Em Macau, o galo de Barcelos surge há anos em diferentes montras espalhadas pela cidade, principalmente de lojas de recordações – sob a forma de miniaturas, porta-chaves e mealheiros, ou pintado em t-shirts ou aventais – como um ‘souvenir’ da região. Porquê? Por razões que o próprio universo do turismo parece desconhecer.
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Perto da rua cheia de gente que leva às Ruínas de São Paulo, consideradas símbolo máximo da cultura ocidental-cristã em Macau, nem turistas nem vendedores sabem explicar realmente por que razão o galo de Barcelos figura como um símbolo de Macau, território que deixou de ser um enclave português em 1999.
Em três lojas de lembranças diferentes, perto do ‘ex-libris’ da cidade, abundam galos de Barcelos de diferentes cores e tamanhos – uns com a inscrição “Portugal”, outros com a palavra “Macau” e outros sem qualquer indicação relativa à origem. Os vendedores garantem que “vende bem” - ainda por cima nesta altura, vésperas de Ano Novo Chinês - e os curiosos em torno das imagens comprovam-no.
Uma turista da China demonstra interesse num íman com o galo de Barcelos “porque é bonito”, ainda que não tenha a certeza tratar-se de um “símbolo” de Macau - a vendedora garante que sim, aos muitos que lhe perguntam, mas liga a imagem à influência da “cultura portuguesa”.
Não muito longe, na popular pastelaria Choi Heong Yuen, sobressaem cartazes e bandeirolas com um colorido galo de Barcelos ao centro, com as patas sobre um ‘yuan bao’ – uma barra de ouro em forma de barco que serviu, durante um longo período de tempo, como moeda na China.
A imagem surge com desejos de bom ano aos clientes, com o comércio a usar o galo de Barcelos como ‘chamativo’ durante os dias que antecedem a subida do galo ao poleiro do Ano Novo chinês.
O galo de Barcelos é como o pastel de nata
Tanto Fernando Sales Lopes como Rui Rocha – dois portugueses interessados pela cultura e tradições chinesas radicados em Macau há mais de 30 anos – definem o fenómeno como “relativamente recente”, surgido curiosamente após a transferência do exercício de soberania.
“Não sei precisar o momento em que aparece como símbolo de Macau, mas era algo que não existia. Penso que começou depois da transferência – não me recordo de ver o galo de Barcelos à venda antes”, observa Rui Rocha, notando ser “interessantíssimo” que seja “quase como um ícone de Macau, onde pegou muito bem, de uma forma curiosa, quando em Portugal até se brinca de uma forma jocosa com ele”.
Para Sales Lopes, o uso do galo de Barcelos como um símbolo pode ser comparado à adoção do pastel de nata, por oferecer uma imagem que pretende “marcar a diferença” de Macau relativamente à grande China.
Depois da transferência surgiram símbolos que se atribuem a Portugal – desde o galo de Barcelos, aos azulejos, aos bordados ou à cortiça –, “mais do que aqueles que existiam antes”, pelo que o investigador e jornalista Sales Lopes arrisca falar num “fenómeno identitário”.
Já o professor universitário considera que “apesar de reconhecerem que é capaz de não ser chinês, os chineses identificam, por outro lado, que o galo é um signo extremamente positivo e benfazejo na sua cultura, portanto, fazem um certo sincretismo cultural, juntando o útil ao agradável”.
Mas nem só de ‘souvenirs’ vive o galo de Barcelos em Macau.
De remédio para a coluna ao jogo do Monopólio
A título de exemplo, empresta a sua forma e cores garridas a um óleo da medicina tradicional chinesa para curar dores da coluna, encontrado à venda numa farmácia popular local.
O galo surge também na edição especial do clássico jogo “Monopólio”, de 2015, como um dos oito ‘tokens’, lado a lado com as Ruínas de São Paulo, um pastel de nata, ou um carro de corrida que simboliza o Grande Prémio de Macau.
Com os preparativos para dar as boas-vindas ao Ano Lunar do Galo – que vai reinar por 12 meses a partir do próximo sábado –, a imagem do de Barcelos ganhou um novo ímpeto.
Foi nele que Wilson Lam se inspirou quando fez o ‘design’ da emissão filatélica especial do Ano Novo Lunar, a qual ilustra o galo de Barcelos, “um ícone português bem conhecido e integrado na cultura de Macau”, como descrevem os Correios.
Wilson Lam explica à Lusa que recorreu ao galo de Barcelos por “simbolizar a harmonia entre as culturas” portuguesa e chinesa, embora reconheça que, aos olhos da maioria dos turistas, o galo de Barcelos poderá ser percecionado como um símbolo exclusivo de Macau – e não de Portugal –, o que também sucede, aliás, com o pastel de nata.
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