A deputada submeteu na sexta-feira um projeto de lei que dará entrada hoje para levar a Assembleia da República a discutir o aumento do prazo de prescrição dos crimes sexuais contra menores, já que a legislação atual prevê que estes crimes prescrevam cinco anos depois de a vítima completar 18 anos, ou seja, aos 23 anos.
O projeto de lei é resultado de um trabalho conjunto com a associação Quebrar o Silêncio, de apoio a homens vítimas de abusos sexuais, e com a Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), tendo como objetivo alterar o Código Penal português para aumentar o prazo que a vítima de crimes sexuais tem para denunciar o que lhe aconteceu.
Em declarações à agência Lusa, a deputada não inscrita Cristina Rodrigues defendeu que o prazo de prescrição atualmente previsto no Código Penal português “está desajustado da realidade”, já que “uma das características deste tipo de crime é [que] a vítima não perceciona imediatamente que foi sujeita a este tipo de crime e demora algum tempo até o vir denunciar”.
“Por essa razão, a média [de idade] em que se tenta fazer a denúncia deste tipo de abusos é por volta dos 30, 35 anos”, apontou.
Ângelo Fernandes, presidente da Quebrar o Silêncio e também ele vítima de um crime sexual quando era menor, afirmou que só aos 30 anos conseguiu ter a coragem de contar, defendendo que esta proposta “traz um sistema e um código penal que respeita e está centrado nos direitos da vítima”.
“Sabemos que na maioria dos casos que ocorrem na infância, as vítimas, sejam rapazes ou raparigas, só partilham essa situação 20 ou 30 anos depois e nessa altura já não é possível denunciar, já não é possível fazer nada, o que significa que estes abusadores continuam a abusar de crianças”, apontou, sublinhando que há estudos que indicam que “um abusador é capaz de abusar até 40 crianças ou mais”.
Na perspetiva do presidente da Quebrar o Silêncio, é necessário um Código Penal centrado nas vítimas, que reconheça as características e especificidades das vítimas de crimes sexuais, defendendo que não faz sentido um crime prescrever aos 23 anos da vítima quando se sabe que a maior parte demora 20 ou 30 anos a denunciar.
Margarida Medina Martins, presidente da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), explicou que o direito a procurar justiça e a responsabilizar os agressores é algo que para as vítimas assume uma importância central, nomeadamente “perceber que o sofrimento em que se encontram não resulta delas, mas de uma situação traumática”.
A presidente da AMCV defendeu que este alargamento do prazo de prescrição “é fundamental” porque dessa forma a vítima sabe que não conseguiu pedir ajuda ou fazer denúncia porque era uma criança, mas que tem agora oportunidade de o fazer em adulta, agora “mais fortalecida e consciente”.
“É uma reposição de justiça”, defendeu.
Margarida Martins afirmou, por outro lado, que “há muitas situações” de pessoas que só em adultas percebem que foram vítimas de violência sexual em crianças, um fenómeno que a associação observou acontecer durante a pandemia de covid-19.
Perante estes casos, a deputada Cristina Rodrigues entende que Portugal tem “um prazo de prescrição que está desajustado da realidade” e aponta que, depois de ter analisado a realidade noutros países, constatou que há países com prazos muito mais extensos ou até países sem qualquer prazo e onde a vítima pode fazer queixa em qualquer altura.
Explicou que o Código Penal português determina três prazos prescricionais, o mais grave de 15 anos e o menos grave de cinco anos, sendo que no caso dos crimes sexuais contra crianças existe a particularidade de só se iniciar a partir da maioridade da vítima.
“Eu achei que não era coerente com a nossa solução jurídica colocar imediatamente um prazo de 30 anos e então aquilo que nós fizemos foi equiparar o crime de abuso sexual de criança aos crimes que constam no artigo relativamente à prescrição de 15 anos e dizer que têm a mesma gravidade”, adiantou.
Propõe, por isso, um prazo prescricional de 15 anos, mas, acrescentou, que depois tenha em conta as características do tipo de crime, do impacto que tem nas vítimas e do tempo que elas demoram a percecionar o crime e a ter vontade de o denunciar.
“O início da contagem do prazo deveria iniciar-se aos 35 anos que é a tal idade média com que os sobreviventes fazem a denuncia”, sublinhou, acrescentando que esta é também a solução adotada em Espanha.
A par da entrega do projeto de lei, a associação Quebrar o Silêncio e a Associação de Mulheres Contra a Violência apresentam uma campanha pelo aumento do prazo de prescrição.
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