Começou a pintar há cinco décadas, nos anos setenta, e no ano passado até expôs 79 das suas aguarelas, escolhidas a dedo, na Garrison Chapel, em Chelsea, Londres.
Apesar da delicadeza de algumas das suas obras, segundo especialistas, Carlos III garante que não tem "qualquer ilusão" sobre sua qualidade, "mas representam o meu álbum de 'fotos' particular e, como tal, são muito importantes para mim".
Há quem tire fotografias dos locais que visita, o rei prefere pintá-los. Se, por um lado, "a fotografia era insatisfatória", por outro "a pintura requer uma concentração mais intensa e, portanto, é um dos exercícios mais relaxantes e terapêuticos que conheço", diz. "Leva-me para outra dimensão, que refresca partes da alma que outras actividades não alcançam".
As aguarelas de Carlos III retratam as suas viagens, e através da sua pintura é possível admirar a montanha Beinn a'Bhùird, que imortalizou diversas vezes em diferentes épocas do ano, o moinho Huna, em John O'Groats, ou Glen Callater, perto de Balmoral, na Escócia, Montmirail ou Le Barroux, em França, o Monte Atos, na Grécia, Saint Moritz ou Klosters, na Suíça, até paisagens da Tanzânia ou da Roménia.
Muitos dos quadros reproduzem as propriedades de família, como o famoso Castelo de Mey, em Caithness, na costa norte da Escócia. As obras de Carlos III, expostas pela primeira vez no Castelo de Windsor, em 1977, estão hoje dispersas pelas casas da família real britânica.
Robert Waddell, mestre do rei na Gordonstoun School, na Escócia - também frequentada pelos filhos de David Bowie e de Sean Connery -, terá tido grande influência no seu trabalho, mas o gosto e a mão para a pintura não são únicos na família, já que o pai, Filipe, duque de Edimburgo, também pintava, tal como a rainha Vitória.
O rei terá pintado até hoje cerca de 680 aguarelas, muitas vezes assinadas com o pseudónimo A.G. Carrick, um nome inspirado nas iniciais de outros dois dos seus nomes próprios, Arthur e George, e no seu título de conde de Carrick.
D. Carlos I e a obsessão pelos mares
Portugal também teve um rei Carlos pintor, "o Diplomata", cognome por que ficou conhecido. D. Carlos I evidenciou-se pelos seus quadros, patentes em diversas exposições nacionais, que receberam acolhimento favorável da crítica, conquistaram prémios e contribuíram para a sua nomeação, em 1905, como sócio de mérito da Academia Portuense de Belas-Artes.
Ainda criança, fotografias, desenhos e pequenas aguarelas do então príncipe D. Carlos deixam perceber a sua paixão precoce pelo mar e, especialmente, por barcos.
A pintura de marinhas de mar aberto, com diferentes cambiantes de luz a incidir sobre o mar tranquilo ou revolto, é para os conhecedores indissociável da sua ligação à vila de Cascais, local de veraneio privilegiado pela corte.
Nalguns desses desenhos e aguarelas, hoje pertencentes ao Museu do Chiado e Museu Nacional de Arte Contemporânea, pode-se contemplar imagens de Cascais e do Estoril no final do séc. XIX e início do séc. XX, sempre com o mar como pano de fundo.
A pesca é outro dos temas muito presente. D. Carlos I gostava de retratar a actividade pesqueira nos seus diversos momentos, assim como as figuras de pescadores e varinas. Muitas vezes desenhava e pintava as espécies marinhas (fauna e flora) capturadas para estudo, não fosse o rei pioneiro na oceanografia em Portugal.
Detentor de uma vasta cultura, D. Carlos chegou a conviver de perto com a elite cultural e intelectual, participando em tertúlias e no célebre grupo "Os vencidos da vida», de que fazia parte Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Carlos Soveral ou Oliveira Martins, entre outros.
Mais o que nos une ou o que nos separa?
D. Carlos foi um dos pioneiros mundiais no campo de Oceanografia e dedicou-se com êxito a outros ramos da ciência, como a Ornitologia ou a Biologia Marinha.
O agora coroado Carlos III não chegou ao trono aos 26 anos, como D. Carlos I, mas é igualmente considerado um dos monarcas mais cultos do seu tempo. Assim o vê o embaixador José Bouza Serrano, autor de "As Famílias Reais dos Nossos Dias" e "A Viúva de Windsor".
"Está muito bem preparado, muito culto. Vê o mundo de uma perspectiva de um homem de 70 anos, clássico, com grande sensibilidade, mas também com uma grande inteligência. Gosta muito de música clássica, de literatura, é um grande conhecedor de Shakespeare, fez teatro por prazer. Também pinta, e as suas aguarelas são de uma grande solidão, não têm figuras humanas. E não é que ele não saiba pintar uma pessoa. Mas tem muita paciência. E mau génio, como tinha Eduardo VII, que ficava possesso se havia uma quebra do protocolo, completamente fora de si", diz o diplomata.
Isabel II, a rainha mãe, "tinha sempre muito medo que o filho se transformasse num monarca activo, a debitar sobre os diversos assuntos - estava sempre a mandar cartas aos ministros e a fazer sugestões. Mas ele não fará isso", confia o embaixador. "Eduardo VII fez muito isso, mas a rainha Vitória nem o deixava tocar nas caixas vermelhas nem nos documentos oficiais. Esta não, preparou o filho bastante bem e contava sempre com ele, ao contrário da rainha Vitória".
José Bouza Serrano esteve com Carlos III diversas vezes, a mais intensa das quais enquanto chefe do Protocolo do Estado, quando em 2011 o príncipe de Gales e Camila Parker-Bowles, duquesa da Cornualha, visitaram Portugal.
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