1. O que se sabe esta sexta-feira?

Resposta curta: Quem vai a julgamento no âmbito do caso Operação Marquês e por que crimes fica pronunciado.

Resposta longa: Seis anos após ter sido detido, José Sócrates pode tornar-se esta sexta-feira no primeiro ex-chefe de Governo português a ser julgado por corrupção e outros crimes. O juiz Ivo Rosa marcou para 9 de abril a leitura da decisão instrutória, onde se ficará a saber quem vai a julgamento no âmbito do caso Operação Marquês e por que crimes fica pronunciado.

De acordo com o jornal 'Público', a leitura, que se prevê demorar mais de uma hora, terá lugar na sala do piso zero do Edifício A, no Campus da Justiça, em Lisboa, pelas 14h30, e será transmitida em direto pelos canais de televisão.

No final da leitura, essa decisão, devido à sua dimensão, será disponibilizada, por via digital, aos advogados e jornalistas.

2. Sócrates é o único arguido?

Resposta curta: Não, o processo tem 28 arguidos (19 pessoas e nove empresas).

Um por um: O ex-primeiro-ministro é o principal de um conjunto de 28 arguidos, são eles:

  • José Sócrates (ex-primeiro-ministro): corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada – 31 crimes;
  • Carlos Santos Silva (empresário): corrupção passiva de titular de cargo político, corrupção ativa de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento, fraude fiscal e fraude fiscal qualificada – 33 crimes;
  • Joaquim Barroca (ex-administrador do Grupo Lena): corrupção ativa de titular de cargo político, corrupção ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada – 14 crimes;
  • Ricardo Salgado (ex-presidente do BES): corrupção ativa de titular de cargo político, corrupção ativa, branqueamento de capitais, abuso de confiança, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada – 21 crimes;
  • Zeinal Bava (ex-presidente executivo da PT): corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada – cinco crimes;
  • Henrique Granadeiro (ex-gestor da PT): corrupção passiva, branqueamento de capitais, peculato, abuso de confiança e fraude fiscal qualificada - oito crimes;
  • Armando Vara (ex-ministro e antigo administrador da CGD): corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada - cinco crimes;
  • Helder Bataglia (empresário): branqueamento de capitais, falsificação de documento, abuso de confiança e fraude fiscal qualificada – 10 crimes;
  • Rui Horta e Costa (ex-administrador de Vale do Lobo): corrupção ativa de titular de cargo político, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada – quatro crimes;
  • Bárbara Vara (filha de Armando Vara): branqueamento de capitais – dois crimes;
  • José Diogo Gaspar Ferreira (ex-diretor executivo do empreendimento Vale de Lobo): corrupção ativa de titular de cargo político, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada – seis crimes
  • José Paulo Pinto de Sousa (primo de José Sócrates): branqueamento de capitais – dois crimes;
  • Gonçalo Trindade Ferreira (advogado): branqueamento de capitais e falsificação de documento – quatro crimes;
  • Inês Pontes do Rosário (mulher de Carlos Santos Silva): branqueamento de capitais;
  • João Perna (ex-motorista de Sócrates): branqueamento de capitais e detenção de arma proibida;
  • Sofia Fava (ex-mulher de Sócrates): branqueamento de capitais e falsificação de documento;
  • Luis Ferreira Marques (funcionário da Infraestruturas de Portugal): corrupção passiva e branqueamento de capitais;
  • José Ribeiro dos Santos (funcionário da Infraestruturas de Portugal): corrupção ativa e branqueamento de capitais;
  • Rui Mão de Ferro (sócio administrador e gerente de diversas empresas): branqueamento de capitais e falsificação de documento – quatro crimes;
  • Lena Engenharia e Construções, SA: corrupção ativa, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada – sete crimes;
  • Lena Engenharia e Construção SGPS: corrupção ativa e branqueamento de capitais - três crimes
  • Lena SGPS: prática de crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais – três crimes;
  • XLM-Sociedade de Estudos e Projetos Lda: branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada – cinco crimes;
  • RMF-Consulting, Gestão e Consultoria Estratégica Lda: branqueamento de capitais;
  • XMI – Management & Investmenst SA: corrupção ativa e branqueamento de capitais;
  • Oceano Clube – Empreendimentos Turísticos do Algarve SA: fraude fiscal qualificada – três crimes.
  • Vale do Lobo Resort Turístico de Luxo SA: fraude fiscal qualificada – três crimes;
  • Pepelan – Consultoria e Gestão SA: fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais – dois crimes;

3. O que está em causa?

Resposta curta: Às 19 pessoas/arguidas foram imputados 159 crimes, de um total de 189, nomeadamente, corrupção passiva e ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada, falsificação de documento, abuso de confiança e peculato e posse de arma proibida. As empresas estão acusadas de corrupção ativa, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada.

Ao detalhe: No processo estão em causa 189 crimes económico-financeiros, sustentando a acusação que José Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no GES e na PT, bem como para garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios, nomeadamente fora do país, do Grupo Lena.

O Ministério Público argumenta, por exemplo, que o ex-governante recebeu 21 milhões de euros do grupo GES/Ricardo Salgado e mais 2,5 milhões do seu amigo de longa data e arguido, o empresário Carlos Santos Silva, e três milhões dos negócios do grupo Lena em Angola, entre outras verbas, que perfazem 34,1 milhões de euros.

As datas-chave da Operação Marquês

A investigação começou em julho de 2013 e reuniu extensa prova documental e digital, da qual fazem parte mais de três mil documentos em suporte de papel e 13.500 milhões de ficheiros informáticos.

