Desde janeiro que o programa de gratuitidade, implementado pelo governo, alargou-se ao setor privado, o que veio acentuar a lista de espera por um lugar em creche tanto privada como pública em praticamente todo o país. “Mas a questão das vagas acaba por se resolver, se alguns obstáculos forem ultrapassados”, garante ao SAPO24, Susana Batista.
De acordo com a presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), “as creches têm dificuldade em inscrever-se no portal da Segurança Social. A submissão dos formulários falha constantemente, há falta de informação às famílias, muitas desconhecem o processo, ou seja, são as creches que informam as famílias como se inscreverem no programa”, quando devia ser a Segurança Social (SS).
Outro problema apontado, e este será talvez o que prejudica mais as creches privadas, é o pagamento atrasado. “Tem havido aqui graves problemas de pagamento. Os pagamentos não são feitos corretamente porque a informação que consta na Segurança Social não é a mesma informação enviada pelas creches”.
“O Estado leva mais de 60 dias a pagar às creches, quando muitas precisam de pagar as suas despesas como rendas, funcionários e custos com água e eletricidade atempadamente”, declara Susana Batista.
Isto tem provocado “grande insatisfação” por parte das creches, porque acabam por não receber de lado nenhum. “Já não estão a receber dos pais, porque a Segurança Social diz que vai pagar e isso não acontece. É uma complicação muito grande”, lamenta.
O problema afeta apenas o setor das creches privadas. “A nível das IPSS, o problema nunca se coloca. Tanto quanto sei, nunca tem de haver comunicação de frequências, de certeza que não é este o processo, também não me o quiseram dizer”, afirma a representante. As “frequências” é o relatório com o número de crianças que as instituições privadas devem enviar mensalmente à Segurança Social. Se for uma creche IPSS, fica dispensada desse envio. [ver nota de correção]
“Tem a ver com o número de autorizações. Ou seja, se uma sala tem autorização para 15 crianças, a Segurança Social paga-lhe as 15. Esta deve ser a única razão que justifica porquê que ainda obrigam os pais a preencher todas as vagas que existem no setor social de um concelho antes que lhes seja permitido frequentar gratuitamente uma creche privada”, declara.
“A medida só é alargada ao setor privado quando não houver vagas no setor social”, afirma Susana Bastos, acrescentando que ouviu na comunicação social, a secretária de Estado a dizer que não podia estar a pagar [por cada criança] duas vezes. “Isso significa que já estão a pagar ao setor social, independente de estarem lá as crianças ou não”, deduz.
Através do programa “Creche Feliz” o governo pretende atribuir o acesso gratuito a uma creche para todas as crianças nascidas depois de 1 setembro de 2021 ou com mais de 4 meses de idade, após licença de maternidade da mãe. No entanto, os critérios de acesso ao privado tornam o processo complicado.
Os pais querem inscrever os filhos para o próximo ano letivo, mas não sabem se vai ser gratuito ou não, numa creche privada. Por causa da regra que criaram que só pode ser gratuito no privado, se não houver vaga no setor social (nas IPSS) - - Susana Batista
“As crianças quando se inscrevem numa IPSS com vaga, o único critério que se aplica é a data de nascimento. Se a criança tiver nascido depois de 1 de setembro de 2021, a criança tem direito à gratuidade, ponto final. No caso das creches privadas, existem muito mais critérios para a criança ter direito”, reclama Susana Batista.
“O primeiro é o mesmo que a data de nascimento, mas depois há uma série de outros critérios que não se colocam às IPSS”, aponta e dá como exemplo se “a criança ou a família não residir ou se os pais não trabalharem no mesmo concelho onde está a creche, ela não tem direito à gratuitidade”.
Neste campo da localização, o setor privado enfrenta “várias situações complicadas em que as creches estão situadas no limite dos concelhos, porque acontece, em que a dois quilómetros ao lado tem pais a residir e essas famílias perdem esse direito”, descreve.
“E por último, se houver uma única vaga na IPSS do concelho, a criança tem de ir para essa instituição, mesmo que fique a 20 ou 30 quilómetros de distância e mesmo que haja uma creche privada ao lado. Ou seja, não lhe é dada a possibilidade de escolher uma creche que tenha aderido ao programa. A prevalência é esta, contudo, vê-se cada vez menos porque não há vagas nas IPSS e em lado nenhum”, sublinha Susana Batista.
A Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), tem alertado para o problema de falta de vagas, que apesar de não ser novo, acentuou-se com o alargamento da gratuitidade das creches ao setor privado anunciado pelo governo em 2022 e com arranque em janeiro deste ano.
“No início do ano, a Segurança Social publicou uma listagem com todas as vagas que ainda existiam nas IPSS, para saber onde se ia dar a gratuitidade nas creches privadas. Mais da metade dessas instituições não tinham vagas. As famílias tiveram de fazer prova que as IPSS não tinham vaga, e tinham de ir, pessoalmente, à SS dar prova que não havia vaga para que fosse dada a gratuidade às famílias para as entidades privadas”, denuncia Susana Batista.
“Foi assim que se conseguiu desbloquear uma série de situações. Tem sido um trabalho árduo, mas foi-se conseguindo e alguns concelhos já estão com as entidades privadas a receber crianças”.
Em Dezembro de 2022, segundo dados oficiais do INE, existiam mais de 65.000 crianças com direito a uma vaga gratuita (com mais de 4 meses de idade, após licença de maternidade da mãe). “O número das vagas não aumentou nem desceu”, afirma a presidente da ACPEEP. “As vagas que existiam antes da gratuitidade são as mesmas.
