O estudo que agora foi publicado começou a ser feito há já três anos, concretamente em 2020, e para o mesmo foram entrevistadas 315 pessoas de Miranda do Douro. Falada por cerca de 10 mil pessoas, diz o investigador, o mirandês, desde 1999 a segunda língua oficial no país, poderá estar em risco de desaparecer. Em conversa com o SAPO24, Xosé-Henrique Costas, professor na Universidade de Vigo, explicou as suas razões.
“Perante a análise, há o risco da mesma desaparecer porque é falada na sua grande maioria, 70 a 80%, por pessoas mais velhas. Existirão apenas 2% de falantes com idade abaixo dos 18 anos. Eles não têm culpa, mas sentem que o uso da língua não os favorece, ou não pensam sequer que ela tem futuro, o desinteresse é natural”, assinalou Xosé-Henrique Costas, salientando que só o Governo poderá travar o declínio da língua.
“São os únicos que podem fazer algo pela língua. Têm de criar programas, incentivos ao uso da língua, etc. Só o Governo pode salvar a língua. Veja-se o caso do ensino: é uma língua, como o português, mas que não tem manuais, só alguns criados por professores”, referiu.
Existirão apenas 2% de falantes com idade abaixo dos 18 anos. Eles não têm culpa, mas sentem que o uso da língua não os favoreceXosé-Henrique Costas
Muito pessimismo, portanto, do outro lado da fronteira.
E em Portugal, como os especialistas veem o Mirandês e o atual estado da língua? Falámos com José Francisco Meirinhos, Professor Catedrático do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, natural de Miranda do Douro e autor de livros e estudos sobre a língua. Traçou-nos um cenário bem mais otimista, mas o Governo também não foi esquecido na hora de fazer recomendações, tal como foi feito pelo seu colega espanhol.
Primeiro que tudo, contudo, diz que este tipo de estudos só serve como potenciador da língua.
“O diagnóstico de que a língua está a morrer, e até prever o ano, parece-me um pouco ousado. Aliás, o diagnóstico da morte anunciada repete-se há muitas décadas e tem servido para muitas iniciativas e para que o Mirandês acabe por não morrer, como muitos já vaticinaram. Tenho a certeza que terá muitos anos pela frente se se mantiver a dinâmica local”, disse Francisco Meirinhos, dando exemplos do que tem vindo a ser feito para que o mesmo não desapareça.
“Desde 1974 que os mirandeses deixaram de ser minorizados. Nasceu, desde então, um interesse em introduzir o Mirandês nas escolas locais, houve também uma grande reanimação do associativismo em Miranda e é aí que a língua se fala e mais se trabalha e pratica. O Mirandês não pode ser visto como uma língua nacional, apesar de ser a segunda oficial, é sim local. Muitas coisas têm sido feitas, volto a dizer, nas escolas, em formações, em encontros, muitas atividades, etc. O Mirandês está vivo e assim vai continuar. Tem sido feito muito trabalho diário pela língua. Isso não acontecia há 40 anos. O estudo ignora o trabalho que está a ser feito, é um diagnóstico errado. Atualmente, todos os anos, publicam-se livros, crónicas, o Mirandês tem uma vitalidade que nunca teve”, salientou.
"O diagnóstico de que a língua está a morrer, e até prever o ano, parece-me um pouco ousado. Aliás, o diagnóstico da morte anunciada repete-se há muitas décadas e tem servido para muitas iniciativas"Francisco Meirinhos
É preciso fazer mais. Bem mais
O especialista português, contudo, não está em total desacordo com algumas alíneas do estudo. “É sempre possível fazer mais, como dizem os investigadores. Por exemplo, recomendar que o Mirandês não fosse apenas uma disciplina, nas escolas em Miranda. Deveria haver disciplinas ensinadas em Mirandês, para acabar com a ideia de que esta é apenas uma língua rural e familiar”, afirmou José Meirinhos, dando outro exemplo curioso.
“Desde há algum tempo que não havia duas gerações, em casa, a falar Mirandês. Houve uma altura que escondíamos o Mirandês, era visto como uma língua rural e tínhamos vergonha. Agora não, ensina-se nas escolas e será a primeira vez que haverá duas gerações que estudaram. Isto cria as condições para que o Mirandês seja falado no contexto familiar, que é muito mais importante do que ser falada apenas nas aulas. E se por aqui ficarem, estes mais novos, certamente os seus filhos também vão aprender a língua”, disse.
Mais otimismo, portanto, cá dentro.
Mas depois do otimismo demonstrado, o professor especialista também traçou um cenário de preocupação.
“O que está a ser feito atualmente, tem sido feito pelo povo, pelas pessoas que gostam do Mirandês. O problema é se essas se cansam, ou se a desertificação de locais do Portugal interior começa a aumentar ainda mais. Isso sim é um problema para a língua. É preciso fazer mais, não se pode apenas esperar que seja sempre o povo que ama o Mirandês a fazer para com que este não morra. Repito, está vivo e bem vivo. Mas isto é agora, dentro de anos não saberemos”, referiu.
Este foi, sem dúvida, um recado por parte de José Meirinhos, que identifica depois os destinatários.
”As instituições têm que fazer mais do que fizeram até agora. São os falantes que têm mantido a língua, mas é preciso que o Ministério faça mais. Estimular para que esta seja estimulada. O Ministério da Cultura também poderia fazer mais. O Ministério da Ciência também, apoiando as universidades que sempre trabalharam sobre e pelo Mirandês, etc. Resumindo, o Governo devia fazer mais, sobretudo nestes domínios, deveria continuar a fazer com que os ministérios com poder no tratamento das línguas apostassem nas mesmas. Se o Governo não atrapalhar, o Mirandês terá pernas para andar”, concluiu o especialista.
"As instituições têm que fazer mais do que fizeram até agora. São os falantes que têm mantido a língua, mas é preciso que o Ministério faça mais. Estimular para que esta seja estimulada"Francisco Meirinhos
Mirandês aguarda ratificação da carta das línguas minoritárias
Um dos pontos que Xosé-Henrique Costas, investigador da Universidade de Vigo, salientou também ao Sapo24 foi o facto de Portugal ter assinado no ano passado a Carta Europeia para as Línguas Regionais ou Minoritárias, embora não a tenha ainda ratificado. A Associação de Língua e Cultura Mirandesa (ALCM) diz o mesmo e revela preocupação.
"No caso de Portugal, foi dito, no acto da assinatura, que o motivo deste ato foi a defesa da língua mirandesa, a língua minoritária existente no nosso país. A Carta elenca uma série de premissas com que os Estados-membros se comprometem a salvaguardar a defesa das várias línguas minoritárias que eventualmente cada país tenha no seu território" disse o presidente da ALCM, Alfredo Cameirão, referindo ainda que "este documento estabelece ainda que haja uma avaliação periódica do cumprimento das alíneas contidas nesta carta para se fazer um ponto de situação da sua implementação, por peritos internacionais".
"O processo estará a andar mas não temos informação se estará a andar com a velocidade desejada", concluiu.
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