“Tendo tomado conhecimento da comunicação do BCP, o Banco de Portugal sublinha que não há qualquer alteração no procedimento de venda do Novo Banco, nomeadamente no acordo assinado com o Lone Star e no calendário acordado”, lê-se no comunicado hoje divulgado pelo regulador e supervisor bancário.
O Banco de Portugal assegura que a venda decorrerá “dentro dos prazos previstos”, uma vez que a ação colocada em tribunal administrativo pelo BCP “não tem como objetivo suspender ou travar este processo de venda”.
Na sexta-feira, após a notícia ter sido avançada pelo jornal 'online' Eco, o banco liderado por Nuno Amado anunciou em comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) que entregou em tribunal um pedido de apreciação jurídica da obrigatoriedade de capitalização contingente pelo Fundo de Resolução no processo de venda no Novo Banco à Lone Star.
A informação ao mercado do banco já referia que "esta diligência não visa nem comporta a produção de quaisquer efeitos suspensivos da venda do Novo Banco e, consequentemente, dela não resulta legalmente nenhum impedimento à sua concretização nos prazos previstos", visando esclarecer aquela "obrigação de capitalização".
Em causa está o facto de, no acordo para a venda de 75% do Novo Banco à Lone Star, o Fundo de Resolução bancário poder ser chamado a injetar até 3,89 mil milhões de euros no Novo Banco por perdas que venham a ser reconhecidas com os chamados ativos 'tóxicos' (crédito malparado e imobiliário) e alienações de operações não estratégicas, caso ponham em causa os rácios de capital da instituição.
A Lusa contactou o BCP para obter mais informações, mas o banco não deu mais explicações oficiais além das que constam no comunicado ao mercado.
As informações obtidas junto de outros intervenientes neste processo e na venda do Novo Banco indicam que em causa está o facto de o BCP estar muito preocupado com os custos que o Fundo de Resolução terá de suportar com o mecanismo de contingência, isto a somar aos que já suporta, pelo que quer ver esclarecido quem pagará e como pagará esses custos caso se concretizem.
Até ao momento, contudo, não foi possível saber quem é a entidade demandada pelo BCP nesta ação judicial, se Banco de Portugal, Fundo de Resolução ou Estado.
Em última análise, o BCP deverá querer travar a garantia do Fundo de Resolução no negócio da venda do Novo Banco, querendo que seja o Estado ou uma entidade estatal a assumir os custos desse mecanismo de contingência.
Em julho, na apresentação dos resultados do BCP no primeiro semestre (período em que lucrou 89,9 milhões de euros), o presidente do banco afirmou que o custo com os mecanismos de resoluções bancárias "já ultrapassa o que é razoável".
O banqueiro rejeitou qualquer agravamento, tendo referido então que o banco pagou no semestre cerca de 90 milhões de euros para financiar os mecanismos de resolução de bancos (em Portugal e na União Europeia), sendo que apenas em Portugal desembolsou mais de 30 milhões de euros para o Fundo de Resolução que financiou as intervenções no BES e no Banif.
O gestor recordou ainda que a deliberação da resolução bancária do BES tinha uma cláusula que referia que "não podia pôr em causa a estabilidade do sistema financeiro".
Questionado especificamente sobre o encargo extra que pode pender sobre o Fundo de Resolução, devido ao mecanismo de contingência, o presidente do BCP foi vago, reiterando que importante é garantir que o valor que os bancos pagam anualmente para este fundo não aumente.
"Pois? Logicamente é uma decisão complexa, difícil, de valor incerto, vamos ver... A prestação não deve aumentar", disse apenas.
O Fundo de Resolução é gerido pelo Banco de Portugal e consolida nas contas públicas, mas a responsabilidade sobre o seu financiamento e sobre as suas dívidas é dos mais de 50 bancos que participam no sistema financeiro português, nomeadamente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e do BCP, já que são os maiores que operam em Portugal.
Este fundo foi criado com o objetivo de prestar apoio financeiro a medidas de resgate a bancos em dificuldades. Contudo, os recursos do Fundo de Resolução têm sido insuficientes.
Atualmente, o Fundo de Resolução tem uma dívida de cerca de 4.000 milhões de euros ao Estado do dinheiro pedido para pagar as intervenções no BES/Novo Banco, sobretudo, mas também no Banif.
Durante os últimos anos, o discurso do poder político era de que o Fundo de Resolução iria pagar grande parte da sua dívida ao Tesouro aquando da venda do Novo Banco, com as receitas daí resultantes.
Contudo, face aos problemas que esta instituição foi revelando foi percebido que as receitas dessa alienação seriam provavelmente poucas ou nenhumas, pelo que houve várias negociações das condições do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução.
A mais recente é de fevereiro deste ano, tendo sido acordado que os bancos poderão pagar até 2046 a dívida do Fundo de Resolução ao Estado pelo empréstimo para a resolução do BES, usando para isso as receitas das contribuições regulares que pagam anualmente.
Contudo, as responsabilidades do Fundo de Resolução poderão aumentar de futuro, devido ao tal mecanismo de contingência.
O contrato de promessa de compra e venda do Novo Banco, assinado em 31 de março entre o Fundo de Resolução (único acionista do Novo Banco) e o fundo norte-americano Lone Star, prevê que o Novo Banco seja alienado em 75%, mantendo o Fundo de Resolução 25%.
A Lone Star não pagará qualquer preço, tendo acordado injetar 1.000 milhões de euros no Novo Banco para o capitalizar, dos quais 750 milhões entrarão quando o negócio for concretizado e os outros 250 milhões até 2020.
Contudo, o Fundo de Resolução mantém responsabilidades, uma vez que, durante oito anos, pode ser chamado a investir até 3,89 mil milhões de euros no Novo Banco para o recapitalizar.
A concretização do negócio da venda do Novo Banco à Lone Star ainda está sujeita a três condições, nomeadamente o sucesso da operação de recompra de dívida própria, atualmente em curso, com que o Novo Banco espera poupar 500 milhões de euros.
A Lusa contactou a Lone Star sobre a ação judicial do BCP, mas fonte oficial não fez comentários.
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