Um muito importante passo em frente para a participação das mulheres na Igreja Católica, para “ousar questionar e mudar a forma como a Igreja é muitas vezes vista e pensada exclusivamente por homens”. É também uma experiência feliz, uma ousadia do Papa, um facto histórico. Com estas e outras expressões semelhantes, 25 mulheres – entre as oito dezenas que estão no Sínodo – caracterizam, em resposta a um inquérito do 7MARGENS, a participação feminina no Sínodo sobre a Sinodalidade, cuja segunda assembleia está a decorrer em Roma até ao próximo domingo, 27 de outubro.
“É uma experiência feliz, a de participar plenamente num momento crucial para o futuro da Igreja”, uma “experiência que exige coragem, ousadia e liberdade interior”, diz a professora francesa Anne Ferrand, que está a terminar a licenciatura em teologia na Faculdade Loyola, em Paris, e trabalha na formação permanente na diocese de Rodez (sudeste). Trata-se de “ousar questionar e mudar a forma como a Igreja é muitas vezes vista e pensada exclusivamente por homens”.
O 7MARGENS enviou cinco perguntas a todas as participantes do Sínodo, no final de setembro e início de outubro, coincidindo com o início da assembleia que pretende debater como alargar a participação de todos os crentes na vida e na missão da Igreja Católica. A primeira sessão decorreu em outubro do ano passado e oito dezenas de mulheres participam com os estatutos de membros, peritas, facilitadoras, convidadas especiais, assistentes ou delegadas fraternas (representantes de outras igrejas cristãs).
Na primeira das perguntas, quisemos saber como cada uma encara a sua experiência no Sínodo, enquanto mulher. Nas restantes pretendemos auscultar a opinião das participantes sobre a estratégia do Papa de nomear pessoas do sexo feminino para lugares de destaque dentro da Igreja e da Cúria Romana; sobre o lugar das mulheres nas estruturas de decisão da Igreja e a percepção da sua participação na vida eclesial nos últimos anos; e sobre a possibilidade de ordenação de mulheres diáconos. Durante os próximos dias, publicaremos os trabalhos com as respostas sobre os restantes temas.
“É um passo em frente muito importante para a Igreja, porque é uma realização da sinodalidade, de dar participação a todos”, diz a irmã Xiskya Lucia, da Nicarágua, sobre a experiência de, neste Sínodo, as mulheres terem direito a voto, na resposta à pergunta inicial. Lucia é uma das nomeadas pelo Papa Francisco como membro da assembleia.
“Cada vez mais mulheres estão conscientes da sua dignidade e do seu papel específico de liderança”, afirma a senegalesa Anne Béatrice Faye, perita no Sínodo. “Estão cada vez menos dispostas a serem consideradas como um instrumento. Exigem ser tratadas como indivíduos, tanto na sociedade como na Igreja.”
Religiosa da Congregação da Imaculada Conceição de Castres, doutorada em Filosofia e membro da Associação de Teólogos Africanos, Béatrice Faye sublinha a “posição clara a favor de uma maior justiça de género na Igreja”, tomada por várias das participantes. O que “representa uma etapa de amadurecimento no processo da Igreja sinodal em missão”. Houve “uma verdadeira mudança do lugar onde as decisões são tomadas dentro da Igreja”, as atitudes estão a mudar e a questão do lugar das mulheres na Igreja “não está a ser levantada apenas pelas mulheres, mas está agora a ser assumida por toda a Igreja”.
“Deve haver um Sínodo do povo de Deus”
O facto de, pela primeira vez, haver um Sínodo – normalmente reservado a bispos – com mulheres com direito de voto, é sublinhado por várias participantes. A libanesa Claire el Said, elogia o “apelo profético” que é parte de um “caminho de discernimento: o Papa ousou e não haverá retorno” neste “passo para fazer avançar a participação das mulheres nos processos de discernimento e de decisão na vida” católica.
A espanhola Cristina Inogés, convidada pessoalmente por Francisco como membro do Sínodo, depois de já ter feito a meditação de abertura, em 2021, refere a experiência “positiva”, pela “oportunidade de ver todo o povo de Deus a participar, pela primeira vez, num Sínodo”. Isso mostra, diz a também colaborada regular do 7MARGENS, “para onde” se deve ir: “Pode continuar a haver um Sínodo dos bispos, mas é inquestionável que deve haver um Sínodo do povo de Deus.”
Da Índia, a religiosa Lalitha Thomas conta que o facto de estar a participar no Sínodo lhe trouxe reconhecimento dentro da Igreja: na paróquia e em comunidades religiosas, a irmã Thomas, que é doutorada em sociologia e animadora de pequenas comunidades cristãs, sente-se “escutada, convidada a partilhar sobre a sinodalidade, a dar retiros sobre a sinodalidade, a ser um profeta da sinodalidade no meu sítio”.
