O episódio decorreu durante uma entrevista de Boris Johnson ao canal ITV, em que o jornalista Joe Pike dispunha de uma fotografia, publicada no jornal Daily Mirror, de uma criança de quatro anos, com um possível diagnóstico de pneumonia, a dormir numa “cama” de casacos no chão de um hospital na cidade de Leeds, no Reino Unido.
Apresentada como uma prova da degradação do National Health Service (NHS, o sistema nacional de saúde britânico), Pike tentou mostrar a fotografia a Johnson, tendo-se este aparentemente recusado a olhar para ela. O repórter tentou repetidamente que o primeiro-ministro visse a imagem, mas Johnson preferiu falar dos seus planos de investimento para o NHS, dizendo que ainda não a tinha visto e que a “estudaria mais tarde”.
Perante a insistência de Pike, Johnson terá então tirado o telemóvel das mãos e colocado no bolso do casaco do entrevistador. Só que, visado pelas queixas do jornalista, o primeiro-ministro voltou então atrás com a decisão e viu a fotografia.
“É uma fotografia terrível, e obviamente peço desculpa à família a todos aqueles que têm tido experiências terríveis no NHS, mas o que estamos a fazer é apoiá-lo [ao NHS]”, concedeu Johnson defendendo, porém, que os doentes no NHS “têm uma experiência melhor do que este pobre miúdo teve.”
O primeiro-ministro pediu ainda desculpa por ter tirado o telefone ao jornalista.
Decorrendo em plena campanha eleitoral — já que as eleições gerais acontecem no próximo dia 12 de dezembro e o atual primeiro-ministro é o candidato pelo partido Conservador —, os partidos da oposição não perderam tempo a partilhar as imagens televisivas nas redes sociais e a acusar Johnson de falta de empatia.
“Ele simplesmente não quer saber”, escreveu Jeremy Corbyn, candidato pelo partido Trabalhista. “Eu penso que ninguém se devia comportar assim. Apesar de muitas perguntas dos jornalistas irritarem os políticos, é o que é, é parte do processo democrático. Não acho que esse seja o tipo de comportamento que devamos ter — eu nunca faria isso”, acrescentou.
Também a líder dos Liberais Democratas, Jo Swinson, reagiu, dizendo que Johnson “simplesmente não quer saber”.
Um murro que não o foi
O caso, porém, não se ficou por aí. De forma a conter os potenciais estragos políticos da entrevista do primeiro-ministro, o seu secretário de estado para a Saúde, Matt Hancock, foi ao hospital de Leeds para verificar a degradação do serviço em primeira mão.
No entanto, a sua ida também ficou marcada por controvérsia, tendo sido recebido com protestos de ativistas trabalhistas. No rescaldo dos protestos, um conselheiro de Hancock foi atingido na cara e a equipa de campanha de Johnson apressou-se criticar o episódio categorizando-o como uma agressão a um membro do partido Conservador.
No entanto, conforme demonstrado por um vídeo captado por uma jornalista da BBC no local, é visível que o conselheiro foi inadvertidamente contra a mão esticada de um dos protestantes e que estes, apesar de gritarem “tenham vergonha” e “não vos queremos neste país”, não se comportaram de forma violenta.
O partido Conservador foi então obrigado a retrair-se das acusações, apesar de, conta o Guardian, manter a narrativa de que o comportamento dos protestantes foi inadmissível.
O caso, porém, também foi aproveitado pela oposição, tendo um porta-voz dos trabalhistas dito que “os Tories [Conservadores] estão tão desesperados por nos distrair de que um rapaz de quatro anos está a dormir no chão do hospital por causa dos seus cortes no NHS que, uma vez mais, recorreram a mentiras”, acrescentando que “este é um novo ponto baixo e o partido Conservador tem perguntas sérias a responder”.
Neste momento, as sondagens dão conta de uma possível maioria absoluta para o Partido Conservador nas eleições legislativas britânicas, sendo, porém, ainda possível que os eleitores decidam manter o parlamento dividido, dizem os especialistas em sondagens.
O que é certo é que a mãe da criança visada na fotografia no hospital de Leeds disse à BBC que não quer o seu filho seja usado como uma arma de arremesso político, tendo avançado com uma queixa ao regulador.
No documento, diz que tinha autorizado inicialmente dois jornais a utilizar a fotografia, mas que esta rapidamente se espalhou a outros meios de comunicação e que isso causou “sofrimento significativo” ao seu filho e à restante família.
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