"A UE não pode pretender ser um guardião do primado de direito se deixarmos sem apoio os adultos vulneráveis, quer sejam vítimas, suspeitos ou acusados em procedimentos civis ou penais. Têm exatamente o mesmo direito à justiça do que qualquer outra pessoa e cabe aos Estados-membros assegurar que, em casos transfronteiriços, isto assim é na prática", disse Reynders na abertura de uma conferência sobre proteção de adultos vulneráveis na Europa.

Reconhecendo que "a União Europeia (UE) não está a fazer o suficiente para apoiar e proteger" esta população, o comissário apelou a um "apoio especificamente pensado" para responder às necessidades das vítimas, como por exemplo, "para ajudar a detetar crimes contra pessoas com insuficiências ou idosos", assegurando "apoio institucional" para ajudar a lidar com as especificidades desta população.

Didier Reynders frisou a importância da ratificação da Convenção da Haia relativa à Proteção Internacional de Adultos, que data de 13 de janeiro de 2000, mas que até hoje foi ratificada por apenas 10 Estados-membros da UE.

O comissário deu como exemplo uma pessoa que sofra de demência e esteja num Estado-membro diferente do seu representante legal, para salientar que este tem de “vencer uma série de obstáculos” para demonstrar, noutro país, que é o representante legal, apesar de o estatuto ser-lhe reconhecido no seu ordenamento nacional.

E “quanto mais a pessoa está dependente, mais difícil e complexo é o processo", apontou.

A Convenção da Haia dá "reconhecimento automático a praticamente todas as medidas transfronteiriças", mas na UE ainda não existe uma regra "para determinar o foro competente, nem regras para determinar que tipo de proteção jurídica se aplica, nem para determinar como um acórdão judicial será reconhecido e executado", constatou.

O comissário anunciou o lançamento de um "estudo de noves meses para avaliar a situação dos casos transfronteiriços na UE” e “como a situação pode ser melhorada", para "conhecer a verdadeira dimensão do problema" antes de fazer alguma coisa em termos legislativos.

"Qualquer proposta que venha a ser apresentada pela Comissão estará alinhada com a Convenção Europeia sobre os Direitos das Pessoas com Insuficiências, de que todos os Estados-membros são signatários", acrescentou.

O executivo comunitário lançou também "um estudo em profundidade para compreender exatamente onde há lacunas entre as legislações nacionais para casos transfronteiriços", tendo em conta que quer em direito penal, quer em direito civil, o bloco comunitário "carece de salvaguardas para adultos vulneráveis".

Apesar de, nos últimos anos, os direitos processuais dos suspeitos e arguidos terem melhorado na UE, com legislação que "garante o seu direito à informação, acesso a advogado ou apoio jurídico e salvaguardas para crianças", afirmou Reynders, "os adultos vulneráveis têm necessidades adicionais".

"A Comissão recomendou salvaguardas processuais para suspeitos vulneráveis em 2013, o que implica a deteção e reconhecimento das suas necessidades específicas, levando-as em linha de conta em toda a duração do envolvimento processual, e o fornecimento de apoio transfronteiriço para garantir que o acusado compreende plenamente a natureza do processo e as consequências de, por exemplo, uma confissão", assinalou.

Didier Reynders lamentou, no entanto, que, oito anos volvidos sobre esta proposta, em muitos países da UE "ainda não existam normas ao abrigo das quais se possa identificar a existência de eventual vulnerabilidade junto de um suspeito", o que, na prática, pode querer dizer que "alguém com autismo ou psicose é sujeito a inquérito policial sem que esta vulnerabilidade, muitas vezes invisível, seja identificada".

Didier Reynders participou hoje numa conferência de alto nível intitulada "A proteção de adultos na Europa – O caminho a seguir", organizada pelo Ministério da Justiça, pela Comissão Europeia e pela Agência Europeia para os Direitos Fundamentais, no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da UE.