A vontade de muitos adeptos em chegar ao Marquês de Pombal pareceu equivaler à vontade das àguias em resolver cedo o encontro que valeu o primeiro tetra da história do Benfica. Ainda decorria a primeira parte do jogo e já se davam conta dos cachecóis, das camisolas vermelhas e dos adeptos a quererem passar o gradeamento em algumas artérias que dão acesso àquele espaço que há três anos serve de salão de festas para a família benfiquista. Uma vez lá, foi assistir a um mini-festival de música, ver o passeio de lambreta de Eliseu no palco e ver o fogo-de-artifício sob a insígnia TETRA.
Num futuro longínquo, daqui a muitos anos, os benquistas ainda se vão regozijar de barriga cheia ao relembrar o título de 2017. Aliás, dificilmente esquecerá qualquer português, adepto ou não de futebol, do dia 13 de maio deste ano, em que se festejou o inédito tetra. Afinal, não é todos os dias que alguém celebra um título nacional no mesmo fim-de-semana que exulta o Centenário das Aparições de Fátima (com a canonização dos pastorinhas e a visita de um Papa) e se festeja a vitória de Portugal no Festival Eurovisão da Canção.
A “Operação Marquês” (a do Benfica) começou a ser desenhada por volta das 18:30. Cervi abriu o mote na Luz logo cedo, aos 11 minutos, e os adeptos perceberam que o enguiço dos quatro campeonatos seguidos estava muito perto de ser quebrado. Mais cinco minutos de jogo, e o mexicano Jiménez apontou aos colegas de equipa o caminho à meta final, com mais um golo; a Pizzi e Jonas coube o trabalho de cruzá-la e terminar o campeonato a demonstrar um fio de jogo com uma qualidade de campeão que muitos pregam não ter existido durante a maior parte do campeonato.
Mas isto era no estádio. Fora dele, já muitos encarnados se encaminhavam para a festa benfiquista, que teve o corolário no Marquês de Pombal, em Lisboa. E o jogo ainda nem tinha terminado. “Ninguém para o Benfica”, gritavam uns. “Abram lá isso, pá!”, gritavam outros para a polícia que se encontrava na Avenida Fontes Pereira de Melo, nas grades montadas junto a uma pizzaria.
Até que soou o apito final e com ele a abertura da rua que dava acesso à tão almejada festa. Eram revistados um a um, os adeptos que estavam agora bem perto do objetivo. Não interessava que estivessem no local onde horas mais tarde ia passar o autocarro com a equipa. Ao sabor da euforia, tudo o que pareciam importar era avançar avenida abaixo. Cerveja de litro e vinho eram despejados para garrafas de plástico, enquanto havia quem optasse por as ingerir de um folgo. Certo é que as garrafas iam ficando amontoadas nos contentores do lixo. Nesta altura, “ainda a procissão vai no adro”. E não haverá outro fim-de-semana para encaixar tão bem a expressão.
Ao mesmo tempo, no Estádio da Luz, os jogadores iniciavam a festa no relvado, regada a champanhe e já na companhia das respetivas famílias. E foi a segunda vez que Eliseu foi o centro das atenções. Ele e a sua motorizada. A primeira, foi no balneário. O espaço podia ser reduzido, mas o açoriano de 33 anos arranjou engenho para manobrá-la e “sacar uns peões” valentes. Depois, achou por bem brindar os presentes com uma voltinha na “36” no relvado e nas zonas mais próximas das bancadas. Mas festa que é a festa, é em direção em Marquês. E é para lá que vamos e de onde prometemos não sair até que praticamente nos mandem embora.
Bailando, bailando...
Quem esteve presente nos festejos dos últimos anos tem mais ou menos ideia do que pode esperar. Muito vermelho, cânticos e sabe que vai ouvir ene vezes o… "Bailando", de Enrique Iglesias e Mikael Carreira. Se não teve oportunidade de ir ao Marquês de Pombal festejar os últimos títulos do tetra campeão nacional, deixamos uma dica: faça a festa "Bailando", vai ver que entra rapidamente no espírito. Em 2015, quando o Sporting vencia na Luz por 3-0, ao intervalo, os adeptos leoninos entoaram a música de Enrique Iglesias devido ao resultado atípico que o placard ostentava. Porém, quem virou campeão foi o Benfica e a música pegou de estaca nos festejos. E este ano não foi diferente. Ainda não eram 22h00 e já tinha sido passada quatro vezes. A partir daí, deixámos de contar.
