Segundo a sentença a que a Lusa teve acesso, com data de segunda-feira, o tribunal entendeu que a extinção da fundação pelo despacho do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, assinado em 11 de julho de 2022, assentou em diversos vícios.
Em causa estão a falta de competência do órgão administrativo para a decisão, a violação de um dever de audiência prévia e, sobretudo, o erro nos pressupostos da extinção, em especial o alegado desvio da instituição relativamente aos fins, sob o argumento de que a Fundação José Berardo visava essencialmente a atividade económico-financeira e era usada por Joe Berardo para gerir os investimentos.
“Não existe (…) obstáculo à aquisição, a título oneroso, por parte das fundações, de bens ou direitos com o objetivo de aplicar os rendimentos deles provenientes no reforço do património inicialmente afetado à prossecução dos seus fins”, lê-se na decisão, que acrescenta: “O desvio de fim verificar-se-á quando (…) existe na própria essência do instituto um vício de raiz, uma inclinação oculta para fins diferentes dos ostensivamente consagrados”.
O juiz Eurico Gomes salientou que o relatório da auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) – que serviu de base à decisão de extinção - centrou a análise na gestão patrimonial e na situação económico-financeira da fundação entre 2007 e 2018, apesar de esta entidade ter sido criada em 1988 e formalmente reconhecida no final do ano seguinte. Por isso, argumentou que apenas se analisaram 12 dos 32 anos de existência da Fundação José Berardo, nomeadamente o período entre 2015 e 2017.
“Ainda que as situações de facto identificadas no relatório de auditoria possam consubstanciar a prática, por parte do órgão de gestão, de vários atos em violação do dever de prudência na gestão dos recursos patrimoniais da fundação e em violação dos fins estatutários (…), a verdade é que (…) não se pode afirmar que a atividade globalmente desenvolvida pela Fundação requerente, durante os seus 32 anos de existência, se desviou, de forma permanente, reiterada e sistemática, dos fins de interesse social”, referiu.
Sobre os outros vícios, o juiz entendeu sobre a falta de competência para a extinção que, “ao praticar o ato impugnado, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros exerceu uma competência alheia, sem que estivesse habilitado para esse efeito”.
Já em relação à violação do dever de audiência prévia, o tribunal explicou que os argumentos para dispensar a audiência prévia da fundação com vista a acautelar a execução da extinção não permitiam tirar essa conclusão, tornando o respetivo despacho ilegal.
“Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo procedente a ação e, em consequência, anulo o despacho do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, de 11.07.2022”, concluiu.
Confrontado pela Lusa com esta decisão, o advogado da Fundação José Berardo, Paulo Saragoça da Matta, limitou-se a manifestar “apreço pelo facto de o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal ter tido coragem de fazer Justiça, mesmo neste ambiente adverso”, recusando fazer mais declarações.
A extinção da Fundação José Berardo foi declarada na sequência do relatório da Inspeção-Geral das Finanças, de 2019, no âmbito da Lei-Quadro das Fundações e efetivou-se porque "as atividades desenvolvidas [por esta instituição] demonstram que o fim real não coincide com o fim previsto no ato de instituição", como definia o despacho assinado pelo secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas.
A Fundação José Berardo, criada no Funchal em 1988, foi um instrumento na gestão dos negócios do empresário, através da qual contraiu dívida, nomeadamente para a aquisição de ações do Millennium BCP, estando na base de processos judiciais contra o empresário madeirense.
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