A empresa da Câmara Municipal de Lisboa que está a requalificar o Parque Tejo, onde vai ocorrer a Jornada Mundial da Juventude, adjudicou por ajuste direto a construção de um altar-palco por mais de 4,2 milhões de euros. Conseguimos, Portugal, Lisboa. Esperávamos, desejávamos, conseguimos. Mais uma prova da forma como a Igreja se afasta dos seus princípios: 4 milhões de euros num altar para o Papa falar, quando Cristo precisaria no máximo de três paletes do Leroy Merlin.
Portugal é um país que gosta de ser anfitrião de grandes eventos com milhões de pessoas, enquanto que os portugueses gostariam apenas de ter uma casa com uma sala onde pudessem anfitriar um jantar com dois amigos. No Euro 2004, já tínhamos estourado dinheiro com infraestruturas que não tiveram uso posterior, mas pelo menos, na altura, construiu-se uma Catedral a sério. Nesse certame, Portugal perdeu na final por culpa própria, mas neste novo grande evento internacional já nos podemos queixar de um roubo de igreja. No fundo, Portugal é uma espécie de descampado do Mundo: bom para organizar eventos esporádicos, mas um sítio impensável para se viver.
Julgava que Portugal era um estado laico, mas afinal é um estado Laika: um cãozinho que levanta a pata perante a Igreja porque quer chegar ao Céu. Por outro lado, isto não tem de significar que Portugal é uma nação temente a Deus, temos é uma devoção incondicional por obras públicas inúteis. Felizmente que o Vaticano não é em Portugal - tenho a certeza de que a varanda da Basílica de São Pedro já teria sido transformada em marquise.
É muito católico que a Câmara esbanje dinheiro em altares enquanto os munícipes continuam a viver na miséria habitacional. A fazer lembrar os bons tempos do absolutismo. Só que já não estamos no tempo do D. João V, o Magnânimo. Estamos no tempo do João Que Vive Num Quinto Andar Sem Elevador Por 700 Euros Porque o Senhorio É Magnânimo. Finalmente fiquei esclarecido em relação à falta de oferta de casas na cidade: a Câmara de Lisboa afinal não tem casas vazias - estão é arrendadas a Deus, que é omnipresente.
Os jovens não têm dinheiro para pagar a renda, mas a Câmara tem dinheiro para deixar o dízimo. Estamos tão empenhados em agradar ao Papa que acredito que até estaríamos dispostos a depositar o Carlos Moedas na caixa das esmolas. O lema da campanha eleitoral do atual edil era "Novos Tempos", mas foi uma gralha da gráfica. O verdadeiro mote era "Novos Templos".
Em todo o caso, e apesar do avultado investimento que se está a fazer para que sejam felizes no WebSummit beato, não tenho especial inveja dos participantes. As Jornadas Mundiais da Juventude vão ser no Parque Tejo, construído por cima de um antigo aterro sanitário, que se encontra sob a Vasco da Gama. Vendo bem, há aqui um padrão: Lisboa habituou-se a ser uma cidade que manda os jovens para debaixo da ponte.
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