Daniel Traça fez de cicerone no campus da Nova School of Business and Economics (Nova SBE), em Carcavelos, Cascais. A obra, financiada pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) ao abrigo do plano Junker e por particulares e empresas, um financiamento pouco visto pelas nossas bandas, estará completa antes do verão e em pleno funcionamento no próximo ano letivo.
O diretor da Nova BSE falou de educação e das universidades portuguesas, em particular do novo campus que surgirá com a praia a dois passos.
Portugal assume-se hoje, nas suas palavras, como um palco ideal para quem quer discutir, pensar e construir o futuro. Para além da liberdade de pensamento que aqui encontram, os fatores preço e qualidade de ensino também entram nas contas de quem escolhe Portugal para estudar ou lecionar. Sejam portugueses ou estrangeiros. “Aqui impedimos a fuga e vamos roubar cérebros”, garante.
Daniel Traça quer que na Europa e em Portugal se pense “à chinês”, olhando para o longo prazo. Fixa as metas para daqui a 10 anos e para os desafios que o mundo irá trazer. Com os Estados Unidos da América e a China hoje na liderança económica, o diretor da SBE defende que a Europa deve reformular o Estado Social.
Em relação a Portugal, reconhece que o Estado — embora pesado e que pede mais do que tem capacidade para oferecer — precisa de entregar mais e pedir menos, e, que por isso, tem que ser mais eficaz a resolver problemas.
Portugal está na moda em muitos setores e também na educação. As universidades portuguesas atraem cada vez mais estudantes estrangeiros. Que razões estão por detrás dessa captação?
Estamos a fazer um caminho, recebemos cada vez mais alunos estrangeiros e o ensino superior português vai continuar a recebê-los. Somos competitivos do lado do preço e temos uma excelente qualidade de ensino.
Portanto, preço e qualidade é a receita?
É mais do que isso. E nesse capítulo falo do que pretendo para o campus em Carcavelos da Nova School of Business and Economics (Nova SBE). Temos que passar de uma lógica de uma educação associada um lugar interessante — de Lisboa como uma cidade divertida, hospitaleira e que não é muito cara —, para uma posição de liderança. E liderança significa o quê? Não só um local interessante para os alunos, mas na dianteira do pensamento e da reflexão sobre o que será o futuro e os grandes desafios da Europa e do mundo. É preciso passar de uma experiência em que atraímos porque é interessante — preço convidativo e qualidade boa —, para uma experiência em que o que se faz aqui é pensar, preparar líderes para lá do presente. É isto que esta escola quer fazer e é isto que esta escola representa.
O que a diferencia das demais?
Queremos aliar aquilo que ensinamos à forma como ensinamos, que é também nova. Vivemos num mundo de medo, de receio. É preciso espaço para refletir e aqui é o melhor espaço para tal, para pessoas e empresas.
Aqui ninguém tem medo?
Aqui ninguém tem medo. É só ir à praia de Carcavelos, estar três dias a pensar e saímos com um rigor novo e uma energia nova. É esse golpe de judo que nos permitirá fazer algo que nenhuma escola na Europa irá conseguir imitar. Haverá diferentes, outras boas, mas esta será seguramente uma experiência única.
Insisto, a junção entre a qualidade de ensino, o estilo de vida e o preço acessível torna-nos competitivos e atrativos?
Da maneira como o mundo está a evoluir, Portugal tem uma história sob a qual pode construir, uma mensagem extraordinária a transmitir: somos o sítio no mundo em as pessoas que se zangavam vinham para conversar. Não é só Lisboa e a praia, mas este é também um sítio onde as pessoas podem vir conversar. E este campus é o melhor sitio do mundo para conversar, para criar soluções.
Hoje uma universidade não é um local onde professores falam e alunos ouvem. É mais que isso, certo?
É muito mais que isso. É preciso treinar e desenvolver os alunos de uma forma nova, mas também não nos podemos divorciar daquilo que se passa à nossa volta, que é um mundo cheio de desafios para o qual as universidades vão ter que contribuir.
As notas são o mais importante para garantir um emprego?
Não são de facto o garante de emprego. São importantes, sim, sinalizam um conjunto de competências, sim, mas é muito mais necessário desenvolver nos alunos outras capacidades – não só de soft skills de trabalho em equipa e inteligência emocional, mas a capacidade de disromper, pensar fora da caixa e uma resiliência para pegar nos projetos e levá-los até ao fim, independentemente das dificuldades. Uma capacidade de ser otimista num mundo que não é objetivamente fácil. Essas competências são cada vez mais necessárias.
