Os principais temas debatidos foram a questão das escutas e os excessos cometidos em algumas detenções, nomeadamente no inquérito da polémica do Governo da Madeira.

Lucília Gago começou por responder à questão de ter pedido ou não o adiamento desta audição, salientando que "em momento algum" pediu o adiamento da mesma, referindo mesmo que não é a primeira vez que é ouvida.

“Esta é a quarta vez que me encontro a ser ouvida. Aconteceu em Tancos, em 2018, em julho do mesmo ano sobre violência doméstica e em 2021 sobre a diretiva sobre os deveres hierárquicos em matéria penal”, disse Lucília Gago que falou ainda sobre o  atraso na entrega do relatório de atividades do MPR,  justificando o mesmo com as greves dos "senhores funcionários judiciais".

Ao nível da prestação de contas, Lucília Gago invocou também o aumento dos inspetores e da atividade inspetiva durante o seu mandato, ao notar que existe atualmente “uma verificação mais apertada”.

Após estes esclarecimentos, Lucília Gago falou então sobre a polémica das escutas, salientando que não são cometidos excessos de forma generalizada e que as mesmas têm vindo a decrescer.

“Tendo em conta o RASI, desde 2011, verificamos que o número de interseções telefónicas conheceu o auge em 2015. Desde então tem vindo a decrescer, de 15441, em 2015, para 10553, em 2023. As escutas carecem de autorização, por isso há e tem de haver por parte do magistrado uma avaliação sobre a estrita necessidade de recorrer a escutas telefónicas. O Ministério Público recorre a escutas quando percebe que elas são essenciais. As situações em que as escutas demoraram longo tempo são absolutamente excecionais e é porque se reconhece a necessidade para tal”, disse, salientando também que "Se se pretende perseguir e punir os responsáveis pela violação do segredo de justiça, então temos de aceitar os meios de obtenção de prova, como as escutas telefónicas”.

A procuradora-geral da República alertou ainda para o risco de uma eventual revisão da lei de recurso a escutas fazer cair algumas investigações judiciais.

"A opção existe e é óbvio que pode ser alterada, ainda que consideremos que a lei, tal como está, está bem. Se for outra a opção do legislador, algumas investigações poderão vir a soçobrar. É bom que não tenhamos qualquer dúvida".

Outro tema que a Procuradora foi alvo de questões foram as detenções feitas no âmbito da polémica do governo da Madeira, em que vários detidos estiveram detidos 21 dias. Lucília Gago diz que foi uma exceção. “Foi apontado como sendo imputável ao MP a permanência excessiva aquando de uma detenção em ato prévio e depois aguardando interrogatório judicial. Os excessos foram situações excecionais”, referiu.

“Os magistrados do MP fazem um enorme esforço, por vezes dantesco, para levar por diante a sua missão, não obstante a falta de meios”, assegurou.

Outro tema debatido foi ainda a demora nos trabalhos do MP. Lucília Gago respondeu com a diminuição de recursos humanos e ainda as greves dos funcionários públicos. “Há uma diminuição de 12 magistrados, isto leva à insuficiência de magistrados e a greve de funcionários judiciais tem malefícios que só daqui a alguma tempo é que serão medidos. Há uma falta de 400 funcionários judiciais. Se as condições dos funcionários judiciais continuarem, é certo que podemos abrir concursos, que eles acabarão por não permanecer nesse desempenho”, apontou.

A audição da PGR

Ao longo dos últimos meses, em sucessivas intervenções públicas, perante o avolumar de casos na justiça, José Pedro Aguiar-Branco afirmou que a procuradora Geral da República deveria apresentar explicações na Assembleia da República, o que só aconteceu hoje.

Lucília Gago foi solicitada para ser ouvida na Comissão de Assuntos Constitucionais na sequência da aprovação de requerimentos do Bloco de Esquerda e do PAN, que foram aprovados sem qualquer voto contra.

A audição de Lucília Gago ocorreu também depois da sua primeira entrevista a um meio de comunicação social em seis anos de mandato, ao quebrar o silêncio em julho na RTP. Entre outras coisas, denunciou a existência de uma “campanha orquestrada” contra o MP e referiu que o ex-primeiro António Costa continuava sob investigação no caso Influencer, o que suscitou ainda mais críticas e pedidos de esclarecimento de diversos partidos.

Lucília Gago, que já manifestou a sua indisponibilidade para continuar no cargo, ainda deixou críticas à ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, após a governante ter declarado que o futuro procurador-geral teria de “arrumar a casa”.

O relatório de atividade, que só foi divulgado publicamente em 5 de agosto e já depois de ser confirmada a presença de Lucília Gago perante os deputados no dia 11 de setembro, indica que o MP terminou 2023 com mais de 300 mil processos pendentes, devido ao aumento do número de inquéritos abertos no ano passado.

O MP registou ainda um aumento nos inquéritos instaurados nas áreas do cibercrime, da violência conjugal e do tráfico de droga, assumindo também que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), a unidade que investiga a criminalidade mais complexa, apenas fez acusações em 2% dos inquéritos concluídos em 2023.