A ação foi iniciada em maio de 2023 após a denúncia de Pacheco Yepes, que em setembro daquele ano se tornou a primeira vítima de tortura ouvida por um juiz espanhol desde a morte de Francisco Franco, em 1975.

"Concordo com (...) o arquivamento destes processos", afirmou a juíza Ana María Iguácel no despacho de 31 de julho, que ainda não tinha sido divulgado.

A própria juíza foi quem admitiu a tramitação da denúncia, quando então confirmou "a possível existência" de "crimes contra a humanidade e tortura".

Mas cedeu à jurisprudência espanhola, que rejeitou sistematicamente todas as queixas das vítimas da ditadura (1939-1975) alegando prescrição dos crimes e, sobretudo, a Lei da Amnistia de 1977, que perdoou crimes de opositores políticos e de agentes da ordem pública.

"A jurisprudência não mudou após a promulgação da Lei da Memória Histórica", escreveu a juíza, em referência à legislação do governo do socialista Pedro Sánchez para indemnizar as vítimas do regime de Franco, aprovada em outubro de 2022.

"Raiva"

"É devastador", disse Julio Pacheco Yepes à AFP, que apesar de estar "claro que as possibilidades" de o caso avançar "eram muito pequenas", sentiu "raiva" quando soube que a queixa contra quatro torturadores tinha sido arquivada.

"A vitória" foi ter "sido ouvido num tribunal", disse o homem de 68 anos, que aos 19 anos foi preso pela polícia secreta em agosto de 1975, três meses antes da morte de Franco.

Membro de uma organização estudantil antifranquista, Pacheco Yepes relatou ter sido torturado durante dez dias na temida Direção-Geral de Segurança, na Puerta del Sol, no centro de Madrid, e depois preso sob a acusação de terrorismo.

Em entrevista à AFP em setembro de 2023, disse que gostaria que o seu testemunho abrisse "uma brecha no muro da impunidade", um obstáculo para as vítimas do regime.

Recorreu da "dececionante" decisão judicial e afirmou que está disposto a "continuar a apelar" até ao Tribunal Constitucional e à Justiça europeia.

"Modelo de impunidade"

Várias organizações de direitos humanos, incluindo a Amnistia Internacional, condenaram a decisão do tribunal de Madrid.

"Expressamos nosso mais absoluto desacordo e rejeição ao conteúdo do despacho", que "consolida um modelo de impunidade inadmissível num Estado de direito e que mina (...) os direitos básicos das pessoas que sofreram crimes franquistas" , indicaram em comunicado.

A Lei de Amnistia de 1977 continua a ser um muro intransponível, apesar da Lei da Memória Histórica de 2022, que entre outras coisas criou uma promotoria dedicada a investigar violações dos direitos humanos durante a Guerra Civil (1936-1939) e a ditadura.

O juiz Baltasar Garzón, famoso por tentar extraditar o ex-ditador chileno Augusto Pinochet em 1998, foi processado – embora absolvido – por tentar iniciar uma investigação sobre os crimes do regime amnistiados pela lei.

Para desespero das vítimas, alguns torturadores morreram sem serem processados, como o policial Juan Antonio González Pacheco, apelidado de Billy the Child, falecido em 2020.

Diante dos obstáculos judiciais na Espanha, associações de vítimas recorreram à Argentina, onde a magistrada María Servini invocou o princípio da justiça universal para iniciar em 2010 uma investigação, ainda aberta, por genocídio e crimes contra a humanidade durante a Guerra Civil de Espanha (1936-1939) e a ditadura franquista.

Em 2014, o sistema de justiça espanhol negou a extradição solicitada por Servini de quase 20 ex-ministros, juízes e polícias do regime por supostos crimes contra a humanidade.

Por Diego URDANETA, da AFP