A Revolução foi há cem anos. As marcas, porém, persistem. Prova disso é o próprio Partido Comunista Português (PCP), nascido em 1921, na peugada da revolta Bolchevique ocorrida quatro anos antes. Manuel Rodrigues, membro do Comité Central do PCP e diretor do ‘Avante!’, o jornal do Partido, responde a seis questões colocadas pelo SAPO24 .
Como é que a Revolução de Outubro mudou a história?
A revolução de Outubro e a sociedade que construiu respondeu a uma secular aspiração do homem à liberdade e à igualdade social e insere-se neste longo processo de libertação social e humana da exploração e da opressão.
Insere-se no processo de emancipação da humanidade que teve, entre muitos outros, nas revoltas dos escravos na Antiguidade, nas revoltas dos camponeses na Idade Média, na Revolução Francesa de 1789 – que se inseriu na derrota do feudalismo e no advento do capitalismo – na Comuna de Paris, nas insurreições operárias do século XIX, importantes momentos históricos.
Os grandes progressos verificados nas sociedades ao longo do século XX são inseparáveis da Revolução de Outubro
Foi na Rússia semi-feudal, dominada pelo poder autocrático e repressivo dos czares e da mais alta nobreza, com mais de 100 nacionalidades oprimidas, conhecida como «prisão dos povos», destruída pela I Guerra Mundial, com um povo fustigado pela exploração, a repressão, a pobreza, a fome e o analfabetismo, que, no dia 7 de novembro de 1917 (25 de Outubro no antigo calendário russo), o proletariado russo, com o papel de vanguarda do Partido Bolchevique, tomou nas mãos o seu destino, conquistou o poder e lançou as bases de uma nova sociedade, inaugurando um novo período na história da humanidade, a época da passagem do capitalismo ao socialismo.
Os grandes progressos verificados nas sociedades ao longo do século XX (direitos dos trabalhadores e dos povos em geral, políticas sociais, derrota do nazi-fascismo na guerra e libertação de países do jugo colonial) são inseparáveis da Revolução de Outubro, dos seus ideais e valores, da construção da nova sociedade e da solidariedade política, diplomática, económica e militar da União Soviética à luta dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo.
O século XX fica assinalado para sempre pela Revolução de Outubro, pelo poder político dos trabalhadores e pela construção duradoura, pela primeira vez na história, de uma sociedade sem exploradores nem explorados.
Qual foi a principal conquista? E o que se perdeu?
A Revolução de Outubro produziu profundas transformações em todos os domínios da vida da antiga Rússia, com impacto mundial. Mas o seu feito de alcance mais significativo e universal foi ter dado início a um novo período histórico na vida do povo russo e na história da humanidade inaugurando a época da passagem do capitalismo ao socialismo. Foi o facto de, pela primeira vez na história, um Estado passar a ser dirigido por operários e camponeses abrindo o caminho à construção de uma sociedade nova sem exploração do homem pelo homem.
Foi o facto de se ter concretizado uma nova forma de democracia caracterizada pela participação massiva dos trabalhadores em todas as estruturas governativas e em todos os domínios da vida coletiva desde a definição das políticas em prol dos trabalhadores conjugadamente com direitos sociais que nunca antes tinham existido e a que ainda hoje nenhuma democracia burguesa se pode assemelhar.
Todo o povo foi chamado a participar na organização, gestão e controlo da produção à escala de toda a economia nacional; a organizar a nova sociedade nos planos político, económico, social e cultural; a escolher os seus representantes nos órgãos do novo Estado soviético; a responder coletivamente às exigências de, pela primeira vez na História, edificar as bases duma sociedade nunca antes conhecida.
Neste sentido, para os trabalhadores e para o povo, nada se perdeu. Para estes, foi um processo que se traduziu em extraordinários ganhos, conquistas e avanços.
Perderam, isso sim, as velhas classes dominantes, perdeu o capitalismo e o imperialismo. Perderam as forças da antiga oligarquia russa que exploravam e oprimiam os trabalhadores e o povo russo, perderam as forças belicistas e reacionárias.
O que ficou por cumprir?
A Revolução de Outubro como todas as revoluções foi um processo com avanços, recuos e novos avanços e verdadeiramente pode afirmar-se que, como processo, ao alterar a natureza do poder mexeu em todos os domínios da vida dando concretização ao ideal e ao projeto comunista lançando-se na exaltante tarefa de edificação de uma sociedade nova, sem exploração do homem pelo homem. Assim, pode afirmar-se que, no seu desenvolvimento dialético, a Revolução de Outubro atingiu todos os seus objetivos. Apesar das enormes dificuldades, obstáculos, boicotes, sabotagens, guerra imperialista, nazi-fascismo que teve que enfrentar, superar e vencer, a Revolução de Outubro respondeu aos interesses e aspirações do povo soviético (com repercussão nas lutas dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo) à sua libertação, emancipação social e realização na sociedade nova – a sociedade socialista – que passou a construir. Neste sentido, justamente se pode afirmar que nada ficou por cumprir.
Que impacto teve em Portugal?
Força e esperança para milhões de trabalhadores, a Revolução de Outubro projetou-se em todo o mundo.
O eco da Revolução de Outubro cedo chegou a Portugal. Foi grande o impacto da Revolução de Outubro no movimento operário português, tendo contribuído para a consciencialização da classe operária sobre a necessidade e a importância de uma força política que defendesse os seus interesses e aspirações.