Béatrice Faye, também coordenadora do Grupo Africano de Pesquisa em Filosofia Intercultural e professora no Instituto Ecuménico Al Mowafaqa em Rabat (Marrocos), acrescenta que as mulheres são “portadoras de paz e de renovação, são capazes de compreender e acolher o novo, têm o dom de trazer uma sabedoria que sabe curar as feridas, perdoar, reinventar e renovar”. “São uma presença que sabe, com humildade e coragem, compreender e acolher o novo e gerar esperança para um mundo fundado na fraternidade.”
Várias das inquiridas que responderam destacam, aliás, os valores e contributos que as mulheres têm dado ao Sínodo. Claire Jonard, da Suíça, com o estatuto de facilitadora (ou seja, que anima os processos de participação nos grupos) refere que “o dinamismo de todas as mulheres presentes deu um grande impulso à vida e à alegria”.
A francesa Anne Ferrand acrescenta que, estando em minoria, o facto de as mulheres participarem no Sínodo “também facilita a consideração e o acolhimento de toda a humanidade”. Ainda da Índia, Nirmala Nazareth, ex-presidente da Conferência Nacional dos Religiosos e atual líder da Conferência das Religiosas, com mestrados em contabilidade e educação, diz: “É uma experiência maravilhosa” o facto de, sendo mulher, “ser convidada a participar e contribuir para o Sínodo, que era exclusivo para bispos”.
Rosmery Castañeda é colombiana, trabalha há dez anos no Panamá como diretora de um instituto de teologia e uma escola pública e não tem dúvidas em ver a assembleia sinodal como “o caminho de Deus no hoje da Igreja”. Por isso, acrescenta, “era necessário que nós, mulheres, estivéssemos presentes no Sínodo”.
“Protagonistas nesta história”
Do Brasil, Sônia Gomes de Oliveira, assistente social a trabalhar em projetos de apoio a populações desfavorecidas, e presidente do Conselho Nacional do Laicato, também considera a presença feminina com direito a voz e voto na assembleia “um avanço grande: somos protagonistas nesta história”, diz.
Valérie Duval-Pujol (França) é teóloga batista, especialista em história das religiões, vice-presidente da comissão para a doutrina da Aliança Batista Mundial. Como olha uma delegada fraterna para esta assembleia católica? “Foi um sínodo histórico, em que vi mulheres católicas votarem pela primeira vez na história, entrarem em São Pedro com o cortejo episcopal do sínodo na missa inaugural e na missa de encerramento, e não serem apenas objeto de debate, mas participarem e liderarem esses debates.” Mas, acrescenta a autora de "A Bíblia é sexista?", um dos livros que publicou, os pormenores “ainda têm de ser trabalhados”.
Claudia Patricia Molina, assistente, missionária claretiana na Argentina, refere a “experiência muito enriquecedora”, onde o que mais gostou foi “ver rostos de mulheres em diferentes espaços da sala sinodal”, desde as mesas da presidência e de reflexão, até aos setores técnicos, cabinas de tradução, jornalistas ou teólogos. “Em todos os espaços, a presença feminina deu o seu toque.”
Eugenia Alvarez, nascida na Venezuela e naturalizada francesa, com a missão de facilitadora, considera que a “perspetiva feminina é essencial na vida eclesial, não só porque reflete a diversidade do Povo de Deus, mas também porque enriquece os processos de discernimento e de tomada de decisões”. Com doutoramento em teologia e licenciatura em educação e desenvolvimento, Alvarez manifesta o desejo de que “as vozes das mulheres e outras que muitas vezes não são ouvidas tenham um espaço valioso e valorizado na conversa”.
Josée Ngalula, congolesa, da congregação das Religiosas de Santo André, professora de teologia em várias instituições africanas, entende a sua participação e a das outras mulheres “como uma grande graça” para a Igreja Católica. Elas são ouvidas e isso “é muito importante”, diz a diretora do Observatório das Violências e Integrismos Religiosos na República Democrática do Congo. A mesma ideia é sublinhada por Margret Fekry, do Egito, que sentiu “a importância” da sua voz e da sua “opinião como mulher” e como freira da congregação das Irmãs Egípcias do Sagrado Coração, fundada no Cairo em 1913.
