Qual o objetivo?
Experimentar a tendência que invadiu a nossa vida, de avaliar os factos e acontecimentos sem os conhecermos aprofundadamente, baseando esse mesmo conhecimento naquilo a que se chama a espuma dos dias dos media sociais: os títulos, as imagens e as frases que circulam por aí. As regras eram simples: escolher uma plataforma social e ignorar as restantes, não usar nenhum site ou aplicação de media, não assistir aos noticiários na televisão, escolher uma rádio essencialmente musical.
Assim foi.
Concentrei as minhas atenções no Instagram, através do qual comecei a seguir alguns sites noticiosos e escolhi a rádio Oxigénio para ouvir no carro. Jornais, revistas e outras formas de acesso à imprensa estavam proibidas, da mesma forma que, na TV, só séries ou filmes. Na rádio, principalmente música. Depois, para controlo da experiência, espreitava as trends do Twitter, apenas para perceber qual a polémica da semana e dei por mim num admirável mundo novo em que todos praticamos yoga, nos alimentamos de forma saudável, somos pela sustentabilidade e a proteção do meio ambiente e, sobretudo, lemos muito. Livros em papel. Estranho? É este o mundo real? Não.
Foram os comentadores ou humoristas mais sarcásticos que me lembravam que existia um outro mundo, lá fora, que eu estava propositadamente a ignorar, com fraudes e problemas sociais, a ilusão dos impostos mais baixos, greves e precariedade laboral, num quadro político que nos aproxima a passos largos de uma espécie de fim do mundo, no qual o mundo virtual se assume como real e as pessoas deprimem. Simultaneamente, ignorar a razão pela qual os coletes amarelos invadiram Paris enquanto percebia que os coletes portugueses eram, literalmente, gozados, fez-me sentir mais leve e despreocupada, focada nos meus pequenos problemas quotidianos e atenta aos pormenores que poderiam fazer a diferença na minha vida. Egoisticamente preocupada, portanto.
Se desta experiência posso retirar alguma conclusão, é muito simples: a digitalização dos processos e das nossa relações facilitou-nos a vida ao ponto de nos isolar do mundo, mesmo quando estamos em plena relação com as pessoas e as organizações que o compõem. Nunca como nestas semanas interagi tanto através dos media sociais - não só porque estava dedicada apenas a uma das aplicações, mas porque esse era, também, um dos objectivos da experiência: até que ponto, se simularmos a nossa presença e estimularmos a interação, a rede atua a nossa favor? Não atua, porque a rede é absorvente, alimentando-se dos seus utilizadores enquanto fantasia a retroação simulada, pela realidade real. Complexo?
Isto quer apenas dizer que há poucas, muito poucas, relações reais nos media sociais, repletos de bots* que simulam a presença, gostando ou comentando em nosso nome. Testei diversos exemplos: quando uma conta com um número elevado de seguidores comentava o meu perfil, eu comentava de volta e nunca recebi resposta. Da mesma forma, retribuía os gostos. Depois, essa conta desaparecia do mapa. Nada disto é real, pois não? Percebi, também, que o processo era cíclico e que se alastrou aos órgãos de comunicação social, porque alguns caíram no erro da ganância, procurando angariar seguidores usando serviços de automatização - os bots* - criados para simular a presença humana, já que o algoritmo do Instagram está definido para destacar quem mais interage e quem tem mais popularidade.
Foi curioso verificar que esses mesmos órgãos de comunicação social me seguiram mais do que uma vez neste período para, da mesma forma que começaram a seguir, desaparecerem do mapa porque eu não segui de volta. Esta é a base do Instagram, o famoso follow for follow, numa regra que não supõe excepção. No entanto… Queridos social media managers de órgãos de comunicação social: a regra aplica-se a pessoas, não aos conteúdos e, principalmente, não aos conteúdos noticiosos. Obrigada.
Há, contudo, aspetos positivos nesta experiência, porque não só conheci coisas diferentes como descobri instastories de alguns órgãos de comunicação social muito interessantes: simples e diretos, num estilo radiofónico no qual a imagem complementava a mensagem. Se isto me chegou para estar informada? Sim e não, dependendo do tipo de informação que consideramos relevante. Mas, na verdade, não estava a par dos males do mundo porque informação e conhecimento não rimam com os títulos das notícias ou as polémicas que circulam nos media sociais....
* Aplicação que simula acções humanas de forma repetida e padronizada
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