E hoje não basta uma licenciatura. O mestrado coloca uma questão: só segue quem tem dinheiro. Onde fica o mérito? As bolsas não chegam a todos.
Tentamos, e grande parte dos fundos obtidos serve para apoiar alunos que têm mérito, para que não deixem de estudar por uma questão financeira [dificuldades]. Passa por nós assegurarmos que, aqueles que por mérito podem fazer a diferença, continuam a estudar. Estudar hoje está mais caro. É um desafio a que temos de dar resposta.
O que é que aprendeu nos bancos da escola que transpôs para a liderança da escola?
Aprendi duas coisas: ser rigoroso na análise, olhar para os assuntos de uma forma crítica e não ir na primeira história. Hoje é muito fácil criar uma narrativa e uma história, mas depois é preciso ser-se exigente. E aprendi a não fazer as coisas de forma mediana, do “serve para resolver”, mas fazer numa lógica de chegar mais longe. Os ex-alunos beberam aquilo que quem fundou esta escola, há 40 anos, tinha na ideia, o sentido para onde esta escola deveria caminhar.
A Nova, como faculdade global, está virada para alunos estrangeiros. Onde entram os alunos portugueses que, por norma, vão estudar para fora de Portugal?
Nos mestrados, 50% são alunos estrangeiros. Temos 20% alemães e temos uma empresa na Alemanha [McKinsey] que vem recrutar cá. Queremos que este seja um campus de Portugal, de um Portugal na Europa, que não se limita a pedir apoio e a pedir ajuda. É um Portugal cujo presidente do Eurogrupo é português, pelo que as soluções europeias passam por Portugal. Isto significa que o apoio do BEI [financiamento de 16 milhões de euros por parte do Banco Europeu de Investimento, ao abrigo do Plano de Investimento para a Europa - Plano Juncker] é importante, sim, mas a lógica está em formar alunos portugueses e estrangeiros que vão gerar soluções relevantes para a Europa e transformar o ciclo de medo num ciclo de esperança para o futuro. Os portugueses ficam em Portugal e os estrangeiros que decidem criar as suas empresas em Portugal ajudam a economia nacional a dar o salto.
Receberam financiamento por parte do BEI, inserido na estratégia europeia de apoio à educação, inovação e investigação, que abre caminho à competitividade e crescimento. Como conseguiu angariar dinheiro das empresas para financiarem a obra? Não é usual em Portugal...
O BEI fechou o financiamento e pagou a obra. Vamos continuar nesta lógica. Queremos atrair professores, aumentar as bolsas. Mas deixe-me contar a história. Decidimos construir o campus no principio da crise. Estava tudo contra nós. O Estado tinha dificuldades, as empresas com rentabilidade reduzida, mas não desistimos. Sabíamos que isto era o futuro de Portugal. Não podíamos contar muito com o Estado, contámos com as empresas (família Soares dos Santos, Jerónimo Martins e o banco Santander, por exemplo), em conjunto com a Câmara Municipal de Cascais. É único na Europa continental. E reativámos a rede de antigos alunos.
"Aqui impedimos a fuga e vamos roubar cérebros"
Um bom “lóbi”, portanto.
Participam antigos alunos na medida das disponibilidades. E temos uma campanha aberta a todos os ex-alunos para sentirem que contribuíram para a construção deste campus. Com as empresas, se no início começámos a pedir, rapidamente tivemos que oferecer. Somos parceiros de quem contribuiu e ajudamos em programas de inovação, formação de executivos, em programa de recrutamento, oferecendo sempre valor.
Fala-se muito da fuga de cérebros portugueses. Quer impedir essa fuga ao mesmo tempo que será responsável por fixar talento vindo de outros países?
Aqui impedimos a fuga e vamos roubar cérebros. A quantidade de professores que dão aulas em universidades no espaço europeu que dizem “eu quero ir para aí”, e que querem fazer parte desta onda de empreendedorismo e positivismo que se vive em Portugal. Dizem que o espaço de reflexão que oferecemos é melhor do que em Inglaterra — onde até pagam mais mas que vão sair da Europa —, ou de outro local onde ouvem sempre a palavra: não, não, não...
