Na primeira vez que abordou publicamente o tema desde que no passado mês de abril os juízes do Palácio Ratton declararam inconstitucionais algumas normas da chamada “lei dos metadados”, após uma queixa que apresentou em 2019, a Provedora de Justiça evitou comentar diretamente a proposta de lei apresentada na semana passada pelo Governo para contornar o chumbo do TC, justificando com a falta de tempo para analisar o diploma.
“Ainda não tive tempo de olhar para a proposta, portanto, não sei e não me vou pronunciar sobre algo que, de todo, ainda não tive tempo para estudar”, afirmou Maria Lúcia Amaral aos jornalistas, depois de ser questionada à margem do encontro “Nem Mais Uma Palmada – Pela eliminação dos castigos corporais”, promovido pelo Instituto de Apoio à Criança, na Fundação Champalimaud, em Lisboa.
A Provedora de Justiça, que já foi também juíza do TC, explicou ainda que a utilização de metadados para fins da investigação criminal sem comprometer a autodeterminação informativa dos cidadãos e a reserva da vida privada é um assunto complexo.
“Esta é uma questão tão complexa, técnica e juridicamente, com tantas consequências e tão grave que eu não me pronuncio assim sem ter estudado devidamente o tema”, reiterou.
No entanto, confrontada se vai seguir com atenção o pedido de fiscalização preventiva pelos juízes do TC já anunciado por Marcelo Rebelo de Sousa em maio, Maria Lúcia Amaral foi taxativa: “Claro que sim, é o meu dever”.
A proposta de lei do governo para regular o acesso a metadados das comunicações eletrónicas abdica da criação de uma base de dados específica para a investigação criminal, na qual as informações de todos os utilizadores eram guardadas por um ano, para passar a recorrer às bases de dados que já são mantidas pelas operadoras de telecomunicações para o exercício da sua atividade comercial.
De acordo com a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, o recurso a estas bases de dados para a investigação criminal será feito para que se possa combater crimes graves, como terrorismo, tráfico de pessoas ou tráfico de droga.
O Tribunal Constitucional (TC), em acórdão de 19 de abril, declarou inconstitucionais normas da chamada lei dos metadados que determinam que os fornecedores de serviços telefónicos e de internet devem conservar os dados relativos às comunicações dos clientes – entre os quais origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização – pelo período de um ano, para eventual utilização em investigação criminal.
A proposta de lei do Governo entregue na passada semana na Assembleia da República estabelece para fins de investigação criminal o acesso à “data da chamada, grupo data/hora associado, serviço e número chamado”, entre outros elementos.
Está previsto que as operadoras de telecomunicações forneçam ainda os seguintes metadados: “Número ou identificação, endereço e tipo de posto do assinante, códigos de utilizador, identidade internacional de assinante móvel (IMSI) e a identidade internacional do equipamento móvel (IMEI); número de telefone, endereço de protocolo IP utilizado para estabelecimento da comunicação, porto de origem de comunicação, bem como os dados associados ao início e fim do acesso à Internet”.
A nova lei irá atribuir “às autoridades judiciárias a competência para solicitar à empresa que oferece redes e ou serviços de comunicações eletrónicas” os metadados, “quando haja razões que sustentem a indispensabilidade da informação para a descoberta da verdade ou a impossibilidade ou dificuldade de obter prova de outra forma”.
A proposta do Governo levantou preocupações à Polícia Judiciária e ao Ministério Público, que questionam os efeitos do acórdão do TC nas investigações criminais.
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