O Kremlin vai querer “defender o seu investimento” e “continuar a honrar os contratos” assinados com a República Centro-Africana (RCA), Mali, Líbia, Sudão, e outros países africanos onde o Grupo Wagner se tinha instalado, prevê Alex Vines, diretor do Programa África da Chatham House — Royal Institute of International Affairs, em Londres, em declarações à Lusa.
Em contrapartida, acrescenta, “não será fácil a expansão de operações do tipo-Wagner a novos países” no continente.
“Neste momento, não sei se o Grupo Wagner está em posição de procurar novos negócios. Penso que estão na posição de solidificar, consolidar, gerir uma transferência de poder e depois ver o que se segue”, diz também Theodore Murphy, diretor para os Assuntos Africanos do Conselho Europeu de Relações Internacionais, um instituto de análise dedicado à política externa europeia em Bruxelas.
Julia Stanyard, analista sénior da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, em Genebra, prevê que será “muito difícil” a Putin encontrar uma liderança para o Grupo Wagner “à altura” de Prigozhin e da restante cúpula dirigente — também morta no despenhamento do avião em que seguiam sete passageiros do grupo e três tripulantes no passado dia 23 de agosto — mas não acredita na hipótese de uma “futura dissolução do grupo”.
Não será fácil ao Kremlin encontrar ou mesmo reerguer uma entidade que ofereça o “bouquet” de serviços que o grupo liderado por Prigozhin proporcionava a Putin, sublinham os analistas abordados pela Lusa.
Não apenas porque esse “arranjo floral” era como que uma extensão da natureza do próprio líder da Wagner, como também porque, ao reconhecer publicamente em julho a ligação entre o Ministério russo da Defesa e o grupo, Putin deixou de poder usar, como até aqui, o argumento de que o Estado russo nada tem a ver com a atuação do Wagner, classificado por Londres esta semana como organização terrorista.
“O desafio para Moscovo é que os meios que utilizou para ganhar influência, através do GW, o destacamento de paramilitares, a desinformação, a interferência eleitoral, a troca de armas por recursos, são todos irregulares e muitas vezes ilegais”, afirma Joseph Seagle, diretor de investigação do Africa Center for Strategic Studies, em Washington.
Se Prigozhin proporcionou à Rússia a “negação plausível” de que estava envolvida em “atividades irregulares”, agora, ainda que Moscovo mantenha a intenção estratégica de retomar a sua influência em África, “vai ter de enfrentar desafios para o fazer, porque não tem a destreza nem os relacionamentos para fazer o que Prigozhin tem feito”, afirma Seagle.
Por outro lado, Moscovo “vai enfrentar muito mais críticas por quaisquer abusos relacionados com as forças paramilitares ou com a interferência mais geral na política destes países africanos”, sublinha ainda o analista.
As mortes dos líderes do grupo obrigam o Kremlin a um “trabalho de sensibilização muito ativo em torno da passagem de poder” dentro da estrutura, sublinha Theo Murphy.
“O grupo era um parceiro fundamental para muitos governos africanos, prestando uma série de serviços, alguns menos legais, outros mais abertos, e, de repente, o seu chefe desapareceu”, diz Murphy. “Penso que isso deixa os parceiros africanos com algumas questões”, acrescenta.
Vines recorda “uma bela citação de um alto funcionário da República Centro-Africana após o motim de Wagner”: “Não interessa se é Wagner, Beethoven ou Mozart, desde que os russos continuem a apoiar”.
“O que é interessante nesta discussão é que, se olharmos para os últimos meses, depois do motim, parece que [os russos] chegaram a acordo de que o Grupo Wagner continuará a operar como Wagner em África e na Síria”, diz Stanyard.
A confirmar-se a previsão de Alex Vives, no entanto, Moscovo vai manter os atuais contratos em África, sem expandir-se a novas geografias, como o Níger ou o Burkina Faso.
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