O inquérito está a ser realizado pelo “Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida”, que quis saber a opinião dos encarregados de educação com filhos a frequentar escolas que aderiram ao projeto-piloto Manuais Digitais.

“Temos mais de 200 inquéritos respondidos, envolvendo mais de nove agrupamentos de escolas em Coimbra, Lisboa, Ponte de Lima, Almada, Paço de Arcos, Ponta Delgada e até na Madeira. Apesar de os dados ainda serem preliminares, temos mais de 80% de pais descontentes, que querem que o projeto acabe”, disse à Lusa a mentora do projeto, Catarina Prado e Castro.

O inquérito é composto por oito perguntas relacionadas com o estudo e a aprendizagem no digital, questionando os pais sobre a potencial distração dos alunos devido ao uso constante da internet, mas também abordando questões de segurança na navegação na Internet, gastos suportados pelos encarregados de educação e grau de satisfação geral com o projeto.

Catarina Prado e Castro tem dois filhos a estudar em Coimbra: O mais velho no 5.º ano e o outro no 3.º ano, na Escola Martim de Freitas. No início deste ano letivo, a mochila do mais novo passou a carregar um computador em vez de livros em papel. A posição dos pais de não dar um telemóvel aos filhos e de controlar o acesso a ecrãs acabou por ser atropelada pela escola.

“As famílias não podem optar por ter ou não acesso à Internet, sendo que muitos destes computadores não têm sequer restrição a conteúdos de adultos”, alertou.

O filho de Catarina Prado e Castro é um dos 23.159 alunos do 3.º ao 12.º anos que este ano estão a experimentar o projeto-piloto lançado pelo Ministério da Educação, que começou de forma gradual em 2020/2021 e hoje está a funcionar em cerca de 160 escolas.

No entanto, nem todos parecem entusiasmados com a novidade. ”O descontentamento que sinto em relação ao projeto é partilhado pela maioria dos pais e professores com quem falo”, relatou à Lusa Catarina Prado e Castro, explicando que foi deste sentimento que surgiu a ideia de lançar um abaixo-assinado pelo regresso dos manuais em papel, que conta já com mais de duas mil assinaturas.

O tempo excessivo passado em frente ao computador, a sensação de não poder impedir o uso de ecrãs e o acesso a conteúdos impróprios foram algumas das razões que a levaram a lançar a petição.

“Não consigo dizer nada que corra bem neste projeto”, lamentou, apontando a dificuldade de concentração dos alunos no momento de estudar, referindo que o filho mais velho pode estar a trabalhar e ter ao mesmo tempo um jogo a correr.

Através do movimento “Menos ecrãs, mais vida”, do abaixo-assinado e agora do inquérito, Catarina percebeu que não estava sozinha nesta luta: “A grande maioria dos pais quer que o projeto acabe”, garantiu à Lusa.

Os resultados finais do inquérito serão conhecidos em breve, até porque a organização mantém o inquérito a correr numa página online e espera ter mais respostas e assim aumentar a amostra para divulgar acrescentou a mentora da iniciativa.

Pais temem que manuais digitais atrasem aprendizagem e coloquem alunos em risco

Pais alertam para falhas na aprendizagem de alunos que estudam através de manuais digitais, em escolas onde não há tomadas suficientes nas salas para carregar os computadores ou informáticos para ajudar quando algo falha.

No centro de Lisboa, na Escola Básica Almirante Gago Coutinho (EBAGC), os alunos já não usam manuais em papel. A direção escolar decidiu aderir ao programa-piloto de manuais digitais, juntando-se assim a outros 160 estabelecimentos de ensino espalhados do país.

Marta Castro, da associação de pais da EBAGC, recorda que o projeto lhe pareceu demasiado arrojado tendo em conta o degradado estado de conservação da escola, frequentada por alunos dos 5.º ao 9º anos.

Construída na década de 50 do século passado, a escola foi-se degradando. “Mas havia várias promessas, como a instalação uma boa rede de Internet ou de quadros interativos”, disse à Lusa a mãe do aluno do 5.º ano, que desde setembro do ano passado está impedido de levar manuais em papel.

“Nas salas não existem tomadas suficientes para ligar as baterias, fazendo com que alguns alunos não tenham acesso aos materiais, assim como não há os tais retroprojetores prometidos. A internet é lentíssima e a grande maioria não consegue aceder à internet nem descarregar os manuais”, alerta Marta Castro.

Quando são ultrapassados os problemas de rede, surgem outros, como encontrar a “página” pedida pelos professores. Resultado: “Chegam a perder a primeira meia hora de aula até estarem todos prontos para começar”, desabafa a mãe.