Ou seja, para vencer num mundo global é fundamental utilizar esta estratégia das universidades portuguesas: de fixar em Portugal talento nacional e atrair o internacional.
Tudo isso para gerar uma reflexão que crie líderes e traga ideias para, no fundo, ajudar a resolver a enorme quantidade de desafios que temos pela frente. Em cima disso, o que vai contar é se saírem [das universidades] pessoas preparadas, com ideias para transformar empresas, para resolver problemas sociais, e que ajudem a trazer mais otimismo à vida das pessoas.
Deixemos a faculdade e centremo-nos na economia. O empreendedorismo é só reservado às startups ou tem de estar presente cada vez mais nos atores económicos instalados. Ou seja, deve abranger a economia digital e tradicional?
Empreendedorismo visto da seguinte forma: é uma forma de estar numa startup, numa empresa e na vida. É também uma forma de desenvolver nos nossos alunos uma série de competências que serão úteis.
Se não somos nós a pensar nos problemas que vamos ter, e a criar problemas para nós próprios, alguém vai pensar antes de nós e encontrar as soluções primeiro.
Para ser empreendedor basta ter uma ideia ou um produto que chegue ao consumidor?
Não basta ter uma ideia. É insistir, ganhar, ter resiliência, quando corre mal não desistir, passar à etapa seguinte. O empreendedorismo é uma escola excelente. Mas tem outra parte: a disrupção. A palavra não é inovação. Há uma diferença. Quando somos uma organização e olhamos para a inovação vemo-la como uma forma de ajudar a resolver problemas pequenos que temos em mãos. A disrupção é perceber que teremos problemas no futuro e que se formos os primeiros a chegar a eles, estamos a salvaguardar que alguém terá uma solução melhor do que a nossa e nos vai pôr fora do mercado.
O que é que isso implica?
Implica que as organizações, num mundo em que a mudança é assombrosa... A definição de indústria hoje é inconsequente. Dizer o que é a indústria do calçado hoje e dizer amanhã que a Amazon vende sapatos, algo que nunca tínhamos pensado porque vendia livros...
Se não somos nós a pensar nos problemas que vamos ter, e a criar problemas para nós próprios, alguém vai pensar antes de nós e encontrar as soluções primeiro. Mais vale ser culpado de estar louco do que estar errado e alguém nos ultrapassar. Vemos o empreendedorismo numa lógica de como trazer ideias novas, diferentes e disruptivas, e podemos ajudar quem hoje está no mercado a disromper-se a si próprio e a transformar-se. A lógica da transformação digital é esta. Não é pedir ao técnico de IT para fazer uma solução. É saber como vamos estar à frente dos nossos concorrentes e de nós próprios para ir buscar as ideias mais novas. Usamos as startups para ajudar os que estão instalados e que acham que têm uma vida fácil, e não estão preocupados. Não! Preocupa-te, porque alguém está a pensar naquilo que te vai dar problemas daqui a cinco anos e se não pensas agora, vais ter problemas.
O que se pode esperar da economia nacional, das empresas nacionais e europeias, num mundo que se parece dividir em dois grandes blocos – EUA e China. Que papel deve assumir a Europa: passa pelo conhecimento e aposta na investigação?
Tentar dizer vamos por mais x % do PIB na inovação... não vai ser por aí. Toda esta mudança vai trazer novos problemas ao contrato social [nos EUA]. Não sei o que vai dar a reforma fiscal americana. Ninguém sabe o impacto no défice americano. Se mudar o Congresso... são coisas de curto prazo. E o problema é que quem está distraído com o curto prazo, perde o longo prazo. Olhando para daqui a 10 anos veem-se problemas grandes. O contrato social dos EUA está a morrer. A América viveu sempre porque tinha um Estado pequeno e as pessoas sentiam sempre que quem se esforçasse singrava. Isso hoje está a morrer. A clivagem da economia americana é o sonho americano a morrer. A China tem desafios internos: uma classe média a formar-se, que terá que fazer uma transição para a democracia — porque a classe média quando ganha direitos económicos também quer políticos. Esses países agora parecem vibrantes, mas olhando para a frente vê-se que têm desafios grandes. A China, na transição para a democracia; os americanos, no assegurar que o contrato social que os manteve unidos nos últimos anos sobrevive a esta força da tecnologia como fator de aumento de desigualdade. Nós, Europa, temos o Estado Social, que tem uma história boa e temos que ser capazes de o reformar, torná-lo mais sustentável e competitivo.