A União Soviética apoiou sempre o povo português na sua luta contra o fascismo
A 6 de Março de 1921, fruto do amadurecimento da consciência política e experiência da classe operária portuguesa e sob o impacto da Revolução de Outubro e das suas realizações é fundado o Partido Comunista Português – PCP.
O movimento comunista internacional tornou-se numa força poderosa. Desenvolveu-se, por todo o mundo, um forte movimento sindical de classe e revolucionário.
A luta dos povos de África e Ásia contra o colonialismo e o imperialismo – como foi o caso da luta dos povos das ex-colónias portuguesas - e pela autodeterminação conheceu um vigoroso desenvolvimento. Com o apoio e solidariedade ativa da URSS, sobretudo após a 2ª Guerra Mundial, praticamente todos os países dominados conquistam a sua independência com a derrocada dos impérios coloniais, o último dos quais foi o português.
A União Soviética apoiou sempre o povo português na sua luta contra o fascismo e, com a Revolução de Abril de 1974, Portugal estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética dando início a um novo período de cooperação no apoio ao processo revolucionário em Portugal.
O que sobra da Revolução?
Sobra muito.
Sobram direitos fundamentais dos trabalhadores e dos povos que, sem a Revolução de Outubro, ainda hoje seriam impensáveis.
Sobram países que mantêm a perspetiva de construção do socialismo e cujas revoluções tiveram o apoio direto da União Soviética, como é o caso, entre outros, de Cuba e da China.
Sobram dezenas de países que com o apoio da União Soviética conquistaram a sua independência.
Sobra a Carta da ONU, criada na sequência da nova ordem mundial com a determinante intervenção da União Soviética e o seu decisivo papel na derrota do nazi-fascismo
Sobra a demonstração prática de que é possível a construção de uma sociedade nova libertada da exploração do homem pelo homem.
Por mais que apregoem o contrário, o capitalismo não é o «fim da história»
Sobra o valor da organização e da luta dos trabalhadores e dos povos como fator decisivo no processo de transformação social.
Sobram muitos Partidos comunistas, entre os quais o Partido Comunista Português, e outros partidos operários e organizações progressistas que prosseguem a luta pelo ideal e projeto libertador da Revolução de Outubro, pela democracia, o socialismo e o comunismo.
Sobra a luta anti-imperialista que os povos continuam a travar.
Sobra a luta dos trabalhadores e dos povos pela paz.
Sobra o ideal e o projeto comunistas que continuam a orientar a luta dos trabalhadores e dos povos pela democracia, o socialismo e o comunismo.
E se fosse hoje, como seria a Revolução? E qual seria o seu lema?
Se fosse hoje – e é certo que há de voltar a ser – como qualquer revolução, seja qual for o País onde seja desencadeada, ela será sempre determinada pelo amadurecimento das condições objetivas e subjetivas concretas. Portanto, hoje como ontem, ela terá que ter em conta as condições objetivas e subjetivas verificáveis e terá o lema que, não contrariando leis e princípios universais da teoria revolucionária, reflita igualmente as condições históricas particulares em cada país e em cada momento.
A Revolução de Outubro e a União Soviética – que marca o tempo histórico da passagem do capitalismo ao socialismo – os seus ideais, valores e conquistas, são alvo de uma violenta campanha de mentiras, deturpações e calúnias, tendo em vista ocultar a grandiosa epopeia de edificação duma sociedade, onde milhões de seres humanos se tornaram protagonistas do seu próprio destino, pela felicidade e pela paz.
Se é verdade que a Revolução de Outubro significou extraordinários avanços e transformações libertadoras, o desaparecimento da URSS e as derrotas do socialismo no Leste da Europa no final do século XX, cujas causas, para além de significativos fatores externos, radicaram fundamentalmente num «modelo» que se afastou e entrou mesmo em contradição com os valores e ideais do socialismo, tiveram como resultado um grande salto atrás nos direitos e conquistas dos trabalhadores e dos povos e tornaram o mundo mais injusto, inseguro e perigoso.
O socialismo impõe-se como exigência da atualidade e do futuro
O desaparecimento da URSS não desvaloriza a primeira experiência de uma sociedade livre da exploração e da opressão do homem pelo homem, não apaga a realidade das grandes realizações e conquistas do povo soviético e a decisiva influência da URSS no desenvolvimento mundial, nem altera a natureza exploradora, opressora, agressiva e predadora do capitalismo.
De facto, o capitalismo desencadeia violenta ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e dos povos e um punhado de poderosas multinacionais submetem estados e regiões inteiros. Agravaram-se as formas de exploração, aumentou o desemprego e o trabalho precário, mal pago e sem direitos. Aprofundou-se o fosso entre ricos e pobres no plano mundial e dentro dos diferentes países. A pobreza, a fome e a doença continuam a dominar vastas regiões do planeta. A exploração do trabalho infantil, o trabalho escravo, o tráfico de seres humanos, o comércio de droga, a corrupção e outras chagas do capitalismo não param de alastrar. Generalizam-se as ações de desestabilização e multiplicam-se as guerras de agressão. Alarga-se a corrida aos armamentos. A NATO estende-se até às fronteiras da Rússia e da China.
Por mais que apregoem o contrário, o capitalismo não é o «fim da história» e, no prosseguimento da luta pelo ideal e o projeto libertador da Revolução de Outubro, o socialismo impõe-se como exigência da atualidade e do futuro.
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