Ao longo de 366 páginas, o deputado relator João Almeida (CDS-PP) faz um relato dos quase seis meses dos trabalhos com base na informação recolhida pelos deputados nas 36 audições (com duração total de 136 horas e 32 minutos), nos depoimentos escritos de várias personalidades e entidades (como o ex-primeiro-ministro José Sócrates ou a Comissão de Ética do Banco de Portugal) e nos milhares de documentos recebidos.
As principais conclusões cerram fileiras contra o Banco de Portugal e fazem críticas à gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que não foi sã e prudente, à falta de atenção do Ministério das Finanças para com o banco público e a intervenção do Governo socialista de José Sócrates no projeto da La Seda.
Banco de Portugal
O relatório considera que a atuação do banco central pôs mesmo em causa a utilidade da supervisão.
O supervisor bancário tinha receio do confronto com os supervisionados e não avaliava se as ordens dadas eram efetivamente cumpridas, atuando como um burocrata.
Ainda de acordo com o relatório, o banco central usa a sua independência, prevista nos seus estatutos, para evitar o escrutínio e, apesar das melhorias na regulação bancária portuguesa e europeia, considera “legítimo duvidar” se algo de “verdadeiramente relevante” mudou no Banco de Portugal.
Durante o tempo analisado pela comissão de inquérito, entre 2000 e 2015, os governadores do Banco de Portugal foram Vítor Constâncio (2000-2009) e Carlos Costa (2010 até à atualidade). Constâncio foi mesmo chamado por duas vezes à comissão.
Gestão da CGD
“Foi evidente, nesta comissão, que a CGD não foi gerida de forma sã e prudente, na concessão de vários dos créditos analisados”, é a última conclusão do documento hoje conhecido e das principais. O princípio ‘gestão sã e prudente’ é um dos que rege o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
O relatório critica as opções comerciais da CGD em que esta se pôs “simultaneamente na posição de acionista e credora”, considerando que isso “condicionou a sua atuação", e considerou que a presença de alguns administradores nos conselhos alargados de crédito era um pró-forma para fazer quórum, “sem evidência de debate ou confronto de posições”.
Foi ainda apurado que a maioria das perdas teve origem em créditos dados no mandato da administração liderada por Santos Ferreira e que o vice-presidente Maldonado Gonelha, os administradores Armando Vara e Francisco Bandeira, todos da administração Santos Ferreira, tiveram “intervenção direta nos créditos mais problemáticos”.
O relatório recomenda que a CGD tome medidas para não repetir os erros do passado e faça o apuramento das “responsabilidades dos processos ruinosos”, utilizando “todos os meios legais para se ressarcir das perdas”.
A CGD tem, atualmente, três sociedades de advogados a averiguar se há matérias para processos de responsabilidade civil sobre ex-gestores.
Em maio, o presidente executivo, Paulo Macedo, remeteu eventuais processos para depois do verão e repetiu a ideia de que o banco "não é juiz nem tribunal" e que não se comportará desse modo face a ex-gestores.
Entre 2000 e 2015, o banco foi liderado por António Sousa (2000-2004), Carlos Santos Ferreira (2005-2008), Faria de Oliveira (2008-2010) e José de Matos (2011-2016).
Governos
O relatório preliminar redigido por João Almeida (CDS-PP) critica a forma como os vários Governos lidaram com a tutela da CGD, por ação ou omissão.
Numa das conclusões refere-se que "as irregularidades detetadas pelos órgãos de controlo interno [da CGD] foram reportadas ao Ministério das Finanças, não existindo evidência de diligências efetuadas no sentido de as colmatar".
Relativamente a operações, as conclusões referem que a "aceleração" do projeto Artlant, para construção de uma fábrica da empresa La Seda em Sines, "foi reveladora da vontade política de realizar o investimento".
"O projeto Artlant foi apresentado à CGD como tendo o apoio do Governo [de José Sócrates, PS], o Caixa BI [Banco de Investimento] rejeitou, mas mesmo assim o projeto foi aprovado - vontade política", pode ler-se numa das conclusões do relatório preliminar.
O deputado relator, João Almeida (CDS-PP), assinala nas recomendações que "deve ser promovida uma reflexão profunda sobre o papel da CGD enquanto banco público", que "é necessário definir bem a missão da Caixa" e que "o Estado, através do Governo, tem que exercer o seu papel de acionista de forma presente e transparente".
