entidade que o tribunal decida e que faça a gestão desse dinheiro, cabendo a cada cliente lesado reclamar a sua parte. A Ius criou um ‘site’ (www.carteldabanca.pt) para que as pessoas interessadas se possam inscrever e serem informados do andamento do processo e, caso o tribunal dê razão à associação, pedirem a indemnização.
O que sobrar da eventual indemnização servirá para reembolsar a associação pelos custos do processo (custos suportados por financiadores que, segundo a Ius, o tribunal conhece) e o restante irá para o Estado (Direção Geral do Consumo e Direção da Justiça), explicou a Ius à Lusa, referindo que isto é o que estabelece a lei. A associação afirma que os consumidores nunca serão chamados a suportar qualquer custo.
Das cinco ações interpostas, a Ius explicou que nas ações contra Abanca e Deutsche Bank já foram recebidas as contestações e que é aguardada a marcação da audiência prévia.
Na ação contra o Barclays foi ordenada a citação do banco. Na ação dos créditos à habitação e crédito ao consumo, o tribunal aceitou o pedido de alguns bancos para suspender a ação ainda antes das contestações, o que a Ius diz ser inaudito, tendo recorrido para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Por fim, na ação sobre crédito a PME e danos passados a consumidores, são aguardadas as contestações e um réu pediu a suspensão (a juíza ainda não decidiu).
Para estas ações, Ius Omnibus baseia-se no chamado ‘cartel da banca’. Em 2019, a Autoridade da Concorrência aplicou coimas de 225 milhões de euros a mais de uma dezena de instituições financeiras (incluindo Caixa Geral de Depósitos, BCP, Santander, BPI e o antigo BES) por práticas anticoncorrenciais que prejudicaram os consumidores entre 2002 e 2013. Já no julgamento de recursos interpostos por 11 bancos, a juíza deu como provados os factos, decidindo, contudo, suspender a instância e remeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) por não ter ficado provado se a troca de informação teve ou não efeito sobre os consumidores.
Em outubro passado, um advogado-geral do Tribunal de Justiça da União Europeia (Athanasios Ranços) concluiu que uma troca de informações pode constituir uma prática restritiva da concorrência por objeto “quando resultar da análise do seu conteúdo, dos seus objetivos e do contexto jurídico e económico em que se insere que essa troca revela um grau suficiente de nocividade para a concorrência”. Contudo, as recomendações do advogado-geral não vinculam o TJUE, que terá de proferir um acórdão sobre o caso.
Questionada se os bancos estão preocupados com esta ação, a associação disse que informou todos os bancos da ação e se queriam chegar a um acordo mas que nenhum respondeu favoravelmente.
A Ius Omnibus foi fundada em 2020 e é uma organização de consumidores europeia, sem fins lucrativos, sediada em Portugal. Tem várias ações em toda a Europa, incluindo em Portugal, por violação dos direitos e interesses dos consumidores (ações contra Daimler/Mercedes-Benz, Sony, Google, Apple, Meo, Nowo, entre outras).
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