Recordarei sempre aquela noite em Vila Viçosa, em Agosto de 1979, dois concertos na praça de touros local com UHF, Xutos & Pontapés e Minas & Armadilhas, as ruas que calcorreámos madrugada dentro até não dar mais. Acabámos sentados sobre um tapete à porta do quarto das nossas miúdas na pensão, a única pensão que havia na terra e ficou lotada com o autocarro lotado que o Tó Cabeças e o Pita levaram desde o Vá-Vá até ao Alentejo. Não havia quartos suficientes; adormecemos no chão do corredor.
Em Fevereiro de 1992, foste nosso convidado nos dois Coliseus, Lisboa e Porto. Quando entraste na sala de ensaio dos UHF em Almada e viste uma Gibson Les Paul abandonada, abriste a caixa e perguntaste-me se a podias usar. Claro que sim, era (e é) demasiado pesada para um cantor, ficou-te e fica muito bem na foto. Com os anos compraste uma colecção, vistosas como o esplendor das mulheres dos nossos segredos.
Há dias, quando fui até à vossa sala de ensaio trabalhar com o Tim no projecto “À Sombra do Cristo-Rei”, emprestaram-me o teu combo Orange para ligar a minha nova Gibson SG. Ao ajustar o som do amplificador vi a tua Fender Stratocaster no tripé, uma sentinela do silêncio ali ao meu lado. Calei-me, no turbilhão das imagens a correr por mim; o Tim dera-me as últimas notícias.
Ontem, antes do almoço com uns amigos e três horas antes de a notícia começar a circular, escrevi um pequeno poema enquanto os esperava. É uma oferta da vida, palavras que chegam de algum sítio que não sei nomear:
As coisas estão a mudar
Os meus heróis estão a morrer
É a vida a passar
Há tanto para entender.
Foste um dos nossos heróis; permanecerás o herói que empunhou uma guitarra e abriu o peito aos aplausos que a canção celebra, a ponte que une o artista e o seu público.
Músico, cantor, compositor e poeta. António Manuel Ribeiro lidera a banda portuguesa de rock UHF e escreveu o presente texto a pedido do SAPO24 na sequência do falecimento de Zé Pedro, fundador e guitarrista dos Xutos & Pontapés.
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