Em 30 de outubro, dois meses depois de um porta-voz dos talibãs ter assegurado que Akhundzada estava em boas condições de saúde em Kandahar, surgiram rumores de que o "emir" havia feito um discurso numa madrassa (escola corânica) nesta cidade do sul do país.
A intenção dos líderes talibãs era provar a autenticidade da sua aparição, e para isso divulgaram uma gravação de áudio de mais de 10 minutos do seu discurso.
"Que Deus recompense o povo oprimido do Afeganistão que lutou contra os infiéis e os opressores por 20 anos", afirma uma voz idosa, supostamente de Akhundzada. O seu perfil público antes limitava-se a mensagens escritas anuais durante os feriados islâmicos.
Num dos distritos mais pobres de Kandahar, entre uma vala de escoamento e uma estrada empoeirada, dois combatentes talibãs montam guarda do lado de fora da porta azul e branca da madrassa de Hakimia. O local atraiu multidões de curiosos e simpatizantes dos talibãs desde 30 de outubro.
Quando o líder supremo nos visitou, estava "armado" e acompanhado por "três guardas de segurança", disse à AFP o chefe de segurança da madrassa, Massum Shakrullah. "Nem mesmo telefones ou gravadores" foram permitidos dentro do complexo, acrescentou. "Todos nós olhamos para ele e choramos", lembra Mohammed, um dos estudantes de 19 anos.
Questionado se poderia confirmar que era Akhundzada, Mohammed observou que ele e os seus companheiros estavam tão emocionados que "se esqueceram de olhar (...) para o rosto dele".
A necessidade de os líderes talibãs manterem perfis discretos aumentou durante a última década de guerra, com a multiplicação de ataques de drones mortais dos Estados Unidos. A AFP tentou rastrear a localização do líder e as descobertas não oferecem respostas conclusivas.
Akhundzada assumiu o comando do movimento depois de um bombardeamento ter matado o seu antecessor, Mullah Akhtar Mansur, em 2016. O novo líder ganhou rapidamente o apoio do líder da Al-Qaeda, Ayman az Zawahirí, que o chamou de "o emir dos fiéis".
O apoio do herdeiro de Osama bin Laden garantiu as suas credenciais com antigos aliados dos talibãs.
O movimento islâmico publicou apenas uma fotografia de Akhundzada há cinco anos, quando ele assumiu a sua liderança. E aquela imagem, onde aparece de barba grisalha, turbante branco e olhar desafiador, era de duas décadas atrás, segundo os talibãs.
A sua aparição permitiu diminuir os "rumores e propaganda" sobre a sua morte, diz Maulvi Said Ahmad, que chefia a madrassa de Kandahar. Parecia "exatamente igual" ao da famosa foto, segundo Mohammad Musa, de 13 anos, que o observou de longe.
Os líderes do governo afegão derrotado e muitos analistas ocidentais estão céticos e acreditam que o líder morreu há alguns anos. Para eles, a visita à madrassa foi uma farsa cuidadosamente organizada.
Não seria novidade. Por dois anos, os talibãs fingiram que o seu fundador, o mulá Omar, estava vivo após a sua morte em 2013. Akhundzada "está morto há muito tempo e não teve nenhum papel na tomada de Cabul", disse um ex-oficial de segurança do governo à AFP.
Ele morreu com o seu irmão num ataque suicida em Quetta (Paquistão) "há cerca de três anos", disse uma fonte. Essa teoria, com algumas variações, é considerada confiável por várias agências de inteligência estrangeiras.
Outra fonte das forças de segurança da região garante à AFP que "ninguém confirmará ou negará" a alegada morte do líder supremo dos talibãs. O Pentágono e a CIA não responderam aos pedidos da AFP sobre este assunto.
Em Panjwai, um distrito localizado num vasto e árido planalto próximo a Kandahar, todos conhecem os Akhundzadas, uma linha de teólogos respeitados. O emir nasceu na cidade de Sperwan.
"Na época da invasão soviética (1979) aconteceram combates na cidade e Hibatullah foi para o Paquistão", disse Niamatullah, um jovem guerrilheiro e ex-aluno do líder, à AFP.
Após a sua primeira mudança para o Paquistão, Akhundzada tornou-se um estudioso respeitado e ganhou o título de "Shaykh al-Islam", uma distinção reservada aos mais eminentes estudiosos do Corão.
No início dos anos 1990, com a insurgência islâmica repelindo a ocupação soviética, Akhundzada, na casa dos 30 anos, voltou para casa, consultando visitantes "da cidade e do Paquistão", lembra Abdul Qayum, um morador de 65 anos.
De acordo com a sua biografia oficial, a sua ascensão foi meteórica após a tomada de Cabul pelos talibãs em 1996. Akhundzada dirigiu uma madrassa local, atuou como juiz no tribunal provincial de Kandahar e depois dirigiu um tribunal militar em Nangarhar (leste do Afeganistão) até 2000.
Quando os talibãs foram depostos em 2001, comandava o tribunal militar de Cabul. Akhundzada fugiu para o Paquistão, encontrando abrigo em Quetta. O seu conhecimento da lei islâmica fez dele chefe do sistema judicial à sombra dos talibãs e um aclamado formador de uma geração de guerrilheiros que se formou em Quetta.
Akhundzada era "o centro de gravidade dos talibãs (...) mantendo o grupo intacto", disse à AFP um membro do grupo no Paquistão. Segundo esta fonte, que afirma ter se encontrado três vezes com o líder supremo - a última em 2020 - Akhundzada não usa tecnologia moderna.
Ele prefere ligar por telefone fixo e comunicar por meio de cartas com os líderes talibãs que compõem o governo e com os quais mantém um diálogo fluído.
Ainda de acordo com este talibã no Paquistão, o líder autorizou a ofensiva final contra o antigo regime e acompanhou as operações de Kandahar, onde ter-se-á instalado discretamente há meses.
A ameaça de morte contínua, mesmo após o fim da guerra com os Estados Unidos, explica a sua discrição, dizem várias fontes talibãs. E se ele estivesse morto, uma fonte regional aponta que a preocupação com o braço local do grupo extremista Estado Islâmico, EI-K, explicaria porque é que os talibãs têm escondido a sua morte.
"Se anunciarem que Akhundzada se foi e que estão a procurar um novo emir, isso dividiria os talibãs e o EI-K tiraria vantagem", afirma. O grupo radical, todavia, rejeita todas as especulações. O emir está "a liderar à moda antiga", segundo um porta-voz à AFP. “Não é necessário” que ele apareça em público".
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