Carmei Gat é um complexo habitacional em Kiryat Gat, que por sua vez fica a cerca de 31 quilómetros da Faixa de Gaza. Através da sua varanda, Eli Simberg, brasileiro, judeu e pai de dois filhos assiste ao desenrolar da guerra.
É ali mesmo, da varanda, por Zoom e colocando à prova a ligação de Internet, que fala ao SAPO24, sinalizando na linha e no céu o cenário por onde voam mísseis e se ouvem e veem explosões.
Eli Simberg, a esposa e os filhos, de 11 e 3 anos, estão em casa desde sábado, dia em que acordaram com as sirenes que davam conta da grande e inesperada ofensiva do Hamas contra Israel.
Eram 6h30, hora local, quando tudo começou. "Estávamos ainda em casa, todos dormindo, e as sirenes começaram a soar. Ninguém esperava. Como existe uma preocupação de que em breve tenhamos um terramoto forte nesta zona, uma coisa que se espera que aconteça a cada 100 anos, eu pensei que os alarmes estavam a tocar por causa de algo nesse sentido. Obviamente corremos para o nosso quarto de segurança. Começámos depois a ouvir as explosões e percebemos que era um ataque".
Os edifícios recentes, como aquele em que vive, explica, já são feitos tendo a vista a existência de um "quarto de segurança". Trata-se de uma divisão da casa construída segundo indicações governamentais e que deve servir de abrigo em caso de emergência.
"Aqui temos 20 segundos para ir até ao quarto de segurança abrigar-nos. Se fosse em Jerusalém [onde trabalha como produtor de media e conteúdos] teríamos um minuto e meio, talvez dois". A questão prende-se com a proximidade de Kiryat Gat do local de Gaza.
O trabalho por estes dias faz-se por casa e a escola está suspensa. "A informação que temos é que no próximo domingo provavelmente as crianças retornam às aulas. Domingo é um dia normal aqui em Israel. Mas tudo vai depender do que acontece desde este momento [quinta-feira, 12 de outubro ao final da tarde] para a frente", conta.
Isto porque "normalmente a situação fica mais tensa aos fins de semana [sexta e sábado], porque a população de Israel está em casa e o exército aproveita para fazer estas operações especiais", explica.
A nossa conversa com Eli Simberg acontece no sexto dia de conflito e a rotina desta família mudou radicalmente — "só o facto de as crianças não irem à escola, não as podermos levar a um parque, ficarem presas em casa, já é uma mudança grande", desabafa.
"Não existe segurança para nós fora de Israel"
Não que os habitantes de Kiryat Gat estejam impedidos de ir à rua, mas fazem-no por seu próprio risco. Quando a sirene toca e estão em casa é "levar os nossos filhos para o quarto de segurança, aguardar que tudo passe e rezar para que não sejamos atingidos". Se estiverem na rua é "procurar abrigo rapidamente ou deitarem-se no chão. E rezar para que não caia um míssil ao lado".
As crianças mais velhas aprendem na escola como agir em caso de emergência, são "treinadas para se defenderem e para saberem onde ir, porque as escolas também têm salas de segurança". Com crianças mais pequenas, como a sua filha de três anos, é "manter a calma, não demonstrar a nossa ansiedade, ir para o quarto de segurança, fechar a porta, brincar e esperar que tudo passe o mais rápido possível".
Eli chegou a Israel em 2004 e não pensa sair do país. "Na minha família somos mais de 20 aqui, pais, irmãos, sobrinhos, cunhadas e cunhados, e todos pensamos igual: Israel é o nosso país. Não existe segurança para nós fora de Israel, porque o antissemitismo voltou a crescer em todo o mundo", diz.
Quando ali chegaram estava quase no fim a Segunda Intifada, uma revolta civil dos palestinianos contra a política administrativa e de ocupação israelita, que começou em 2000 e se prolongou até ao início de 2005. Seguiu-se um confronto armado com o Líbano, em 2006.
"Tivemos exactamente o mesmo problema do que na guerra do Yom Kippur [em 1973], em que o exército e o governo sabiam que o Egito ia atacar, mas não acreditaram"
Não que estejam habituados, mas não é novo estar em guerra para Eli. "E hoje eu não vejo outra saída para nós. Nós vamos permanecer aqui [em Israel], sabendo que as coisas vão melhorar", reitera.
"Foi um massacre"
Quando lhe perguntamos sobre como é que os israelitas estão a reagir ao facto de esta ofensiva ter escapado à Mossad, um dos melhores serviços secretos do mundo, diz-nos que "essa é a pergunta de um milhão de dólares".