“Experiência única da universalidade da Igreja”
Inicialmente, a italiana Samuela Rigon, atual superiora geral das Franciscanas da Mãe Dolorosa, hesitou em aceitar o convite do Papa para participar no Sínodo também com direito a voto, confessa. “A minha primeira dúvida não se deveu ao facto de ser mulher, mas ao facto de não ser uma ministra ordenada”, diz esta psicóloga clínica e membro da presidência da União Italiana de Superiores Maiores. “Depois mudei a minha abordagem interior, dizendo a mim própria: participar é um dom, uma oportunidade, participo como mulher, cristã, consagrada, trazendo a minha experiência e o contributo que posso dar”, diz a professora do Instituto de Psicologia da Universidade Gregoriana. “Pensei que está no espírito deste Sínodo (ou seja, um Sínodo sobre a sinodalidade) encorajar a participação de todo o povo de Deus.”
Do Japão, a também freira Shizue Hirota, convidada especial no Sínodo, com estudos em literatura anglo-americana e em teologia, destaca que o direito de voto “é uma das realizações significativas deste Sínodo” e que “a participação ativa das mulheres no Sínodo fez de facto a diferença”.
“Experiência única da universalidade da Igreja” é como Solange Nirina, de Madagáscar, define o que está a viver. Religiosa das Irmãs Paulinas, ou Filhas de São Paulo, com formação em filosofia e teologia, a irmã Nirina acrescenta: “Apelar às mulheres para que participem no Sínodo é muito importante para a Igreja, porque nós, mulheres, também somos membros da Igreja e temos a nossa própria maneira de a ver.”
Por outras palavras, a irmã Houda Fadoul, da Síria, diz o mesmo: “Aprecio esta ocasião de estarmos juntos de todas as partes do mundo e de todas as igrejas, homens e mulheres consagrados e leigos. Sinto profundamente a nossa Igreja Católica quando abre o seu coração a todos.” Lamentando escrever pouco, justifica que o que vive “neste momento” na Síria “não é fácil”, exigindo solidariedade “com os [seus] amigos que rodeiam” as irmãs. “Por isso, gosto e aprecio muito o que o nosso Papa fez por nós, mulheres, porque ele fez o seu melhor para levar os outros a fazerem o mesmo.”
A possibilidade de levar outras realidades para dentro da aula sinodal também é referida por Sônia Gomes de Oliveira, do Brasil: “Vivenciar cada momento e trazer presente as diversas realidades das mulheres na Igreja do mundo todo e ir sensibilizando para entender o ser feminino da e na Igreja.” E cita uma canção de Milton Nascimento (Maria Solidária ou Maria, Maria), que diz: “Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça/ É preciso ter sonho sempre/ Quem traz na pele essa marca possui/ A estranha mania de ter fé na vida.”
“A responsabilidade de trazer muitas outras vozes”
De Myanmar, Rosalia Minus Cho Cho Tin considera ser “muito significativa” a sua “participação no Sínodo como mulher”. É “um testemunho poderoso da natureza evolutiva da Igreja e dos seus esforços para incluir vozes mais diversas em debates importantes”, acrescenta esta diplomada em gestão e contabilidade.
Uma outra voz do Brasil é a de Maria Cristina dos Anjos, leiga e socióloga, especialista em projetos sociais e assessora da Cáritas Brasileira: a participação no Sínodo é “uma experiência que marca a caminhada de qualquer mulher católica”, considerando que é a primeira vez que na Igreja Católica há uma “participação integral de mulheres, com direito a voz e voto”. Integrando a Comissão Mulheres na Igreja e Sociedade do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho), Cristina dos Anjos entende também que tem a “responsabilidade de expressar não somente” os seus “anseios, expetativas, dores”, mas também os de “muitas outras mulheres, leigos e leigas”.
A irmã italiana Maria Grazia Angelini (ou Maria Ignazia, do seu nome de religiosa beneditina), Itália, foi uma das autoras de meditações introdutórias, a par do dominicano Timothy Radcliffe. Viu a sua escolha “com surpresa” e “completamente inesperada”. Sentiu “disponibilidade e respeito” pelo espaço dado “a uma voz que talvez não correspondesse exatamente às expetativas”.
María Luisa Berzosa, outra das facilitadoras, argentina, religiosa das Filhas de Maria, participou na comissão de peritos do Sínodo sobre os jovens (2018), bem como no Sínodo da Amazónia (2019), além de ter sido cinco anos consultora do secretariado geral do Sínodo. Acompanha normalmente pessoas e grupos de diversidade sexual em vários países e vítimas de abusos de vários âmbitos. E resume o sentir destas mulheres que estão a fazer história: “Senti-me muito bem, podendo ser eu mesma, dialogando num ambiente cordial, com muito respeito e grande liberdade.”
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