O relato foi feito hoje à agência Lusa pelo coordenador do movimento cívico de defesa das pessoas com deficiência, Miguel Azevedo, que disse que são “centenas e centenas” as queixas que já receberam devido “aos atrasos enormes de um a dois anos” para aceder a uma Junta Médica de Avaliação de Incapacidade (JMAI), quando a legislação estipula que tem de ser marcada até 60 dias após a apresentação do respetivo requerimento.

Também a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, alertou o Ministério da Saúde no início de fevereiro para este problema, na sequência de várias queixas de utentes cujo atestado de incapacidade expirou em 2022, apesar de terem atempadamente requerido a reapreciação da sua situação.

Para resolver o problema, Maria Lúcia Amaral propôs uma prorrogação feita “excecionalmente” e com termo aquando da realização da necessária junta médica.

Questionado pela Lusa sobre este problema, o Ministério da Saúde afirmou que, “reconhecendo a dificuldade existente no acompanhamento de todos os casos dentro dos prazos, procedeu à prorrogação da validade dos atestados que caducaram em 2021 e 2022 até 31 de dezembro de 2023”, como já tinha feito para os que expiraram em 2019 e 2020, estendendo a sua validade até 31 de dezembro de 2022.

“Nos termos do compromisso assumido no Orçamento do Estado, o Governo está a trabalhar na revisão do modelo de avaliação de incapacidades, no sentido de agilizar, com a maior celeridade possível, o acesso dos cidadãos às JMAI”, sublinhou, adiantando que a medida proposta pela Provedoria de Justiça será avaliada nesse contexto.

Miguel Azevedo observou que o problema está nos atestados de incapacidade que caducaram em 2019 e 2020 e que os seus portadores não conseguiram revalidar.

“É muita gente que neste momento está sem benefícios fiscais porque deixou de ter uma certificação para apresentar na Autoridade Tributária ou na própria Segurança Social, porque só com esse certificado, por exemplo, é que se tem acesso à prestação social para a inclusão para as pessoas com deficiência”, elucidou.

O responsável relatou o caso de um filho que está a pedir a certificação para a mãe que tem uma psicose esquizofrénica e que lhe dizem no centro de saúde que demora dois anos a atribuir uma junta médica.

“Ele diz: ‘A minha mãe vai morrer antes e não lhe certifiquei a incapacidade'”, contou.

Esta situação também afeta jovens que precisam do atestado para poder trabalhar, como é o caso de António (nome fictício), que sofre de uma perturbação do espetro de autismo, associado a uma sintomatologia psicótica persistente de difícil manejo terapêutico.

António concluiu, aos 23 anos, um curso profissional de 24 meses promovido pela organização não-governamental Semear que lhe deu equivalência ao 9.º ano de escolaridade, concluído com um estágio final de quatro meses numa empresa de apoio à restauração.

Em novembro de 2022, a empresa que o acolheu para estágio aceitou empregá-lo a tempo inteiro, com contrato de trabalho, tudo dependendo da apresentação de um atestado multiusos.

O pedido para a junta médica no concelho da Amadora foi feito no início de dezembro e nem sequer foi dada uma resposta, estando António em casa sem fazer nada.

“Nós temos [relatos] de variadíssimas situações e infelizmente até de pessoas com problemas cancerígenos que nos têm abordado a dizer que havia de uma linha mais fácil, que era o próprio médico assistente do hospital que atestava a incapacidade, e neste momento não se está a verificar isso”, lamentou Miguel Azevedo.

O responsável salientou que “todos os santos anos” o Movimento Cidadão Diferente chama a atenção para este problema, que se avoluma.

“O que não consigo entender é a inércia do ministério”, disse Miguel Azevedo, defendendo que a solução seria prorrogar automaticamente até 2023 a validade dos atestados caducados e cujos portadores tenham a prova que fizeram o pedido de revalidação.

Para o coordenador, sem “um investimento forte” nas unidades de saúde públicas “nunca se vai recuperar [os atrasos] com as equipas que estão agora”.

O Ministério da Saúde lembra que a resposta à pandemia motivou uma reorganização dos recursos disponíveis, com impacto na atividade nas JMAI.

Para agilizar o acesso às JMAI, o Governo determinou várias medidas, entre as quais que estas passassem a ser constituídas e geridas pelas Administrações Regionais de Saúde (ARS), o que aconteceu a partir de junho desse ano, tendo sido constituídas, até dezembro de 2022, 140, envolvendo mais de 300 médicos.

Desde junho de 2020, foram realizadas mais de 168 mil JMAI, segundo dados das ARS.