"O que ficámos sabendo ontem, através dos meios de telecomunicações, é que o Egito avisou Israel dias dias antes, na quinta-feira, que isto ia acontecer. Isto já estava previsto, o próprio Hamas já tinha feito demonstrações. Porém, infelizmente, tivemos exactamente o mesmo problema do que na guerra do Yom Kippur [em 1973], em que o exército e o governo sabiam que o Egito ia atacar, mas não acreditaram".
À data, Egito e Síria avançaram sobre Israel no dia do feriado judaico que celebra o arrependimento, a expiação e o perdão dos pecados. A guerra durou 20 dias e Israel, recuperada da surpresa inicial, saiu vitoriosa.
Desta vez o "sentimento geral" dos israelitas é de que esta ofensiva do Hamas foi "um massacre. foi realmente um massacre", diz Eli, recordando que no momento do ataque estava a decorrer o Festival Supernova, de celebração da paz e da união, numa localidade perto da Faixa de Gaza, onde foram mortas mais de 260 pessoas.
"Há rapaz que trabalha comigo e que ontem foi informado de que o irmão foi metralhado e morreu naquela festa, é uma situação muito triste, não temos como descrever", conta Eli.
"Da mesma forma que há perda de vidas em Gaza, aqui também há. O valor da vida é igual para todo o mundo, não somos melhores que os outros e nem eles melhores que nós, e quando o tema é vida, ela vale tudo e deve ser respeitada", acrescenta.
Assim, "o que o Hamas fez foi inaceitável", reitera. "Há 30 anos a convivência entre israelitas e a população de Gaza era normal. O pessoal de Gaza trabalhava aqui nesta região agrícola [aponta para o horizonte indicando o local] e os israelitas iam para Gaza no Shabat [dia de descanso no judaísmo] e hospedavam-se nos hotéis, porque aqui, por causa do judaísmo, o comércio é muito limitado nesse dia. O que me é contado é que a convivência era normal até surgir o Hamas, e o Hamas puxou o pessoal para uma visão extremista", vai contando.
Todavia, apressa-se a esclarecer: "não que todo o muçulmano seja extremista, mas o Hamas optou pelo extremismo. Eu tenho amigos muçulmanos, sento-me com eles, como com eles, eles visitam-me, são pessoas dóceis. O que está a acontecer em Gaza é apenas a consequência dos feitos do Hamas e quem sofre é a população", conclui.
Entre amigos, "pessoas simples", como diz, a "mentalidade é a mesma" e o extremismo considerado "inaceitável".
As cores do entardecer levam-nos a atalhar a conversa que já vai com vários minutos com Eli na varanda, exposto. Queremos apenas saber se as sirenes têm soado muitas vezes nos últimos dias e Eli explica: "quando os mísseis saem de gaza contra Israel, o sistema antimíssil sabe para onde ele está indo. Se for cair numa zona agrícola não soa a sirene, se for cair numa zona residencial já soa a sirene". "Onde eu moro, os mísseis passam aqui por cima, e pode ser que agora até esteja passando um, mas não está tocando a sirene. Só se for cair aqui na nossa região é que toca", explica.
Mantém-se informados pela televisão, pela internet e pelo rádio que lhes será particularmente útil caso as telecomunicações sejam afetadas. "Hoje, por exemplo, estamos a cumprir uma determinação [do governo] para manter no quarto de segurança alimentos não perecíveis até 72 horas"
"Até agora, os dias mais difíceis foram sábado, domingo e segunda-feira. Terça, quarta e hoje [quinta-feira] praticamente não tocou a sirene na nossa cidade. Mas quando assistimos televisão aparece, num canto da tela, as cidades que estão sendo atacadas".
O SAPO24 tem vindo a acompanhar este conflito através de um liveblog que pode ler aqui. Notícias, imagens e últimas horas de uma guerra que também apanhou o resto do mundo de surpresa.
Neste artigo de Francisco Sena Santos, o autor compara a ofensiva Hamas ao 11 de setembro de 2001 e dá conta dos bastidores desta guerra.
Já aqui, José Couto Nogueira olha para as origens do conflito, numa análise que permite entender como chegámos até aqui e o que está em causa para lá do último míssil ou do último balanço de mortes.
A última recomendação de leitura é para a reflexão de Patrícia Reis, cuja pergunta ecoa: Como ficam as pessoas inocentes que querem só viver a sua vida?
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