Vasco Sumboleite fez questão de se despedir do “doutor Elvino”, um dos dois apoiantes de Venâncio Mondlane assassinados a tiro na sexta-feira em Maputo, numa emboscada: “Muito mais do que ser advogado das demais pessoas, dos singulares, foi advogado do povo. Nos últimos tempos ele dedicou-se a defender aquilo que eram os direitos do povo, razão pela qual o povo reconheceu isto. Razão pela qual o povo irá exigir justiça”.
Empunhando dois livros da mão, sobre os desafios e problemas de Moçambique, Nasmodino Omar protestava junto aos portões do cemitério, pequeno para a imensa moldura humana que acompanhou o funeral, falando num “ato macabro”
“Queremos justiça para o nosso advogado”, atirava, para logo depois admitir: “O nosso país não tem justiça, por isso não se vai fazer. Mas o povo vai fazer justiça, custe o que custar".
Em lágrimas, Frida Liberdade despedia-se ali ao lado: “Nosso pai, defensor da nação”.
“Ele defendeu o seu país e não se importava com a morte. Ele fez tudo sabendo que um dia qualquer ia ser morto, mas mesmo assim ele foi em frente até ao seu último dia. Ele inspirou-nos muito, deixou um legado e nós não vamos desistir”, afirmou.
Mesmo no momento da despedida, Frida confessava um “sentimento de tristeza e de alegria” pelo advogado, conhecido pela intervenção em defesa de causas de direitos humanos e mais recentemente na política.
“Nós tivemos um pai, nós tivemos um jovem, um advogado que foi advogado do povo. Acima de tudo ele ensinou-nos que temos que defender os nossos direitos sem importar com o amanhã”, atirava, garantindo que “será feita justiça”.
Um cortejo quase interminável de motorizadas, viaturas e dezenas de pessoas, de todas as idades, em cada rua, em lágrimas e gritando o nome de Elvino Dias, marcou, ao longo de cerca de 40 minutos, o cortejo fúnebre que saiu da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, local do velório, para o cemitério de Michafutene, arredores de Maputo.
“Nós perdemos um companheiro cimeiro a nível da nossa organização porque defendia os ideais da democracia, os ideais da Justiça, os ideais do direito, e por causa disso transformou-se no advogado do povo. Porque estes valores são valores estruturantes de um Estado”, disse à Lusa o bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Carlos Martins.
Em representação da Ordem, foi o próprio bastonário que fez o elogio fúnebre.
“Não havia como não dissociar, efetivamente, a sua atividade daquilo que era a sua prestação, tendo em conta o destinatário útil, que é o povo. A Justiça é, efetivamente, um dos direitos que são prometidos numa nação”, apontou Carlos Martins.
Num dia marcado pela exigência de justiça para o duplo homicídio de sexta-feira, e gritos de “povo no poder”, o bastonário da Ordem assumiu o receio que essa justiça não chegue.
“Temos receios, até porque o passado nos mostra isso, temos vários assassinatos que nunca foram esclarecidos. E muitos são esclarecidos a nível de autores materiais, mas os autores morais nunca aparecem. Este é que é o problema”, disse Carlos Martins, defendendo que o crime foi um “ataque à democracia”.
“Foi, sem dúvida. À democracia, à advocacia, à independência da advocacia, aos pilares essenciais de um Estado de direito. Foi, sem dúvida”, afirmou, ladeado por dezenas de advogados, no cemitério.
No elogio fúnebre, o juiz Jafete Fremo, vice-presidente da Associação Moçambicana de Juízes, classificou Elvino Dias como um “advogado dos aflitos”.
“Calaram a voz de Elvino Dias. Todavia, a Associação Moçambicana de Juízes não irá se calar, não irá se silenciar em relação a este assassinato”, garantiu, recordando a defesa em que o advogado se envolveu no passado, nomeadamente sobre o homicídio de juízes.
Venâncio Mondlane não esteve presente no funeral - disse antes que se encontra “em parte incerta” alegando questões de segurança -, contudo, Lutero Simango, outro dos quatro candidatos presidenciais nas eleições de 09 de outubro, e líder do Movimento Democrático de Moçambique (MDM, terceira partido parlamentar), esteve presente.
“Dar o exemplo que ainda há essa possibilidade de construir um Moçambique dialogante, de tolerância, e de promover políticas públicas que possam resolver os problemas básicos da nossa população”, justificou, comentando ainda o apelo que tem sido feito à união da oposição em Moçambique.
“Esse apelo tem a sua legitimidade. Agora, cabe a nós, os políticos, entender, perceber e assumir esse apelo”, disse ainda.
Antes, ao início de manhã, dezenas de pessoas juntaram-se na capela mortuária do Hospital Central de Maputo para o velório de Paulo Guambe, mandatário do partido Podemos, partido que apoia Venâncio Mondlane, outra das vítimas do duplo homicídio, cujo funeral está agendado para quinta-feira, na província de Inhambane.
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