Debaixo de uma chuva forte, abrigados por impermeáveis transparentes, lia-se mal o “Basta!” estampado nas t-shirts de muitos dos trabalhadores bancários que hoje participaram no protesto convocado pelos sindicatos bancários ligados à UGT (SBN, SBC e Mais Sindicato) frente à Associação Portuguesa de Bancos (APB), no centro de Lisboa. Já à Lusa, a mensagem transmitida pelos bancários foi clara, de recusa de aumentos salariais de 2% que consideram ofensivos.
“Na pandemia era a pandemia, depois tinha sido a pandemia, depois era a recuperação e a verdade é que têm sempre milhões e aos trabalhadores propõem 2%”, disse Sílvia Martins à Lusa, acrescentando que se prevê que, se os salários não tiverem subidas significativas em 2026, grande parte dos bancários ganhará o salário mínimo (se este crescer ao ritmo previsto).
Cláudia Silva, que veio do Porto para a manifestação, afirmou que os bancos justificam oferecer apenas 2% porque “embora tenham tido um ano de 2023 muito bom, com milhões e milhões de lucros, 2024 é muito incerto” pelo que dizem não poder dar mais aumentos salariais.
“Na nossa sociedade os bancários são mal vistos quando quem devia ser mal visto são os banqueiros. Nós trabalhamos horas e horas e fora do horário, temos cada vez mais colegas em baixa, com ‘burnout’, e ao olhar da sociedade somos uns privilegiados”, considerou, defendendo que o tema dos lucros da banca devia fazer parte da campanha eleitoral para as legislativas de março.
“Faz falta pressão política sobre os banqueiros”, disse.
Para Luís Valério, é de há anos que há uma desconsideração dos bancos pelos trabalhadores, que os colocam sempre “atrás dos objetivos, em exploração máxima” sem os valorizar devidamente. O bancário já reformado considera que aumentos de 2% são inaceitáveis face ao aumento do custo de vida e aos lucros gerados pela banca.
Presente na manifestação, o presidente do SBN e secretário-geral da UGT, Mário Mourão, disse à Lusa que é importante que os bancos tenham lucros, mas que têm de os repartir com os trabalhadores, que foi o esforço destes que segurou os bancos quando o setor esteve em crise e que foram eles que sofreram com cortes de salários e despedimentos.
“Passado este tempo, os banqueiros resistem em contribuir para a valorização dos salários. A banca tem produtividade, mas não corresponde com aquilo que deve ser a remuneração dos trabalhadores”, disse, afirmando que a UGT privilegia o diálogo e a negociação, mas que “começa a ser insustentável manter a paz social” e atitudes destas contribuem para o crescimento de movimentos de contestação social.
Questionado sobre se a banca deve fazer parte do debate político e se deve haver mais medidas sobre o setor que force a redistribuição dos lucros, o ex-deputado do PS disse que o alerta dos bancários é “para reflexão de todos os partidos que vão concorrer, se querem inverter a situação de baixos salários que há em Portugal”.
“Não é desejável que a contestação social se agrave. Sempre houve disponibilidade social dos sindicatos da UGT, mas tem de haver disponibilidade dos banqueiros”, disse.
Os sindicatos da UGT pedem aumento salarial de 6%, enquanto os bancos propõem 2% e informalmente dão a entender que poderá ficar acima do proposto, mas ligeiramente (em 2022 os bancos propuseram 4% inicialmente e a negociação fechou nos 4,5%).
Dos cinco grandes bancos que operam em Portugal, já apresentaram as contas relativas a 2023 o Santander Totta, o Novo Banco e o BPI com crescimento dos lucros para 1.030 milhões de euros, 743 milhões de euros e 524 milhões de euros.
Caixa Geral de Depósitos (CGD, o banco público) e BCP ainda não apresentaram os resultados, mas os dados até setembro (a CGD lucrou 987 milhões de euros e o BCP 651 milhões de euros) permitem antever que 2023 deverá ser histórico e ultrapassar mesmo o recorde de lucros de 2007. Nesse ano, os cinco grandes bancos (Caixa Geral de Depósitos, BCP, Banco Espírito Santo, Santander Totta e Banco BPI) lucraram quase 2.900 milhões de euros.
Em 2023 os lucros do setor beneficiaram do aumento das taxas de juro (que leva os bancos a cobrarem mais nos juros dos créditos enquanto os juros pagos nos depósitos sobem mais devagar) e da redução de custos feita no passado (em anos anteriores os bancos fizeram severos programas de reestruturação, designadamente com cortes no quadro de pessoal).
A manifestação de hoje em Lisboa foi concertada com sindicatos de bancários de Espanha, que hoje de manhã se manifestaram em Madrid. Em Portugal há cerca de 40 mil bancários.
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