"Eppur si muove (a clamorosa ilegalidade desta prisão domiciliária permanece)" foi o único comentário, por escrito, que o advogado Ricardo Sá Fernandes quis prestar, ao ser confrontado pela Lusa com a decisão desfavorável do Supremo Tribunal de Justiça em relação à petição de "habeas corpus" que contestava a ilegalidade da medida de coação de prisão domiciliária a que o ex-ministro Manuel Pinho está sujeito desde dezembro.
"Eppur si muove (e contudo move-se)" é uma frase atribuída a Galileu quando em 1633 foi forçado a retratar-se da sua visão copernicana de que a Terra orbita o Sol, renegado assim a sua teoria heliocêntrica perante o tribunal da inquisição.
Segundo a decisão do STJ, assinada pela juíza conselheira Ana Maria Barata de Brito, o STJ indeferiu “o pedido de 'habeas corpus' por falta de fundamento”, acrescentando que o "`habeas corpus´ nunca foi, nem é um recurso".
Numa sessão pública hoje no STJ, em Lisboa, Ricardo Sá Fernandes reiterou a ilegalidade da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE) como alternativa a caução e a existência de um “erro grosseiro” na apreciação do perigo de fuga.
“Havendo erro grosseiro, há lugar a 'habeas corpus'. Existe uma situação de abuso de poder e por isso está preenchido o requisito de erro grosseiro. Manuel Pinho está em prisão domiciliária e a Relação reconheceu que a prisão é ilegal, não há dúvida nenhuma. Não estamos a discutir se é culpado ou inocente, isso será visto no momento próprio. O que está em causa é que está a ser privado da sua liberdade de forma ilegal”, disse o advogado.
Invocando exemplos de jurisprudência do STJ sobre este tema, o mandatário do antigo ministro da Economia considerou que os juízes têm de apreciar a petição, por considerar haver “um atentado à liberdade de Manuel Pinho” e lembrou que não surgiu nada de novo nos factos do processo para que fosse aplicada em dezembro uma medida de coação de privação de liberdade ao ex-governante, criticando ainda o juiz Carlos Alexandre.
O procurador-geral adjunto do Ministério Público José Góis defendeu a rejeição da petição, criticando o uso do 'habeas corpus' como um novo recurso, após a defesa de Manuel Pinho já ter recorrido anteriormente para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Em 19 de abril, a Relação revogou a parte do despacho do juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, “em que substitui a OPHVE pela prestação de caução, devendo ser proferido novo despacho a determinar se o arguido fica sujeito a OPHVE ou a caução”.
A petição foi distribuída na segunda-feira à juíza conselheira Ana Maria Barata de Brito e fazia assentar o pedido de cessação da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE) em dois motivos distintos: “Ilegalidade do decretamento da medida de OPHVE como alternativa à caução” e “erro grosseiro na apreciação do requisito do receio do perigo de fuga em que se funda a medida de coação”.
Manuel Pinho foi constituído arguido no âmbito do caso EDP no verão de 2017, por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo. No processo EDP/CMEC, o MP imputa aos antigos administradores António Mexia e Manso Neto, em coautoria, quatro crimes de corrupção ativa e um crime de participação económica em negócio.
O caso está relacionado com os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) no qual Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas, no qual, segundo o MP, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade.
O processo tem ainda como arguidos o administrador da REN e antigo consultor de Manuel Pinho João Conceição, Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia de um Governo PSD, Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas, e o antigo presidente do BES, Ricardo Salgado.
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