Não podemos só olhar para a curto prazo, como refere. Vamos pensar à chinês?
Vamos pensar à chinês. E porque é importante pensar à chinês. Porque os desafios que vêm do lado da tecnologia, da sustentabilidade, do choque geracional, da distribuição de rendimento e os desafios da tensão entre EUA-China vão ter impacto e irão testar a capacidade das sociedades em reagir. O Trump desceu os impostos? Mas se calhar terá que os aumentar daqui a três anos. Esqueçam isso, não se preocupem. Preocupem-se sim com o mundo daqui a 10 anos, um mundo diferente, com desafios enormes e como vamos estar preparados para tal.
Como se ganha na globalização, num mundo das marcas e não tanto das bandeiras nacionais?
Se trabalharmos bem a nossa marca. É ir à nossa história e ver que sempre que os povos tiveram problemas, por exemplo o nosso papel na 2ª Guerra Mundial, criámos a ideia de um país, de um espaço e de uma forma de estar livre, positiva, otimista, que tem soluções e tem vontade de criar soluções que não sejam baseadas num sectarismo. Haverá gente que irá para outro lado, sim, mas para Portugal virá gente que tem vontade de pensar, criar e investir.
Portugal passa de epicentro das descobertas ao palco da reunião do mundo?
Hoje já não se descobre. Tornámos o mundo mais pequeno e hoje [Portugal] é o local onde todas as pessoas que querem estar unidas encontram espaço. Os problemas são reais e as soluções têm de ser reais. Queremos estar a produzir soluções reais. E Portugal pode criar uma marca absolutamente fantástica.
Não faz sentido pensar num Estado com mais ou menos influência, é preciso que seja eficaz para resolver realmente os problemas das pessoas sem estar a absorver dinheiro que não existe no bolso de quem trabalha.
E por falar em Portugal, consegue identificar três razões que expliquem o sucesso da economia portuguesa nos tempos mais recentes?
Felizmente, nas questões políticas fez-se um trabalho de continuidade e destaco duas ou três ideias que o país aceitou como um todo. As contas são importantes, têm de estar controladas e ser bem geridas. O grande consenso nacional das contas sob controlo, porque a nossa imagem internacional depende disso. Depois, o papel do país não é virar-se para si mesmo, mas para o mundo. As exportações são importantes, atrair o mundo para cá, fazer sentido como país pequeno virado para o mundo e querendo que o mundo esteja connosco – exportações, turismo, investimento. O facto de essas ideias serem tão partilhadas na sociedade portuguesa é fundamental. Ajudou também o facto de o mundo se ter tornado mais instável, no Brasil, Norte de África e dentro da Europa e em Inglaterra, e de haver mais gente à procura de um espaço como Portugal. Portugal tem um bom ensino, quadros preparados, segurança, facilidade no domínio de outras línguas. O que falta para maior atração de investimento, interno e externo, passa pela redução carga fiscal, menos burocracia e justiça mais célere? Falta mais estratégia sobre como transformar estas ideias numa plataforma algo ambiciosa, para não ser uma moda. O turismo é interessante, mas podemos ir mais longe. E falta que o nosso Estado se torne mais eficaz.
Ainda é um Estado pesado?
Custa muito para aquilo que entrega aos cidadãos. E tem que entregar mais e custar menos. E isso passa por transformá-lo numa máquina mais eficiente. E porque acho que o Estado é tão importante? Porque nos grandes desafios do futuro as sociedades vão precisar de um estado forte. Não faz sentido pensar num Estado com mais ou menos influência, é preciso que seja eficaz para resolver realmente os problemas das pessoas sem estar a absorver dinheiro que não existe no bolso de quem trabalha.
O Estado...?
.... Tem que ser um motor de energia dos portugueses. Para fazer mais, criar mais riqueza e ajudar na estabilização de uma estratégia que aproveite tudo isto. É incrível aquilo que este país era há três anos. Isto é um ponto de partida. Agora é pegar nesta oportunidade incrível que nos caiu em cima e fazer crescer. O Estado é importante para fazer isso, quer do ponto de vista de assegurar um contexto social estável que permita que todos façam parte deste movimento, quer para assegurar que esse movimento se faz de uma forma sustentável e com resultados.
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