“Há ONG que só fazem emergência e isso tem a ver com taxas de mortalidade, fluxo de entrada de pessoas, etc. Não sei como vai ser. Isso inquieta-me muito. Faz-me temer. Sei que há pessoas que vão viver ali toda a vida…”, desabafa, em entrevista à Lusa para um documentário no âmbito de uma bolsa de exploração da Nomad.
Cerca de 750 mil membros da comunidade rohingya, muçulmana, fugiram para o Bangladesh desde agosto de 2017, após um ataque de um grupo insurgente a postos militares e policiais que levou a uma ofensiva militar pelo exército de Myanmar (antiga Birmânia), país de maioria budista, no Estado ocidental de Rakhine.
“Aqueles pequeninos que vi nascer nos campos vão crescer lá e não sei em que condições quando esta ajuda humanitária sair aos bocadinhos e a situação se tornar em crónica e não de emergência. (…) Muitas coisas urgentes devem ainda ser feitas se queremos que a vida naquele sítio não seja o continuar de um ciclo de dor. Continuamos a magoá-los através da falta de condições e negligência, que é violência. E estão muito negligenciados, sem dúvida”, lamenta.
A médica do Porto, de 27 anos, e que já passou por crises de refugiados na Grécia e humanitárias em Moçambique e Angola, sublinha que este é um “problema de todos”.
“Antes de serem rohingya e refugiados, são pessoas com rosto, histórias de vida, coração. Com sonhos como nós. São nós, não é podíamos ser nós. Somos nós naquelas pessoas, enquanto mundo”, justifica.
Lokas Cruz é crítica do “silêncio” que entende ser cúmplice “do genocídio que continua a acontecer em Myanmar”: “Precisamos ter opinião, uma voz. Um genocídio tem de ser responsabilidade de todos, não apenas de Myanmar. É sobre todos nós e o que o nosso silêncio permite. Cria espaço para estas desumanidades e violações dos direitos humanos”.
“Precisamos de falar, e mais alto. Não acharmos que é por estarmos longe que não nos diz respeito. Estão longe, é na Ásia, são refugiados, são diferentes de nós, rezam outro Deus, têm outra cor de pele... essas coisas limitam a nossa empatia, é ridículo, um absurdo. Não pode acontecer”, alerta.
A médica, que testemunhou as “condições desumanas no maior campo de refugiados do mundo”, assume que as maiores dificuldades no terreno são as de “curar a dor (emocional) que não passa”.
“Se um milhão não nos dói, temos de ir à história de vida de cada um, ao nome, ao rosto. Tenho fobia a números, não falam da dor real das pessoas, que não são estatísticas, dados de um relatório das Nações Unidas”, conclui.
Pedro Freire, da UNICEF, sente-se recompensado pelo impacto do seu trabalho: “Se cada vez que vou aos campos fizer uma criança sorrir, já valeu a pena. Sem dúvida que fazemos a diferença”.
O lisboeta de 33 anos trabalha na recolha, análise e produção de relatórios, mapas e infografias acerca dos abusos e violações dos direitos humanos que as crianças rohingya “sofreram e continuam a sofrer”.
“A comunidade internacional garante abrigo, alimentação e saúde, mas ainda falta segurança, pois a violência sexual continua elevada, educação e liberdade, já que voltar para casa é a principal preocupação dos refugiados”, completa.
O aguedense Ricardo Lobo trabalha no grupo de coordenação intersetorial, é especializado em projetos de transferência monetária e considera que “na atual conjuntura, os refugiados ficarão nos campos pelo menos mais uns cinco anos”.
“Face a essa dura realidade, a minha luta é fazer com que o governo do Bangladesh altere os procedimentos de distribuir a ajuda internacional. Contrariar o seu receio de ver os rohingya desenvolver meios de subsistência, uma forma sustentável de se manterem no país, pois querem que estes regressem ao Myanmar”, completa o humanitário de 37 anos, que, entre outras, já passou por crises diversas na América do Sul, Haiti, Somália, Filipinas, Iraque, Síria ou Moçambique.
A crise dos refugiados Rohingya conta com alguns trabalhadores humanitários portugueses, incluindo Manuel Marques Pereira, coordenador em Cox’s Bazar da Organização Internacional para as Migrações.
A violência sofrida pelos rohingya no Myanmar, descrita pela ONU como limpeza étnica e um possível genocídio, incluiu o assassínio de milhares de pessoas, a violação de mulheres e de crianças e a destruição de várias aldeias, provocando uma das crises humanitárias mais graves do início do século XXI.
Comentários