De acordo com a Carta Social, que foi atualizada recentemente, com números de 2021 (antes era de 2018), “vemos que existem cerca de 118 mil vagas em creches em Portugal. Estamos a contar com as IPSS que são cerca de 88 mil e creches privadas que são cerca de 29 mil, ou seja, todas juntas em Portugal existem cerca de 118 mil vagas. Nos números oficiais do INE, em 2020 existiam cerca de 250 mil crianças em idade de frequentar creche, para 118 mil vagas”, remata a dirigente.
“Não há vagas em lado nenhum”
A capacidade de resposta existente em Portugal é insuficiente. As famílias que precisam de trabalhar e deixar as crianças numa creche, a pagar ou não, não encontram solução, “porque não há vagas em lado nenhum”, sublinha Susana Batista. “Agora é que se sente na pele o défice que existe de creches em Portugal, não se consegue encontrar uma vaga, principalmente para quem trabalha”, e não tem onde deixar os filhos.
De acordo com a dirigente da ACPEEP, que faz questão de lembrar que o problema não é novo e recorda que “antes, de uma forma geral, conseguia-se fazer inscrições dos meninos com mais ou menos tempo de antecedência. Agora nem isso”.
Os vários problemas apontados por Susana Batista incluem o aumento de estrangeiros em Portugal, “tem vindo a aumentar exponencialmente e também é preciso encontrar solução para colocar essas crianças, claro”.
Um dos outros problemas reside na falta de creches, no licenciamento. “Pedimos à SS para aumentar vagas, sabemos que construir novas creches leva tempo e custos, mas o licenciamento é ainda pior. Licenciar uma creche em Portugal vai sempre acima dos dois anos. “O processo é extremamente burocrático”.
“O que estamos a propor, no imediato, à SS é que alterem as regras de licenciamento, principalmente quando se trata de reconverter salas. Temos imensas creches - no privado e no setor social, penso - que estão com salas vazias. Que tinham jardim de infância, porque há muitos estabelecimentos que têm as duas coisas, creche e jardim de infância. O que acontece é que há muitas creches que têm salas vazias de jardim de infância”.
Segundo a representante, muitas dessas creches perderam alunos para o Estado desde que o Pré-escolar passou a ser gratuito e, “cada vez mais, tem dado resposta às famílias”. Para a dirigente as salas que estão vazias deviam ser reconvertidas e licenciadas para que pudessem receber crianças.
Para isso bastaria “informar o Ministério da Educação, a dizer que a sala deixaria de ser Jardim de Infância e passaria a ser creche e informava-se a Segurança Social para o licenciamento”. Mas aqui é que está o entrave, segundo Susana Batista, o licenciamento “é um problema grave”.
“Só para licenciar uma sala, vão obrigar, de acordo com a legislação, a criar um processo de licenciamento completamente novo. [A creche] vai ter de rever o funcionamento, vai ter de ligar para os bombeiros, para a Saúde. Portanto, só para criar uma sala de um estabelecimento já existente, vai ter de começar tudo de novo”, lamenta Susana Batista, sublinhando também os custos e o tempo que leva o processo.
De um modo geral, para a dirigente da Associação, as principais dificuldades neste novo programa são os novos critérios que a Segurança Social impõe. Chama-lhe "obstáculos" que dificultam o acesso gratuito às creches.
O Estado leva mais de 60 dias a pagar às creches, quando muitas precisam de pagar as suas despesas como rendas, funcionários e custos com água e eletricidade atempadamente -- Susana Batista
Além do critério das crianças nascerem depois de setembro de 2021, há o novo critério da residência que devia mudar para a freguesia, ou seja, as famílias terem de residir ou trabalhar na mesma freguesia onde está a creche e não a nível do concelho. A obrigatoriedade de procurar vaga no setor social, independentemente da distância entre a casa e a creche e por último, o critério aplicado nas matrículas.
“Os pais querem inscrever os filhos para o próximo ano letivo, mas não sabem se vai ser gratuito ou não, numa creche privada. Por causa da regra que criaram que só pode ser gratuito no privado, se não houver vaga no setor social (nas IPSS) e essa aferição, a SS só permite fazê-la, um mês antes da criança entrar. Os pais têm que pedir o apoio e só nessa altura a SS vai dizer ao pai se vão ter direito ou não”.
A questão dos atrasos no pagamento das creches, por parte do Estado, “é também grave”, reforça Susana Batista.
“Estamos a falar de pequenas empresas, as creches normalmente são estabelecimentos pequenos, que precisam desse dinheiro. Entretanto, posso adiantar-lhe que a tutela está aberta a encurtar os prazos”, garante a presidente da Associação de Pequenas Creches.
“Numa reunião que tivemos com a secretária de Estado, foi-nos dito que estão a rever a situação e que estão abertos a encurtar os prazos, de dois para um mês”.
Segundo Susana Batista, as crianças que frequentaram em março, só no dia 1 abril é que as creches podem enviar as frequências para a SS ficando depois de receber o pagamento que só acontecerá depois de 24 de abril, “é quando começa a pagar”.
“O que eles se comprometem, é pagar dentro do mês que a criança começa a frequentar”, conclui a dirigente.
[Nota de correção: Depois da publicação deste artigo, Susana Batista informou o SAPO24 que foi contactada pelo Gabinete da secretária de Estado que lhe confirmou que "o processo de comunicação mensal de frequências, das crianças abrangidas pela gratuitidade, é igual tanto para as creches do sector privado, como para as creches do sector social com acordo de cooperação". Adicionada às 15h30 do dia 15/04/23]
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