Durante a leitura do acórdão do julgamento que decorreu no Tribunal de Santa Maria da Feira, no distrito de Aveiro, o juiz presidente disse que o empresário das sucatas “necessitava de fazer chegar o dinheiro à sua posse”, tendo usado a namorada de um dos seus filhos e uma advogada, coarguidas no mesmo processo, para atingir esse objetivo.
Manuel Godinho, que não compareceu no Tribunal, foi condenado a dois anos de prisão, por um crime de abuso de confiança agravado, um ano e dois meses, pelo mesmo crime na forma tentada, dois anos, por branqueamento, um ano e dois meses, pelo mesmo crime na forma tentada, e nove meses, por frustração de créditos.
Em cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada uma pena única de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução, com a condição de pagar três mil euros aos Bombeiros da Feira.
O juiz justificou a suspensão da pena pelo facto de, à data dos factos, o arguido não ter antecedentes criminais.
A advogada que disponibilizou a sua conta bancária para receber o dinheiro também foi condenada a três anos de prisão, em cúmulo jurídico, pelos crimes de abuso de confiança agravado, branqueamento, frustração de créditos e falsificação de documento.
O tribunal condenou ainda a namorada de um dos filhos do sucateiro a um cúmulo jurídico de um ano e dois meses de prisão, por um crime de abuso de confiança na forma tentada e outro de branqueamento.
As penas destas duas arguidas também ficaram suspensas, com a condição de cada uma delas pagar três mil euros aos Bombeiros da Feira.
O Tribunal declarou ainda perdido a favor do Estado a quantia de 56 mil euros.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), consultada pela Lusa, este montante resultou do reembolso de impostos pagos pela empresa de comércio de sucatas e que tinham sido impugnados judicialmente, com o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro a decidir pela anulação da liquidação.
De acordo com a investigação, em janeiro de 2017, Manuel Godinho solicitou a transferência daquele montante para uma conta bancária de uma sociedade gerida pela namorada do seu filho, que tinha sido aberta uns dias antes.
No entanto, esta operação não veio a realizar-se porque o sucateiro decidiu alterar o destino da transferência para uma conta cotitulada por uma advogada.
O MP diz que o arguido não apresentou qualquer justificação económica para esta operação, que apenas terá servido para aquele se apropriar do referido montante.
Este é o quarto processo em que Manuel Godinho é julgado na sequência do Face Oculta. No processo principal, o sucateiro foi condenado em 2014, no Tribunal de Aveiro, a 17 anos e meio de prisão.
O empresário das sucatas recorreu para a Relação do Porto, que reduziu a pena para 15 anos e dez meses, e voltou a recorrer, desta feita para o Supremo Tribunal de Justiça, que diminuiu a pena para os 13 anos de prisão.
O acórdão condenatório já transitou em julgado, mas o sucateiro continua em liberdade, porque foram declarados prescritos vários crimes que lhe tinham sido imputados, aguardando a marcação de uma nova audiência de julgamento para determinação de novo cúmulo jurídico das penas aplicadas.
Além deste caso, o sucateiro foi condenado por crimes de corrupção ativa em dois processos que resultaram de certidões extraídas do caso Face Oculta e que já transitaram em julgado, tendo sido fixado um cúmulo jurídico de três anos de prisão efetiva.
O processo Face Oculta, que começou a ser julgado em 2011, está relacionado com uma alegada rede de corrupção que teria como objetivo o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho nos negócios com empresas do setor do Estado e privadas.
Além de Manuel Godinho, foram arguidos no mesmo processo o ex-ministro Armando Vara, que já está a cumprir a pena de cinco anos de prisão a que foi condenado, o ex-presidente da REN (Redes Energéticas Nacionais) José Penedos e o seu filho Paulo Penedos.
Na primeira instância, dos 36 arguidos, 34 pessoas singulares e duas empresas, 11 foram condenados a penas de prisão efetiva, entre os quatro anos e os 17 anos e meio.
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