Netanyahu decidiu ousar derrubar o regime religioso-militar do Irão. É uma opção esperta para a estratégia do primeiro-ministro, que aos 75 anos tem o mandato mais longo da história de Israel (três décadas em volta da chefia do governo). Ao atacar a detestada ditadura iraniana, recupera os apoios internacionais que lhe estavam a escapar e mete na sombra tanto as notícias sobre os crimes de guerra que comete há 20 meses sobre o povo palestiniano, como a condenação internacional. Não amanhã, nem depois de amanhã, mas o colapso da teocracia iraniana é uma possibilidade concreta num futuro próximo. Aparentemente, Trump discorda, é o que dizem fontes da Casa Branca, nas Netanyahu vai avançando.

O domínio militar de Israel sobre muito do Médio Oriente é avassalador, apesar disso a região não é hoje um lugar mais seguro, nem mesmo para o Estado judaico.

Netanyahu está a conseguir dominar a agenda no Médio Oriente. Escapa impune aos crimes de guerra que estão a ser cometidos. E continua.

Israel conseguiu que a conferência internacional, convocada pela França e pela Arábia Saudita para esta semana na sede da ONU, em Nova Iorque, seja adiada. Trump ajudou Netanyahu ao pressionar vários países para a inoportunidade dessa conferência.

A guerra entre Israel e o Irão tem tudo para ser longa. Reúne os ingredientes para, ainda que menos cruel, retirar as atenções da barbárie em Gaza – é um desafio que fica colocado ao jornalismo: manter foco nesta tragédia em curso.

Netanyahu é muito hábil no jogo político, e é assim que tem convertido em vitórias pessoais cenários que pareciam condená-lo à derrota.

Agora, o primeiro-ministro de Israel tenta aparecer como líder do Médio Oriente. Fala como líder não só de Israel, mas da esperança de democracia região. Clama através dos ecrãs: "Povo do Irão, a nossa guerra não é contra vós. É tempo de se levantarem e se rebelarem contra o regime que vos oprime há 50 anos", enfatizou Netanyahu na mensagem com 7 minutos dirigida aos cidadãos do Irão, em que ousou usar o lema das mulheres que no Irão combatem o regime e lutam pela liberdade: mulher, vida e liberdade.

Esta estratégia de Netanyahu vai dar-lhe o resultado que pretende? Em Israel, seguramente, sim. O ataque ao Irão volta a reunir o eleitorado tradicional, que começava a mostrar insatisfação pela condução da guerra em Gaza, sem conseguir recuperar os reféns vivos, julga-se que 20.

Sobre o Irão, tudo está coberto pela névoa da tensão que agora se tornou guerra aberta e em escalada. O Irão está sob ataque intenso, a alta hierarquia das estruturas militares da República Islâmica entrou em colapso. O regime está encurralado. Perdeu os aliados na região, deixou de ter a fiel Síria do tempo de Assad, sofre o efeito do enfraquecimento dos houthis iemenitas, e volatilizou-se a teia de milícias, grupos armados e partidos político-confessionais construída em torno do combate concêntrico a Israel, do Líbano à Síria, do Iémen ao Iraque. Conta ainda com o apoio de Vladimir Putin, que manifesta "condenação" pelos ataques de Israel e se oferece para mediar uma solução política para o conflito. A China serve-se do petróleo do Irão, continua a dar uma mão ao regime, mas sem grande envolvimento.

As vagas de ataques israelitas nestes dias decapitaram o comando militar iraniano e comprometeram, de modo ainda desconhecido, parte da rede de defesas antimíssil. A escalada assemelha-se à sequência que, em setembro passado, levou ao colapso do Hezbollah e, ​​​​em seguida, à morte do seu líder, Nasrallah.

Há semelhanças no processo mas, obviamente, o Irão não é a Hezbollah. O regime teocrático possui um sistema institucional e militar ramificado que permite a substituição de dirigentes e a recomposição de comandos fiéis da elite religioso-militar.

Mas, de dentro do Irão chegam testemunhos de como a contestação ao regime é ampla e transversal.

Ainda assim, o ataque de agora, do mesmo modo que em Israel gera união em torno de Netanyahu, no Irão junta a população em volta da governação do país que está a ser atacado.

O povo que no Irão clama por liberdade detesta o aiatola Ali Khamenei, de 83 anos, o clérigo que há 36 anos comanda o regime teocrático iraniano com mão de ferro e o dogmatismo inabalável da revolução islâmica, mas perante a chacina em Gaza, Netanyahu representa um diabo ainda pior.

A população civil iraniana, empobrecida, farta da ditadura religiosa que gera o isolamento do país, cercado por sanções internacionais, está atordoada, em choque com este ataque desencadeado por Israel.

Está por conhecer a capacidade de resposta que a liderança religioso-militar do Irão ainda tem.

Assassinar os chefes dos países inimigos, mesmo em guerra, é uma ação moralmente condenável –  quase tudo numa guerra também o é. Netanyahu vai tentar atingir o topo do regime iraniano. A teocracia vai conseguir resistir? Que meios vai poder usar para contra-atacar? Passam por aí muitas das dúvidas deste tempo desgraçado.

Tal como Putin, que faz o que quer na Ucrânia, Netanyahu condiciona a agenda de Trump tanto em Gaza como no Irão, onde boicotou eficazmente as negociações em curso entre Washington e Teerão para retomar o acordo nuclear que o próprio Trump tinha rasgado no primeiro mandato presidencial.

Netanyahu faz o que quer e ninguém o trava. O rumo que a engrenagem de retaliação mútua pode tomar é incerteza. O direito internacional de que o Ocidente foi o porta-estandarte continua a perder qualquer vislumbre de humanitarismo e legalidade.