Em entrevista à Lusa e à RTP em Kiev, o antigo chefe de Estado, entre 2014 e 2019, recorre justamente à sua experiência de diálogo com o Presidente russo para duvidar da boa-fé de Moscovo sobre o cessar de hostilidades na Ucrânia, ao cabo de três semanas desde a invasão russa.
“O que está a fazer a Rússia? Nada. O que está a fazer a Rússia? Está a matar ucranianos. O que está a fazer a Rússia? Não sei quem é o senhor Medinsky (Vladimir, antigo ministro da Cultura russo], que está a representar a Rússia [nas negociações]. Ele não é nenhum representante, é treta, e isto não é nenhuma negociação”, declara.
Em contrapartida, o atual deputado e líder do partido Solidariedade Europeia, de 56 anos, afirma que conhece bem o líder do Kremlin e conta como, ao longo do seu mandato como Presidente ucraniano, Putin nunca concretizou os seus compromissos, desde a libertação de reféns, à retirada de militares e de armas pesadas de artilharia no conflito da região de Donbass (leste).
Nesse sentido, deixa dois conselhos aos países do Ocidente: “Por favor, não confiem nele, ele nunca cumpre a sua palavra. Esta é a minha experiência com ele muitas vezes”, afirma Poroshenko, e acrescenta: o Presidente russo “irá tão longe quanto nós, em conjunto, o deixarmos ir” e “, em conjunto, tem de ser travado”.
Esta ideia conduz ao segundo conselho: “Não tenham medo de Putin. É isso que ele espera: milhares de tanques russos, conquista de território ucraniano e toda a Ucrânia vai ter… medo”, aponta, dando o exemplo de resistência do seu país: “Aqui ninguém tem medo de Putin. Só alguns europeus e alguns americanos. Não tenham medo, ele é fraco, nós somos fortes se estivermos juntos”.
Falando num pátio da ampla sede do seu partido, situada junto de algumas das principais instituições do poder no país, e à frente de três elementos das forças territoriais e de uma viatura blindada anfíbia de três toneladas, recorda-se ainda dos primeiros tempos na Presidência, quando foi eleito em maio 2014, após os protestos EuroMaiden, em Kiev, e a Revolução da Dignidade, a que seguiu a escalada de violência na região de Donbass, o apoio de Moscovo aos movimentos separatistas no leste do país e anexação da Crimeia.
É com esse auxiliar de memória que o ex-chefe de Estado, que falhou em 2019 a recondução no cargo para o antigo comediante Volodymyr Zelensky, desvaloriza alguns dos pontos em causa nas atuais conversações, como a neutralidade de Kiev, a adesão à NATO ou o reconhecimento da Crimeia.
“Em 2014 fui eleito Presidente e, quando Putin nos atacou, nós éramos neutrais, não tínhamos nenhuma obrigação legal de nos tornarmos membros da NATO, não tínhamos nenhuma contradição com a Rússia”, declara, insistindo: “E Putin atacou-nos”.
A forma de travar a invasão russa, segundo Poroshenko, passa por mais apoio militar do Ocidente à Ucrânia e isolamento do líder russo: “Eu tenho um plano, eu dei esse passo”, declara, de modo solene, enumerando cinco pontos, que diz já ter discutido pessoalmente com o seu sucessor na Presidência ucraniana, líderes da oposição parlamentar e ainda com Estados-membros da NATO.
O primeiro ponto está precisamente relacionado com a neutralidade e um acordo de empréstimo, invocando o apoio em 1941, durante a II Guerra Mundial, que os Estados Unidos da América, “mantendo-se neutrais”, forneceram ao Reino Unido, “sob a grande liderança de Winston Churchill”, e a necessidade de mais apoio militar à Ucrânia.
Petro Poroshenko destaca a urgência de encerrar o espaço aéreo, referindo que, além das mortes, em bombardeamentos e ataques com mísseis, de civis e militares – que “apenas estão a defender a liberdade e a democracia e não só o território ucraniano” -, está em causa também a segurança de centrais nucleares.
“Nesta situação, precisamos de mísseis antiaéreos, e recebemos com agrado a decisão do Presidente [norte-americano] Joe Biden [de reforço de 800 milhões de dólares de apoio à Ucrânia], mas precisamos de mais”.
“Precisamos de aviões de combate, de mísseis antiaéreos e armas antitanque”, elenca, reforçando: “E precisamos disso porque todas as semanas estamos a gastar esses meios e porque 14.500 mil soldados russos já foram mortos por ucranianos. E precisamos de mais armas”.
Outro ponto vital, salienta, é o reforço das sanções contra Moscovo e Vladimir Putin, que “devem ser cada vez mais fortes até que deixe o território ucraniano”, exigindo igualmente um sistema mais forte que atinja individualidades e decisões no âmbito do Tribunal Penal Internacional.
“Ainda a propósito das sanções, parem de comprar recursos energéticos russos, parem de comprar petróleo e gás russos. A cada hora, só a Europa paga à Rússia 50 milhões dólares e cada centavo é pago para matar ucranianos. Isso vai definitivamente contra os nossos valores”, critica.
O plano de Poroshenko prevê por fim a reconstrução pós-invasão e, mais uma vez, aprendendo com as lições da II Guerra Mundial: “Chamem-lhe Plano Marshall, ou chamem-lhe Plano Biden, ou Plano Michel [Charles, presidente do Conselho Europeu], ou Plano Johnson [Boris, primeiro-ministro britânico], ou chamem-lhe Plano Biden-Michel-Johnson, mas por favor façam qualquer coisa, não fiquem de fora”.
De contrário, “a guerra vai bater à porta” dos países europeus, “não importa onde vivem, nos Estados Bálticos, em Portugal, em França ou na Alemanha”, alerta o ex-líder ucraniano, pedindo urgência neste plano, que implica assistência e integração euro-atlântica da Ucrânia, que, “quanto mais próxima e profunda, mais segura e forte ficará a Europa”.
Em suma, Poroshenko afirma que a Ucrânia “precisa de tudo menos soldados”, porque já tem “os mais corajosos do mundo”, e deixa uma mensagem final: “Os empréstimos de longa duração, aqueles que serão perdidos em ação, seriam eliminados. Para tudo o mais, a Ucrânia está disposta a pagar. Estamos dispostos a pagar para protegê-los, europeus”.
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