José Berardo
É um dos protagonistas da comissão de inquérito, pela polémica audição que protagonizou e que lhe pode levar à perda de títulos honoríficos, assim como uma queixa sobre o facto de não ter enviado documentos pretendidos pela comissão de inquérito.
No caso dos créditos concedidos a sociedades a que está ligado, o relatório diz que "ficou esclarecido (por carta de José Pedro Cabral dos Santos [ex-diretor da CGD]) que foi o cliente a procurar a CGD e não o contrário".
Na sua audição, no dia 10 de maio, Berardo tinha dito que tinha sido a Caixa que o tinha procurado, através de Cabral dos Santos.
As conclusões da versão preliminar do relatório denotam ainda que o tratamento "não foi igual" entre vários clientes da Caixa, "como se verifica na diferença de tratamento entre o Grupo Fino e o Grupo Berardo".
Sobre o crédito de 350 milhões de euros à Fundação José Berardo, para comprar ações do BCP, o relatório defende que o Banco de Portugal “deveria ter realizado uma análise real da instituição em vez de aceitar informação de fraca qualidade dos seus serviços”.
Uma análise mais exaustiva poderia ter “inibido os direitos de voto e exigido contrapartidas adicionais” no financiamento, defende.
A gestão da CGD é criticada no financiamento a Berardo, considerando que a decisão de conceder crédito para comprar ações garantido pelas próprias ações, "sendo legal, não foi prudente".
Artlant
Para além das críticas já mencionadas ao Governo da época, do socialista José Sócrates, as conclusões do relator João Almeida indicam que "o financiamento à LSB [La Seda de Barcelona] revelou-se desastroso, e não era necessário para o desenvolvimento da fábrica em Sines".
"Já eram conhecidas irregularidades praticadas pelo CEO [presidente executivo] da LSB quando o investimento foi feito. Não se percebe esta necessidade nem porque foi suportada pelo Governo de então", advogam as conclusões.
Outras operações
Relativamente ao projeto de Vale do Lobo, João Almeida indica que a constituição da sociedade Wolfpart, para investimento da CGD no empreendimento, "configura uma situação paradigmática de contorno das recomendações da CGD para realização do investimento", já que o banco público entrou com 97% dos fundos, mas ficou com apenas 25%.
Já sobre as operações da Caixa Geral de Depósitos em Espanha, que geraram perdas de mais de 500 milhões de euros, as conclusões redigidas por João Almeida advogam que se centrou "não no esperado apoio aos pequenos e médios empresários portugueses com atividades ibéricas, mas na banca de investimento e no setor imobiliário".
Sobre os 'Boats Caravela', operação da Caixa datada de 1999, anterior ao âmbito da comissão (2000-2015), refere que "foi evidente a falta de conhecimento e preparação para lidar com este produto [financeiro] estruturado cujas perdas de 340 milhões de euros tiveram de ser assumidas durante os anos seguintes".
Reações dos partidos
O tom que marcou hoje a apresentação do relatório preliminar foi de concórcia com todos os partidos a saudarem o trabalho do deputador relator do CDS-PP, o que poderá indicar a aprovação do relatório final, ainda que com algumas alterações.
Pelo PSD, Duarte Pacheco considerou que gestão do banco público não só não foi sã e prudente como foi "potencialmente danosa e com potenciais comportamentos criminosos".
Do PS, João Paulo Correia, considerou que a comissão de inquérito revelou falhas na gestão da CGD e uma supervisão aquém, e defendeu conclusões “despidas de partidarite”.
O deputado do PCP Paulo Sá considerou que “houve um desvio claro da CGD da sua missão como banco público”, algo que é “responsabilidade dos gestores, mas também dos vários governos”.
Pelo BE, Mariana Mortágua afirmou que "o acompanhamento do Governo, para além de negligente foi errado", que o Banco de Portugal fez um acompanhamento "negligente", "burocrático", e criticou "o papel dos administradores que fazem figura de corpo presente”.
Os grupos parlamentares têm até esta terça-feira às 17:00 (hora de Lisboa) para fazerem propostas de alteração. As alterações e o relatório final serão debatidos e votados na quarta-feira, em reunião da comissão, a partir das 14:00.
O Relatório Final da II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da CGD e Gestão do Banco será discutido na sexta-feira em plenário (o último do ano parlamentar).
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