“É espetacular uma vez, é engraçado recordar o momento quanto toca a segunda. Mas, a partir daí, é só cair no ridículo. A malta já sabe o que aconteceu. Fomos campeões duas vezes e eles [Sporting] ficaram a ver navios. Mas isto é um exagero! Cansa! Metam o hino, outra ***** qualquer!”, confidencia-nos um adepto encarnado. A pedido, é a nota que deixamos à organização da festa.
Não obstante, há quem não se rale nada com isso. E que nos quer mostrar algo. “Hey, hey!”, diz um rapaz que apareceu no nosso enlace. Ao mesmo tempo, baixa a gola da t-shirt para mostrar uma tatuagem feita “hoje”. É o símbolo do Benfica que tem tatuado a cores no peito. “Mas repara que está no coração! Olha só para este pormenor. É o amor da minha vida!”
Aqui, vê-se realmente de tudo um pouco. No que toca à família benfiquista, em Lisboa, ninguém fica fora da festa do Marquês. Há espaço para tudo e todos. Amigos, namorados, família e… animais de estimação. Em momentos de alegria, também estes fazem parte do agregado familiar e saem à festa. E desenganem-se aqueles que pensam que não vêm equipados a rigor. Se pensou que não havia camisolas para todos os feitios e tamanhos, não seja tão crente nisso.
De novos a graúdos, passando por muitos adolescentes, há gente de todas as idades. Em euforia e num dia onde é esperado serem-se cometidos alguns excessos. E, quando assim é, existe sempre receio para que exista confusão. Porém, nesta noite viam-se pais, filhos, avôs e avós, “todos juntos”.
Os pais não tiveram medo de trazer os filhos à festa do tetra. Um desses casos é Gustavo Bonifácio, de 36 anos, e do seu filho Martim, de 9. “Se tenho medo de o trazer? Não, não tenho. Se fosse esse o caso [de ter medo], nem saia de casa”. E este ano tinha de ser. Nem que fosse por ter tantos anos de vida como o seu clube tem títulos. E sobre o jogo desta tarde, pai e filho têm opinião unânime: “Foi o melhor jogo da época”. Esta foi, aliás, a opinião de muitos adeptos com quem falámos. Isso, e que Jorge Jesus já só faz parte do passado.
Um simpatizante, que fez uma viagem curta de Alverca até Lisboa, admite que já tem não saudades de Jesus. A seu ver, aquele que é agora o treinador do Sporting, ao serviço do Benfica não fez mais do que a sua obrigação. “Fez aquilo que foi pago para fazer”.
No entanto, a festa e a música continuam. São quase 22h00. As pessoas vão ziguezagueando, pedindo licença e tentam chegar o mais possível perto do palco. Os primeiros petardos fazem-se ouvir. É então que damos de caras com uma fã benfiquista especial.
Reparamos numa senhora de Campo de Ourique, com 75 anos, à qual infelizmente não conseguimos apanhar o nome, mas a quem tiramos o chapéu. Dança, gesticula e sorri. Faz com toda a certeza gente muito mais nova duvidar da sua vitalidade. Não só pela atitude. Porque nem na hora da vestimenta se desprimorou: chapéu de pasteleiro e avental com o símbolo da águia, bandeira às costas, camisola vermelha. E lá vai mostrando aos que passam como se faz, sendo frequentemente abordada. "Posso tirar uma fotografia consigo? Não se importa?", pergunta um jovem. Não se importou. Depois, relata, apesar de marcar presença na "hora do tetra", já “esteve em muitas” e não “falhou [nenhuma ida aos festejos] nos últimos quatro” anos. Esteve sempre presente. E diz que o “Jesus era o Jesus, o outro é o outro [referindo-se a Rui Vitória]”.
Salvador, a noite também foi dele
Mas nem só de bola e Benfica viveu Marquês. Também a vitória de Salvador Sobral no Festival da Eurovisão se entoou em alto e bom som. Durante os festejos, o speaker de serviço pediu ao DJ que parasse a música para “dar uma notícia de última hora”. E não foi para dizer que o autocarro dos jogadores estavam perto. Foi, sim, para entoar o nome de Salvador Sobral. Este gritava 'Salvador', os adeptos benfiquistas respondiam 'Sobral'. Ali, no Marquês, também se "amou pelos dois".
