A abertura de inéditos processos de sanções contra Portugal e Espanha por violação da regra do défice inscrita no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) suscitou muitas reuniões, discussões, audiências, audições, troca de correspondência e também de “recados”, expondo mesmo divergências profundas no seio da própria União Europeia (UE) sobre a aplicação das regras, mas terminou definitivamente em novembro com um redondo “zero”, que não agradou a todos, mas que representou vitórias para Lisboa e Madrid.

A possibilidade de sanções aos dois países começou a ser muito falada em Bruxelas na primavera, mas a 18 de maio, por ocasião da adoção de um pacote de decisões no quadro do semestre europeu de coordenação de políticas económicas, a Comissão Europeia decidiu adiar decisões sobre os Procedimentos por Défice Excessivo (PDE) para início de julho, alegando sobretudo razões políticas, designadamente a realização de eleições em Espanha no final de junho.

A polémica estava no entanto lançada e assistiu-se a uma invulgar troca de palavras entre altos responsáveis da UE, tendo o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, e o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble, sido as principais vozes a "estranhar" a decisão da Comissão, que suscitou mesmo pedidos de pareceres aos serviços jurídicos do executivo comunitário e do Conselho.

Mas a própria decisão da Comissão a 18 de maio resultou de acesas discussões no seio do colégio de comissários, também eles divididos sobre a questão, com alguns a defenderem “mão pesada” – e uma inédita imposição de sanções aos dois países – e outros a argumentarem com a necessidade de aplicar as regras com a flexibilidade prevista no próprio PEC.

A 7 de julho, o executivo comunitário acabou mesmo por lançar processos contra Portugal e Espanha após concluir que os dois países não tomaram “medidas eficazes” para corrigir os seus défices excessivos – que no caso português deveria ter baixado dos 3% do PIB em 2015 – e cinco dias depois o Conselho Ecofin confirmou a aplicação de sanções.

Esta foi a primeira vez que foram abertos processos de sanções, apesar de a regra dos 3% ter sido violada mais de 100 vezes pelos Estados-membros entre 1999 e 2015, com França à cabeça (11 vezes).

Contudo, a 27 de julho, e depois de já ter recebido os argumentos do Governo, a “Comissão Juncker”, que tinha que propor o valor das multas – que poderiam chegar até 0,2% do PIB -, decidiu recomendar a suspensão da mesmas, decisão que recebeu a 9 de agosto o aval do Ecofin, apesar de Dijsselbloem ter considerado a mesma “dececionante”.

Encerrada a questão da multa, passava-se no entanto para um outro processo, desencadeado automaticamente a partir do momento da abertura do processo de sanções, o de eventual suspensão de fundos estruturais e de investimento, que desde logo foi remetido para depois do verão, já que o Parlamento Europeu solicitou um diálogo consultivo – o chamado “diálogo estruturado” – com a Comissão Europeia, para emitir também a sua recomendação.

No quadro desse diálogo, iniciado a 3 de outubro, o ministro das Finanças, Mário Centeno, que já escrevera aos eurodeputados – entre muitos contactos desenvolvidos também ao nível diplomático durante todo o processo –, deslocou-se a 8 de novembro ao Parlamento Europeu, onde advertiu que uma hipotética suspensão de fundos teria não só efeitos “muito negativos” na economia portuguesa, como “destruiria a confiança dos portugueses na Europa”.

Nesse mesmo dia, o Parlamento Europeu recomendou de forma clara à Comissão que não suspendesse quaisquer fundos a Portugal e Espanha, a decisão que a Comissão Europeia acabaria por adotar a 16 de novembro, após concluir que, em função da “ação efetiva” realizada pelas autoridades nacionais, o procedimento por défice excessivo devia ser suspenso.