Num discurso de meia hora perante presidentes de câmaras municipais de todo o país, que convidou para um encontro no antigo picadeiro real, junto ao Palácio de Belém, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa pediu que se evite "uma crise sobre a descentralização muito prolongada" com a qual defendeu que "perdem todos".
Este encontro realizou-se um dia depois de a Assembleia Municipal do Porto ter aprovado a saída desta autarquia da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANPM), processo iniciado pelo presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, por divergências quanto à negociação sobre a descentralização de competências.
O chefe de Estado abordou diretamente este tema, considerando que "era um pouco estranho" se não o fizesse hoje, "era fazer de conta de que o Presidente da República não sabia o que se passava em Portugal".
"O que me parece que é razoável é, naturalmente, esperar da parte do Governo abertura a tomar em linha de conta que a transferência de atribuições e de competências tem de ser acompanhada dos recursos para essa transferência", afirmou.
Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou que "é do interesse do Governo na elaboração do Orçamento para o ano que vem fazer o que está ao seu alcance", observando: "Não se pede milagres, mas pede-se que faça o que está ao seu alcance para que o diálogo com autarcas, nomeadamente com a associação representativa dos municípios portugueses e a associação representativa das freguesias portuguesas".
Depois, referindo-se à ANMP, o chefe de Estado pediu aos autarcas que "ponderem bem, respeitando as posições legítimas de cada qual", e procurem "encontrar as pontes institucionais para não deitar fora o peso de uma instituição que demorou muito tempo a construir nem os esforços de unidade dentro dela e permitir-se ser um interlocutor que possa apresentar resultados aos seus associados".
Segundo o Presidente da República, há que "fazer isto o mais rápido possível", tendo em conta que "o processo orçamental tem prazos", e porque "há tempos em política que não se deve ultrapassar, porque uma vez ultrapassados há uma tentação enorme de cada qual por si e Deus por todos, nos crentes, ou cada qual por si e o acaso, a fortuna, o destino por todos".
"E este é o momento em que isso não faz sentido nenhum, francamente. E temos, portanto, umas semanas, uns escassos meses para descomprimir aquilo que se pode transformar numa realidade mais complicada, em que cada qual fica na sua posição, vai acirrando a sua posição e tornando difícil o diálogo", prosseguiu.
Por outro lado, argumentou que "avançar para a regionalização com uma descentralização manca é correr um risco enorme de os portugueses não entenderem o passo que se pretende dar".
Marcelo Rebelo de Sousa declarou que "os portugueses esperam que, dentro do bom senso e do contexto existente, todos contribuam para uma boa solução – não é a ideal, é a possível".
Neste encontro estiveram cerca de 200 presidentes de câmaras municipais, mas Rui Moreira não foi um deles. O Governo esteve representado pela ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa.
No fim, questionado pelos jornalistas se falou com Rui Moreira desde segunda-feira, o Presidente da República respondeu que "já tinha falado com o presidente da Câmara do Porto quando ele tomou a decisão de discordar da ANMP e ponderar a saída" desta instituição e reiterou que "cada presidente tem uma legitimidade própria".
No seu discurso, fez até uma comparação entre o poder local e a Igreja Católica, em que "a legitimidade de cada bispo na sua diocese é absoluta".
O Presidente da República ressalvou, portanto, que "é respeitável haver discordâncias e posições próprias de cada município", mas explicou que quis fazer um apelo a que "todos façam um esforço para rever as suas posições, o Governo e os municípios, e que os municípios repensem a sua posição o mais solidários possível".
"Que o Governo pondere ir mais longe do que tem ido no diálogo com os municípios, e os municípios tentem não se dividir indo em conjunto na negociação com o Governo nas suas exigentes, e isso acabar por um acordo que se reflita no Orçamento do ano que vem", insistiu.
Marcelo Rebelo de Sousa advertiu que este é um momento particularmente difícil, em que ainda há consequências económicas e financeiras da pandemia de covid-19 e agora também guerra na Ucrânia e "em que há um Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para começar a executar em tempo de corrida".
Sobre o PRR, mencionou que houve "um deslizar" da sua aplicação e sustentou que o seu sucesso da execução destes fundos também depende dos autarcas, realçando que "não há prorrogações, prolongamentos, ao contrário de outras aplicações de fundos europeus".
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