A presidente da Associação Nacional de Professores de Informática (Anpri), Fernanda Ledesma, confirma que “os problemas de rede de internet e a falta de apoio técnico não são novidade”, havendo “muitas outras escolas na mesma situação”.

No entanto, Fernanda Ledesma sublinha que este projeto é voluntário e que as escolas devem verificar se estão reunidas as condições para avançar.

Mas há problemas um pouco por todo o país, segundo uma petição assinada por mais de duas mil pessoas que denuncia que “frequentemente não se consegue aceder à Internet, a velocidade de ligação é lenta”e os recursos não funcionam”.

A autora da petição, Catarina Prado e Castro, lançou também um inquérito, ao qual já responderam mais de 200 encarregados de educação de escolas de todo o país, dos quais mais de 80% se manifestaram descontentes e querem que o projeto acabe.

O ministério da Educação garantiu em informação enviada à Lusa que a integração dos alunos do 1.º ciclo “tem vindo a ser feita de forma muito cautelosa e garantido todo o apoio necessário”.

Este ano há 1.978 alunos dos 3.º e 4.º anos que deixaram de ter manuais em papel.

Catarina Prado e Castro e Marta Castro adiantam que também há professores descontentes, referindo que em Lisboa há docentes que já desistiram de usar os computadores nas aulas.

Petição com mais de duas mil assinaturas pede regresso dos manuais em papel

Mais de duas mil pessoas assinaram uma petição a pedir o fim do projeto-piloto de manuais digitais nas escolas, apontando atrasos na aprendizagem e riscos de acesso a conteúdos indevidos, como pornografia ou violência.

O Ministério da Educação decidiu levar a cabo um projeto de substituição de manuais em papel por livros digitais, que começou de forma gradual em 2020/2021. O programa é voluntário e conta com cada vez mais estabelecimentos de ensino: Este ano são 23.159 alunos do 3.º ao 12.º anos em cerca de 160 escolas de todo o país, segundo dados avançados à Lusa pela tutela.

No entanto, há pais e professores que estão contra o projeto e pedem a sua suspensão. Há três meses, Catarina Prado e Castro lançou uma petição “Contra a excessiva digitalização no ensino e a massificação dos manuais escolares digitais: Petição Pública (peticaopublica.com)”, que conta agora com 2.219 assinaturas.

O abaixo-assinado defende que os livros em papel são “recursos mais saudáveis e eficazes para todas as crianças” e por isso pede o “fim imediato do projeto-piloto” dos manuais digitais, lembrando que as crianças e adolescentes já passam tempo excessivo em frente a ecrãs, com consequências negativas para a sua saúde.

“Especialistas das mais variadas áreas, desde a neurociência, à oftalmologia, psicólogos ou professores, têm alertado para a exposição e o uso excessivo de ecrãs, mas a escola decidiu aumentá-lo, sem perguntar aos pais nem aos professores”, criticou Catarina Prado e Castro, em declarações à Lusa.

"Aprender através de um ecrã prejudica as aprendizagens, porque diminui a capacidade de leitura, de atenção e de memorização". Alem disso, acrescentou, os computadores onde as crianças têm os livros para estudar são os mesmos “onde estão os jogos e as redes sociais”.

A mãe de dois rapazes conta que já percebeu que por vezes os filhos estão a estudar no computador, mas têm também os jogos abertos ou estão a ver vídeos.

Catarina Prado e Castro disse ainda estar preocupada com a navegação online sem supervisão, contando que na escola dos filhos já houve alunos apanhados a ver pornografia ou outros sites inapropriados nos telemóveis.

A mãe alerta que “os riscos nos computadores são precisamente os mesmos, caso os mesmos não tenham filtros, o que nem sempre é garantido na entrega dos computadores e nem sequer é ensinado aos pais”.

Além disso, com este projeto-piloto, o acesso à Internet “deixa de ser uma opção dos pais e passa a ser obrigatório em crianças logo a partir dos 7 ou 8 anos”, salientou a mãe que defende um acesso controlado à Internet.

“Não quero que os meus filhos passem demasiado tempo a olhar para ecrãs e que em vez de estudarem estejam num registo multitasking a envolver tarefas escolares e recreativas simultaneamente. As crianças usam ecrãs para fins meramente recreativos e não têm capacidade de se auto-regularem no momento em que devem estudar por um dispositivo que oferece inúmeras possibilidades de distração”, disse à Lusa.

A autora do abaixo-assinado revelou que a petição será entregue no início do próximo mês na Assembleia da República.