Nunca pensei que seria eu a ficar espantado, de boca aberta. Não com o vídeo em si… O problema é que deixei o YouTube avançar e acabei a ver as reportagens do telejornal do primeiro dia da Expo e fiquei, digamos assim, maravilhado. E a rir. Muito.
Contagens decrescentes…
Tudo começou com o grupo de miúdos do secundário que fizeram uma contagem decrescente para entrar na Expo em primeiro lugar — só que tiveram de contar três vezes porque as portas não abriam… À terceira, foi de vez. Entraram e contaram à jornalista a emoção que foi — por trás, víamos portugueses vestidos com a roupa desse século a olhar pela primeira vez para os vulcões de água. Entretanto, os tais jovens que inauguraram a Expo apontaram todos para uma colega, enquanto gritavam, aos saltos: «Esta foi a primeira alentejana a entrar na Expo!» Ah, velhos tempos.
A reportagem avança, sem medo, para o estranho caso do casal de idosos que não conseguiu entrar na Expo porque o bilhete já tinha sido usado. Repare o leitor: estamos a assistir ao abrir de portas no primeiro dia da Expo. Pois, o guarda ralha com o casal porque o bilhete está usado — têm de ir à bilheteira comprar outros.
A jornalista, sem pestanejar, pergunta desconfiada ao atrapalhado casal: «Mas já cá tinham entrado?» E os senhores, a coçar a cabeça, como quem tenta ver se não se está a esquecer de nada: «Não…»
Não, assim de repente, não se lembravam de ter entrado clandestinamente nas obras da Expo para enfiar os bilhetes nas máquinas por usar ali à entrada.
Entre belos peixinhos e o Pato Donald
Continuamos. A jornalista entrevista quem está na bicha para entrar no Oceanário. As expectativas são altas. Uma hora e meia à espera, mas que importa? Esta é a última exposição do século! (Repetia-se muito essa frase…) Logo a seguir, a jornalista encontra um homem que lhe garante não ter estado em bicha nenhuma. Chegou, viu e entrou. O mundo é muito injusto, não haja dúvida.
A jornalista passa à frente e entrevista quem vai a sair do Oceanário. Encontra de novo a famosa personagem dos telejornais: o Jovem Despistado. A pergunta da jornalista? «O que aprendeste?» Resposta: «Aprendi que há peixes bonitos.» Enfim, para perguntas parvas…
A pobre equipa continuou à pesca de gente para entrevistar. Encontrou um português de França que tinha cá vindo de propósito. Nota-se uma certa desilusão na voz: o homem garante que tudo aquilo é giro, mas já tinha ido à Disneylândia de Paris e havia lá coisas parecidas.
Se fosse hoje, uma reportagem destas seria triturada no Facebook, desde as perguntas da jornalista à atrapalhação dos portugueses ali espantados com tudo. E o homem do teleférico — nem imagino o que lhe fariam no Facebook… Qual homem? Conto já a seguir.
Um homem às voltas
O teleférico. Uma Expo sem teleférico não é nada. Os aparelhos lá andam, desde esse primeiro dia até hoje, sem parar. E a vista até é bonita, pois então.
Parece que, nesse primeiro dia, houve um empresário que entrou na gerigonça e ficou de tal maneira espantado com o que viu que não quis de lá sair. Durante horas o homem ali esteve a dar voltas, a ver dezenas e dezenas de vezes a Torre Vasco da Gama, o Pavilhão da Utopia, a Doca dos Olivais, o Pavilhão de Portugal, o Oceanário, de novo o Oceanário, o Pavilhão de Portugal, a Doca dos Olivais, o Pavilhão da Utopia, a Torre Vasco da Gama — desce, dá a volta e lá vai ele outra vez.
A jornalista teve mesmo de saltar para dentro do teleférico para fazer a entrevista, que de lá é que ninguém o tirava. O homem declarava em gritos entusiasmados que estava ali há quatro horas!! E não tinha intenção de sair dali cedo!! Raramente vi alguém a falar com tantos pontos de exclamação na televisão!! Aquilo era uma maravilha!! Olha o Tejo!!
Talvez ainda lá ande o homem, já o Pavilhão da Utopia vai no quadragésimo nome…
O homem que entrou no teleférico e não quis de lá sair. Dava um filme — ou pelo menos um sketch. Anos depois, apareceram os Gato Fedorento. Mas, vejo agora claramente, não inventaram nada: limitaram-se a consultar os arquivos da RTP…
Estou a criticar o homem que dava voltas sem parar? Não, claro que não: também eu, se voltasse atrás no tempo e visse tudo aquilo pela primeira vez, entrava na maquineta espantado e punha-me a dar voltas sem parar por cima duma Lisboa a estrear. Afinal, o bilhete não era barato — e nem sempre funcionava! — e o teleférico dava para usar sem limites. E era bem mais giro do que estar duas horas numa bicha à porta do Oceanário.
Marco Neves | Tradutor e professor. Autor do livro Doze Segredos da Língua Portuguesa. Escreve no blogue Certas Palavras.
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