E desengane-se se considera que só havia DJ e cântico para o novo vencedor Salvador. Nada disso. Houve tempo para Richie Campbell meter grande parte dos presentes à frente do palco a cantarolar em uníssono, para Dengaz mostrar que “estávamos todos juntos”, para os Amor Eletro puxarem pelos mais adormecidos e cansados, Carlão galvanizou os mais ferrenhos com um “ainda bem que nasci benfiquista” e DJ Kamala animou as hostes encarnadas. Até porque o tempo é de festa, o Benfica é tetra!
Passámos agora por uma mescla de sensações e situações. Uns momentos mais mexidos, outros nem tanto, que serviram para pegar no telefone, tirar selfies, enviar mensagens e aprumar as localizações geográficas dos amigos perdidos no meio da multidão. Muitos aproveitaram para ir refrescando as gargantas a cerveja e sangria, enquanto ainda havia quem decidisse qual seria o melhor local para as gigantes bandeiras.
Mas algumas pernas já acusavam o cansaço. Já se notava em algumas caras o quebrar. E foi aí precisamente que nos interrogamos sobre as escolhas do DJ. É que a música no Marquês dá para todos os gostos. Vai do oito ao oitenta. Enquanto não chegam os jogadores e a equipa técnica - e a mota do Eliseu… -, ao fim de algumas horas, olhamos e escutamos com mais detalhe. Porque já fizemos de tudo: saltamos, cantámos e pulamos.
Nunca foi tão fácil saltar do Tomorrowland (festival de música eletrónica belga) para o sambódromo do Rio, e ainda ter tempo numa ou duas músicas para curtir raggae. O animador de serviço oscilava entre faixas bem mexidas, ritmadas e de eletrónica mais pesada para Fáfá de Belém. Bora, DJ! Há que agradar a gregos e a troianos, não é verdade?
Isto, entenda-se, com um "Bailando" pelo meio. Pensavam que tinha terminado? Nada disso.
Mas, se há algo que vida ensina, é que quem espera, sempre alcança. E o tão almejado autocarro finalmente chegou e a multidão presente catapultou numa apoteose verdadeiramente intensa. A taça vinha nas mãos de Eliseu - pois, claro! - e foi um a ver se te havias de saltos, gritos e devaneio emocional.
"Nunca mais nos vamos esquecer desta noite"
"1904, 1904, 1904! La la la la", "Campeões, campeões, nós somos campeões", "Ninguém para o Benfica, ninguém para o Benfica, allez ohhhh". Até que se acendeu, em cima do palco, a iluminação da palavra que deu nome ao festim: TETRA. Foram dez minutos de uma intensa catarse que, segundo relatos, “fizeram valer todo este tempo de espera.”
Depois, o clássico “We are the Champions”, enquanto se desfilava com o troféu de campeão português de futebol perante os vários milhares de adeptos encarnados que enchiam aquela praça lisboeta. Até que chegou de vez dar a voz aos heróis. Primeiro falou o timoneiro das tropas, Rui Vitória, para muitos a razão da união da equipa.
“Foram 10 meses de trabalho árduo, com estes grandes jogadores. Foram nove meses em primeiro lugar, foi uma luta constante para termos este ‘tetra’. Hoje estou orgulhoso, satisfeito, realizado, por uma vitória que jamais esqueceremos. Sintam o privilégio de viver esta história”, disse.
De seguida, o treinador lembrou outras gerações de “enormes jogadores” que ficaram pelo tricampeonato. “O tetra fica com esta equipa e fica connosco, que temos a possibilidade de viver esta história. Nunca mais nos vamos esquecer desta noite, deste momento. Podemos contar a netos, filhos. É único no Benfica e nós fomos os primeiros”, afirmou.
Seguiu-se o presidente o Luís Filipe Vieira, que transmitiu uma mensagem curta. “Dizem que eu sou o pai do ‘tetra’, mas o pai do ‘tetra’ é o Benfica, somos todos nós. Agradeço-vos profundamente por todo o apoio que nos deram, aos jogadores, aos treinadores, a toda a estrutura profissional do Benfica, pela oportunidade que nos deram de estarmos hoje aqui”.
Houve mais cânticos, mais “vivó Benfica” e, por fim, cantou-se o hino. Era o fim da festa, com milhares de pessoas a dispersar e rumar até casa. Não sem antes, claro, de Eliseu se ter despedido dos adeptos, uma última vez, aos comandos da “sua” lambreta. Para novo delírio.
Refere a agência Lusa que a PSP estima que, no Marquês de Pombal, se concentraram cerca de 200 mil pessoas, mas do Estádio à praça lisboeta, de norte a sul do país, de Maputo a Newark (EUA), a festa uniu muitos mais.
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