“Se há uma coisa que é muito mais importante do que a política é a demografia”, realça, acusando os sucessivos Governos de “tentativa de escamotear” aquilo que considera ser uma evidência.
Em declarações à Lusa a propósito dos dados preliminares dos Censos 2021, divulgados na semana passada, o investigador emérito do Instituto de Ciências Sociais sublinha que os Governos portugueses, condicionados pelo catolicismo predominante, nunca quiseram verdadeiramente responder à pergunta “por que não queremos ter mais filhos?”.
Segundo os primeiros resultados dos Censos 2021, Portugal tem 10.347.892 residentes, menos 214.286 do que em 2011.
Aliado a esta situação, dados do Instituto Nacional Ricardo Jorge, com base no teste do pezinho, mostram que nasceram em Portugal cerca de 37.700 bebés no primeiro semestre deste ano, o valor mais baixo dos últimos 30 anos no mesmo período.
Recordando a previsão de que “Portugal terá, em 2060, no máximo oito milhões de habitantes”, Villaverde Cabral entende que os Governos têm feito do problema demográfico “um assunto tabu, acerca do qual só pairam incompreensões e mesmo mentiras”.
Portugal “é um dos quatro ou cinco países do mundo com a taxa de nascimentos mais baixa” e um dos países europeus “com mais elevado índice de envelhecimento”, aponta.
Perante este cenário, sustenta, “o objetivo não deve ser apelar aos casais para que tenham mais filhos, coisa que não irá acontecer e que não é uma pura decisão pessoal, mas sim fornecer, tanto a jovens como a idosos, as melhores condições possíveis”.
Ora, “o envelhecimento tem feito aumentar o custo das reformas e da saúde”, frisa o fundador do Instituto do Envelhecimento da Universidade de Lisboa, notando que os lares “estão muito longe de resolver o assunto”.
Assim como as creches, que deviam ser mais e gratuitas. “A baixa natalidade (1,5 no máximo), a redução dos casamentos e o aumento das separações e divórcios representam a quebra objetiva do núcleo familiar”, realça, acrescentando que “a competição pelos empregos contribui para que as mulheres entre os 25-40 anos evitem a gravidez”.
Descrevendo uma “situação trágica”, em que “as pessoas vivem cada vez mais e em condições cada vez mais penosas”, o investigador frisa que “todos os discursos que fujam destes factos só servem para esconder a realidade”.
“A verdade é que um país como o nosso está condenado a perder população, como de resto já está a acontecer. Basta desencantar os dados, porque eles existem. A falta de crescimento económico não ajuda à imigração e a que tem vindo da Europa são reformados que não vão ter filhos”, lembra.
Demografia não se coaduna com ciclos governamentais
A demógrafa Maria João Valente Rosa sustenta que demografia tem de ser pensada “de uma forma mais prolongada, que não se coaduna com ciclos de quatro anos” e mudanças de Governo.
Considerando que a demografia tem sido usada “para justificar aquilo que não deveria estar a justificar”, a demógrafa aponta a falta de uma “estratégia mais abrangente”, por exemplo à semelhança da Comissão Europeia, que “tem uma área que combina demografia e democracia”.
Maria João Valente Rosa destaca “a importância de colocar a demografia no centro” das reflexões e decisões e de “pensar uma política consistente, a médio e longo prazo”.
Maria João Valente Rosa defende: “[é preciso] colocar a demografia no seu devido lugar, como algo que nos poderá dar informações preciosas sobre aquilo que somos hoje e sobre aquilo que iremos ser no futuro”.
Só assim se podem pensar e adotar as “estratégias adequadas”, sustenta.
Segundo os primeiros resultados dos Censos 2021, Portugal tem 10.347.892 residentes, menos 214.286 do que em 2011.
“Ainda é uma panorâmica muto geral, vamos esperar [pelos dados finais], mas [a diminuição de população] não foi uma surpresa. Resta saber o que há a fazer”, situa.
Dados do Instituto Nacional Ricardo Jorge, com base no teste do pezinho, mostram também que os nascimentos em Portugal no primeiro semestre do ano foram os mais baixos dos últimos 30 anos no período homólogo.
A demógrafa assinala a importância do equilíbrio entre mulheres e homens. “Nenhum país da Europa tem assegurada a substituição de gerações (2,1 filhos por mulher), mas os países que têm níveis de fecundidade menos baixos são países mais igualitários, em que a partilha de responsabilidades entre homens e mulheres é mais equilibrada”, assinala.
“Ter um filho não pode ser algo que nos penaliza para a vida, e que penaliza em especial as mulheres”, observa, constatando: “dentro de casa mudou muito pouco, continuam a ser as mulheres a terem as responsabilidades essenciais, quer domésticas, quer parentais.”
Ora, esta desigualdade “tem vindo a ser trabalhada, mas não muito”, o que pode ser verificado nos salários, onde “a diferença continua muito marcada”, denuncia.
É igualmente preciso pensar no trabalho não tanto em termos do número de horas, mas em função dos resultados que se obtém. “Em Portugal, ainda estamos muito longe desse princípio e quanto mais horas a pessoa está no trabalho mais valorizada é”, lamenta.
Faltam também apoios à primeira infância. “Temos um filho, mas onde o vamos deixar depois”, pergunta, destacando que a dificuldade de conciliar “é uma equação particularmente penosa para as mulheres que tiveram o primeiro filho”.
A demógrafa alerta ainda para algo que considera “extremamente perigoso”: a ideia de que vamos deixar de envelhecer.
“Estamos a envelhecer e vamos continuar a envelhecer, para o ano estaremos mais envelhecidos do que estamos hoje. Não vale a pena andarmos a lutar contra esta tendência. O que é preciso é pensarmos no modo mais adequado de a sociedade se adaptar a uma população progressivamente mais envelhecida”, frisa.
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