"Nos extremismos políticos, apesar de a pandemia ter obrigado ao cancelamento de muitas das atividades tradicionais (reuniões, conferências, concertos), o confinamento imposto aumentou o tempo de exposição da sociedade em geral, e dos jovens em particular, aos meios online e abriu um leque de oportunidades para que os movimentos radicais de extrema-direita disseminassem conteúdos de propaganda e desinformação digital, com vista a aumentar as suas bases de apoio, galvanizar os sentimentos antissistema e a reforçar a radicalização com base xenófoba, recorrendo ao discurso apelativo da violência e do ódio, num momento em que a sociedade portuguesa é, também, confrontada com fenómenos de polarização ideológica".
O parágrafo acima é uma das principais conclusões retiradas do Relatório Anual de Segurança Interna, apresentado esta terça-feira em conferência de imprensa pela secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, Helena Fazenda.
Num ano marcado pela pandemia e pelo confinamento, o Serviço de Informações de Segurança mostrou-se particularmente preocupado com os "riscos de radicalização violenta online de jovens portugueses, que poderão conduzir nos próximos anos ao agravamento da ameaça". As autoridades alertam ainda para a aproximação de vários grupos de extrema-direita a "movimentos sociais inorgânicos, designadamente os negacionistas da pandemia".
Num ano em que houve um diminuição generalizada da criminalidade geral, menos 11%, e da violenta e grave, menos 13,4%, registou-se uma subida de 60% dos crimes de discriminação religiosa e de 30% nos crimes contra o Estado.
Este último ponto inclui, por exemplo, a ação levada a cabo pelo grupo Nova Ordem de Avis - Resistência Nacional, quando em agosto do ano passado, realizou, de cara tapada e tochas, uma “vigília em honra das forças de segurança” em frente às instalações da SOS Racismo, em Lisboa. Ou o envio de um e-mail a Mamadou Ba e outros nove políticos, afirmando que se estes não abandonassem o país em 48 horas correriam risco de vida.
"A estas ações que, naquele momento, atestaram a escalada do clima de tensão entre a extrema-direita e os adversários políticos e configuraram táticas de intimidação e/ou tentativas de condicionamento da liberdade individual e política, acrescem, embora numa dimensão inexpressiva quando comparada com outros países europeus, os riscos de radicalização violenta online de jovens portugueses que poderão conduzir nos próximos anos ao agravamento da ameaça", lê-no no relatório.
Já em fevereiro, o relatório “Estado de ódio – o extremismo de direita na Europa”, alertava para o risco de a extrema-direita tentar “tirar vantagem da insatisfação, frustração e ressentimento da crise socioeconómica causada pelas medidas para conter a pandemia covid-19”.
Em Portugal, são identificados seis grupos ligados à extrema-direita. O Chega é identificado como populista radical de direita, o Ergue-te (ex-PNR) de extrema-direita, os grupos Escudo Indentitário e Associação Portugueses Primeiro são considerados identitários, Hammer Skin neo-nazis e o Movimento Zero, movimento não orgânico nas polícias, é definido como populistas de extrema-direita.
Assinala-se ainda a criação de novos grupos como a Resistência Nacional e o movimento Defender Portugal.
Depois de o Chega eleger um deputado nas legislativas de 2019, o relatório assinala, este ano, que houve uma “normalização” política do partido de André Ventura, assinalando-se o acordo com o PSD e outros partidos de direita para formar Governo na região autónoma dos Açores.
O documento destaca que o racismo em Portugal foi evidente numa série de actos violentos, como a agressão de uma mulher num autocarro, pela polícia, por o filho não ter bilhete ou ainda pela morte, nas ruas num subúrbio de Lisboa, de um ator, Bruno Candé, por um homem que o mandou “para a senzala”, um termo que remete para o passado do esclavagismo em África.
O Chega, segundo o relatório, fez elevar as “narrativas-chave” de extrema-direita “a níveis nunca vistos na política” portuguesa desde o fim do Estado Novo, dando como exemplo que 15% dos delegados ao último congresso votaram a favor de uma resolução que propunha que fossem retirados os ovários às mulheres que praticassem aborto.
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