José Sócrates é detido no aeroporto de Lisboa a 21 de novembro de 2014 quando chega de um voo proveniente de Paris. Só viria a ser libertado 11 meses depois, a 16 de outubro de 2015.

A 11 de outubro de 2017 o Ministério Público acusa José Sócrates de 31 crimes (corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada). Uma nota da Procuradoria dá conta ainda acusação de outros 27 arguidos num total de 189 crimes.

Quase ano depois, a 28 de setembro de 2018, o juiz Ivo Rosa é escolhido por sorteio eletrónico para dirigir a fase de instrução.

A fase de instrução, que termina na sexta-feira, foi pedida por 19 dos arguidos e começou em 28 de janeiro de 2019.

Um ano e três meses depois, em março de 2020, teve início o debate instrutório, que terminou em 3 de julho.

A 23 de março de 2021 é conhecida a data da decisão instrutória: 9 de abril.

A acusação alega ainda que Carlos Santos Silva funcionou como "testa de ferro" na movimentação e entrega de dinheiro de proveniência ilícita a Sócrates, tendo a defesa do ex-líder do PS admitido que algumas quantias transferidas pelo empresário se traduziram em meros empréstimos de um amigo e que isso não é crime.

4. Porquê só agora? 

A fase de instrução começou em 28 de janeiro de 2019 e terminou a 3 de julho de 2020, depois de uma maratona de inquirições e um debate instrutório que durou vários meses.

No final do debate instrutório, o juiz Ivo Rosa leu um despacho a justificar a impossibilidade de proferir uma decisão em 10 dias ou de marcar de imediato uma data para proferir a decisão sobre quem vai ou não a julgamento.

Ivo Rosa alegou que o processo tem 28 arguidos (19 pessoas e nove empresas), defendidos por 39 advogados, tendo levado à realização de 11 interrogatórios a arguidos e inquirição de 44 testemunhas, numa fase processual que durou 133 horas em audiências.

“É manifesta e humanamente impossível proferir uma decisão justa, motivada, livre e independente, num prazo tão curto” como está previsto na lei (10 dias).

Além da análise dos elementos de prova, o juiz justificou que ao tribunal foram colocadas 73 questões jurídicas, entre nulidades processuais, questões sobre inconstitucionalidade e de enquadramento jurídico-penal a somar aos oito pareceres jurídicos, num total de 1.074 folhas.

A acusação do Ministério Público, lembrou, é composta por 11 volumes [5.036 folhas], 14.084 segmentos de factos e 189 crimes imputados aos 28 arguidos, entre os quais 31 ilícitos penais atribuídos ao ex-primeiro-ministro.

Nas palavras do juiz, estes dados "espelham a dimensão e a complexidade do processo", razão pela qual "não existe violação do direito a uma decisão em prazo razoável", nem fundamento para um eventual pedido de aceleração processual.

Tudo isto aponta para que a decisão instrutória também seja de dimensão considerável — cerca de 6 mil páginas, escreve o Expresso.

5. Quem estará presente em tribunal esta sexta-feira?

Na dúvida: Ao Público, Pedro Delille, advogado do antigo primeiro-ministro, não confirmou se Sócrates estaria presente. Isto porque, acrescentam, os arguidos não são obrigados a estar na sala de audiências na leitura da decisão, podendo ser representados pelos respectivos advogados.

Ausências confirmadas: Hélder Bataglia. O empresário já avisou o tribunal que não iria marcar presença.

Prováveis ausências: Zeinal Bava, ex-presidente da PT, em Londres, também não deverá marcar presença, assim como o primo de José Sócrates, José Paulo Bernardo Pinto de Sousa, que está em Angola. Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, também deverá optar por não ir.

6. Conhecida a decisão, o que podemos esperar?

Aqui não há resposta mais curta ou detalhada. Curto não deve ser, de todo, o caminho até ao desfecho deste processo — antecipando o Observador, numa estimativa sua, que tal não deverá acontecer antes de 2036.

Esta sexta-feira, Ivo Rosa pode levar a julgamento todos os arguidos por todos os crimes; levar a julgamento todos os arguidos, mas por apenas parte dos crimes; levar a julgamento apenas parte dos arguidos; pode ainda ter um entendimento diferente da acusação sobre os crimes pelos quais os arguidos devem ser pronunciados ou, em última análise, arquivar o processo.

Uma das grande dúvidas é sobre o que acontece no caso de José Sócrates não ser pronunciado por corrupção: em teoria, pode ser pronunciado pelos restantes crimes de que está acusado. Todavia, há crimes que podem ser indissociáveis, como é o caso da corrupção e do branqueamento de capitais. Também há arguidos que podem ser despronunciados neste cenário, como Carlos Santos Silva e Sofia Fava.

Tudo dependerá da leitura de Ivo Rosa.

Caso o Ministério Público não concorde com a decisão instrutória — num cenário em que alguns arguidos sejam despronunciados por parte ou por todos os crimes —, pode recorrer para o Tribunal da Relação.

A defesa não terá possibilidade de recorrer da decisão instrutória caso o juiz decida pronunciar os arguidos por todos ou parte dos crimes que estão presentes na acusação.

O recurso no caso da defesa só será possível (e só fará sentido) no âmbito de uma decisão desfavorável, ou seja, se forem agravadas as molduras penais dos crimes de que estão atualmente acusados os arguidos ou se o juiz Ivo Rosa entender que há indícios de novos crimes além dos que já estavam presentes na acusação.

O recurso também aqui será para o Tribunal da Relação de Lisboa.

(Notícia atualizada às 12:16 de 9 de abril de 2021: clarificados os cenários em que há possibilidade de recurso)