"Um convite para a Ucrânia integrar a NATO é necessário para a nossa sobrevivência. Estamos a trabalhar a todos os níveis para reforçar a posição da Ucrânia e de toda a comunidade euro-atlântica", disse o chefe de Estado ucraniano após uma série de conversas com líderes da União Europeia em Kiev.
Falando em conferência de imprensa no Palácio Mariyinsky, em Kiev, junto ao novo presidente do Conselho Europeu, António Costa, o chefe de Estado ucraniano salientou que só a adesão à NATO daria "garantias de segurança" à Ucrânia e que só isso poderia permitir negociar um cessar-fogo com a Rússia, que invadiu o país em fevereiro de 2022.
Apesar de agradecer o apoio europeu e dos parceiros ocidentais, Zelensky referiu que a Ucrânia "está a combater sozinha" e a proteger a União Europeia (UE), apelando por isso ainda à integração comunitária e a mais sanções por parte do bloco à "frota fantasma" da Rússia, que tem permitido furar as medidas restritivas.
Sobre a questão do alargamento, o presidente do Conselho Europeu falou, por seu lado, numa "decisão geopolítica", na expectativa de que no primeiro semestre de 2025 se registem avanços nas negociações de adesão e que haja uma integração gradual da Ucrânia na UE, começando com a abolição de tarifas roaming e com a interligação em certos aspetos do mercado interno comunitário.
António Costa chegou esta manhã a Kiev para passar o primeiro dia do seu mandato, acompanhado pela chefe da diplomacia da UE, para garantir apoio à Ucrânia face à invasão russa.
Costa chegou a Kiev por volta das 08h00 (hora local), numa comitiva composta pela Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Kaja Kallas, e a comissária europeia do Alargamento, Marta Kos, que também iniciam hoje funções no executivo comunitário.
O antigo primeiro-ministro português anunciou ter convidado Volodymyr Zelensky a participar na sua primeira cimeira europeia, marcada para 19 de dezembro em Bruxelas, e que espera uma integração gradual da Ucrânia da UE, começando no próximo ano com a interligação no roaming e em certas partes do mercado interno.
A deslocação de alto nível de hoje à Ucrânia acontece após dias de intensos ataques russos contra infraestruturas energéticas críticas do país e no arranque da estação fria no país, que se teme que seja crítica, razão pela qual a UE já mobilizou ajuda, além do apoio (político, humanitário, militar e financeiro) disponibilizado ao país desde a invasão russa em fevereiro de 2022.
Zelensky trocaria devolução imediata russa de territórios por adesão à NATO
Numa entrevista à estação televisiva britânica Sky News no final de novembro, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que está preparado para terminar a guerra na Ucrânia em troca da adesão à NATO, mesmo que a Rússia não devolva imediatamente os territórios apreendidos.
O Presidente ucraniano explicou que a adesão à NATO teria de ser oferecida às partes não-ocupadas do país para pôr fim à “fase quente da guerra”, desde que o próprio convite da NATO reconhecesse as fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia.
Zelensky sugeriu que seria possível alcançar um acordo de cessar-fogo se o território ucraniano que Kiev controla fosse colocado “sob a alçada da NATO”, o que lhe permitiria negociar a devolução do restante território posteriormente, “de forma diplomática”, parecendo aceitar que as zonas ocupadas do leste da Ucrânia ficassem, por enquanto, fora desse acordo.
Foi esta a resposta do chefe de Estado ucraniano quando inquirido sobre notícias divulgadas pela comunicação social de que um dos planos do Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, para pôr fim à guerra poderá ser a cedência, por parte de Kiev, à Rússia dos territórios que Moscovo lhe tomou, em troca da adesão da Ucrânia à NATO.
“Se quisermos pôr fim à fase quente da guerra, temos de colocar sob a alçada da NATO o território da Ucrânia que temos sob o nosso controlo”, afirmou.
“Temos de o fazer rapidamente. E depois, quanto aos territórios [ocupados] da Ucrânia, a Ucrânia pode recuperá-los de forma diplomática”, acrescentou.
Segundo Zelensky, é necessário um cessar-fogo para “garantir que [o Presidente russo, Vladimir] Putin não voltará” para tomar mais território ucraniano, e a NATO deve proteger “imediatamente” a parte da Ucrânia que continua sob o controlo de Kiev, algo de que a Ucrânia “necessita muito”.
“Caso contrário, ele [Putin] voltará”, sustentou.
Esta foi a primeira vez que o Presidente da Ucrânia mencionou um acordo de cessar-fogo que incluiria controlo russo de parte do território ucraniano.
Durante todo o conflito, Zelensky nunca disse que cederia qualquer território ucraniano ocupado à Rússia - incluindo a Crimeia, que a Rússia ocupou em fevereiro de 2014 e anexou formalmente no mês seguinte.
Segundo explicou, tal medida não é permitida pela Constituição ucraniana, e a única forma de o fazer seria se a população dessas zonas concordasse com a secessão.
Ucrânia não está a ganhar a guerra
Cerca de um quinto do território ucraniano continua sob controlo russo.
Em setembro de 2022, a Rússia declarou unilateralmente a anexação de áreas nas regiões ucranianas de Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporijia, na sequência de referendos que não foram internacionalmente reconhecidos como válidos.
A posição de Zelensky há muito que é a de que o território continua a ser ucraniano, que a ocupação russa do território é ilegal e que Kiev não cederá qualquer parte do seu território para obter um acordo de paz.
No início deste ano, apresentou um “plano de vitória” ao parlamento ucraniano, que incluía a recusa de ceder território e soberania da Ucrânia.
No entanto, Moscovo sugeriu que não desistirá de nenhum dos territórios que as suas forças ocupam em qualquer acordo de paz e argumentou que a cedência de território por parte de Kiev é uma condição prévia para se sentar à mesa de negociações.
Apesar da firme defesa ucraniana do seu território e das tentativas de contra-ataque desde o início da guerra, há mais de mil dias, as forças de Kiev têm estado em desvantagem nos últimos meses e a Rússia tem vindo a ganhar lentamente terreno no leste do país.
A Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, com o argumento de proteger as minorias separatistas pró-russas no leste e “desnazificar” o país vizinho, independente desde 1991 - após o desmoronamento da União Soviética - e que tem vindo a afastar-se da esfera de influência de Moscovo e a aproximar-se da Europa e do Ocidente.
A guerra na Ucrânia já provocou dezenas de milhares de mortos de ambos os lados, e os últimos meses foram marcados por ataques aéreos em grande escala da Rússia contra cidades e infraestruturas ucranianas, ao passo que as forças de Kiev têm visado alvos em território russo próximos da fronteira e na península da Crimeia, ilegalmente anexada em 2014.
No terceiro ano de guerra, as Forças Armadas ucranianas confrontaram-se com falta de soldados e de armamento e munições, apesar das reiteradas promessas de ajuda dos aliados ocidentais, que começaram entretanto a concretizar-se.
As tropas russas, mais numerosas e mais bem equipadas, prosseguem o seu avanço na frente oriental, apesar da ofensiva ucraniana na Rússia, na região de Kursk, e da recente autorização do Presidente norte-americano, Joe Biden, à Ucrânia para utilizar mísseis de longo alcance fornecidos pelos Estados Unidos para atacar a Rússia.
As negociações entre as duas partes estão completamente bloqueadas desde a primavera de 2022, com Moscovo a continuar a exigir que a Ucrânia aceite a anexação de uma parte do seu território.
*Com Lusa e AFP
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